Mário júlio de almeida costa



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tivamente, pelo direito romano e pelo direito canónico. Tornou-se,

em suma, de acordo com a atitude da época, um puro e simples

problema técnico-jurídico.

O Liv. II, tít. 9, §3.

(2) Quanto às diferenças, a tal respeito, entre a versão definitiva das

Ordenações Manuelinas, de 1521, de que nos ocupamos, e a primeira versão, de

1512/1514 (cfr., supra, págs. 276 e segs.), ver Braga da Cruz, O direito subsidiário,

cit., págs. 236 e segs.

( ) Cfr., supra, pág. 286.

(4) O direito subsidiário, cit., págs. 251 e segs.

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PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS D£ INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÕNICA
Todavia, as mudanças substanciais aparecem logo nas Orde-

nações Manuelinas. Importa salientar, por outro lado, que se encon-

tra justificada, diversamente do que sucedia nas Ordenações Afon-

sinas, a vigência^subsidiária do direito romano. Aplica-se devido à

sua autoridade intrínseca e não mercê de qualquer subordinação

política do Reino português ao Império (').

Cifram-se em duas as diferenças essenciais de conteúdo que

separam, no âmbito do direito subsidiário, as Ordenações Manueli-

nas e as Ordenações Filipinas do precedente texto afonsino. A

saber:
I — Quanto à aplicação dos textos de direito romano e de

direito canónico, deixa-se de referir a distinção entre problemas

jurídicos temporais e espirituais. Apenas se consagra o critério do

pecado ( ), que fornecia o único limite à prevalência subsidiária do

direito romano sobre o direito canónico, qualquer que fosse a natu-

reza do caso omisso.

II — A respeito da Glosa de Acúrsio e da opinião de Bártolo,

cuja ordem de precedência se conserva, estabelece-se o requisito de

a "comum opinião dos doutores" não contrariar essas fontes. Rela-

tivamente a Bártolo, ITrestrição seria definida tão-só pelos autores

que tivessem escrito depois dele(3).

O facto de a letra da lei colocar a "communis opinio" como

filtro da Glosa de Acúrcio e da opinião de Bártolo levou à inter-

(') Ord. Man., liv. II, tít. 5, pr., ("as quaes Leys Imperiaes Mandamos

soomente guardar pola boa razam em que sam fundadas"). Cfr., também, as

Ord. Fil., liv. III, tít. 64, pr. Alude-se a boa razão "como equivalente de razão

natural ou justa razão", segundo adverte Paulo Merêa, Direito romano, direito

comum e boa razão, cit., in "Boi. da Fac. de Dir.", vol. XVI, pág. 540 (ver, ainda,

Braga da Cruz, O direito subsidiário, cit., nota 69 da pág. 245, págs. 257 e segs., e

293). Toma-se essa expressão com um alcance diverso do que assumiria, mais

tarde, no contexto da Lei da Boa Razão (ver, infra, págs. 356 e segs.).

(2) Ord. Man., liv. II, tít. 5, pr., e Ord. Fil., liv. III, tít. 64, pr.

(3) Ord. Man., liv. II, tít. 5, § 1, e Ord. Fil., liv. III, tít. 64, § 1.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



pretação, posto que não pacífica, de que aquela constituía, em si

mesma, uma fonte subsidiária (*). Por outras palavras: na falta de

direito nacional, de direito romano e de direito canónico, caberia

recorrer à opinião comum, antes da Glosa de Acúrsio e da opinião

de Bártolo.

d) Utilização das fontes subsidiárias


Expôs-se o sistema hierarquizado das fontes de direito, ime-

diatas e subsidiárias, definido pelas sucessivas Ordenações. O legis-

lador procurou sempre estabelecê-lo com clareza e em termos

imperativos.

No entanto, persistiu margem para algumas dúvidas, como

antes se indicou. Mas, sobretudo, assumiam relevo as confusões e os

atropelos frequentes à letra e ao espírito do sistema (2). Não raro, o

direito pátrio era preterido pelo direito romano, considerado a

"ratio scripta", ou, quando menos, prevalecia a regra hermenêutica

de que as normas jurídicas do País deveriam receber interpretação

extensiva ou restritiva, consoante se apresentassem conforme ou

opostas a esse direito. Abusava-se da opinião comum, especial-

mente cristalizada nas decisões dos tribunais superiores. Chegou-se,

inclusive, à aplicação do direito castelhano, que se encontrava fora

do quadro das fontes subsidiárias.

Tal foi o pano de fundo da vida jurídica portuguesa durante

mais de três séculos, em que certas reacções, mormente humanistas,

não conseguiram obstar ao predomínio, mais ou menos rotineiro,

(') Sobre este problema e o das discussões referentes ao critério de fixação

da "opinio communis" (puramente quantitativo ou qualitativo, ou misto, quer

dizer, de uma maioria de autores qualificados por terem versado o assunto ex

professo), consultar Braga da Cruz, O direito subsidiário, cit., págs. 264 e segs., e

NunoJ. Espinosa Gomes da Silva, Hist. do Dir. Port., cit., vol. I, págs. 211 e segs.

(2) Cfr. Braga da Cruz, O direito subsidiário, cit., págs. 253 e segs.

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PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA


do romanismo escolástico ('). Apenas no contexto das reformas

pombalinas, pelos fins de setecentos, o quadro das fontes de direito

sofreria alterações multifacetadas de vulto (2).
54. Reforma dos forais
Não terminaremos a análise das fontes de direito deste

período sem uma referência à reforma dos forais (3). Estes tinham

constituído uma importante fonte de direito local (4), mas, entre-

tanto, com o decurso do tempo, foram-se desactualizando. Uma

parte do seu conteúdo encontrava-se revogada pela legislação geral,

designadamente os preceitos respeitantes à administração, ao direito

e ao processo civil e ao direito penal. Mesmo quanto às normas

ainda vigentes, relativas aos encargos e isenções tributárias, era

manifesto o seu carácter obsoleto: por um lado, referiam-se a

pesos, medidas e moedas em desuso; por outro lado, as providências

estabelecidas com vista à actualização das prestações, mercê da

sucessiva desvalorização monetária, não raro originavam incertezas

e arbitrariedades. Muitos deles, além disso, apresentavam-se num

grande estado de deterioração ou não ofereciam garantias de

inteira autenticidade.

Em resumo, o progressivo robustecimento do poder do rei e a

uniformização jurídica, alcançada através da legislação geral, iam

determinando o declínio das instituições concelhias, bem nítido ao

longo do século XV. Daí que os forais perdessem o seu alcance

anterior e se transformassem em meros registos dos tributos dos

municípios. Simplesmente, numerosas cartas estavam cheias de

deturpações ou apenas obscurecidas pelo rodar dos anos.

(!) Ver, infra, págs. 320 e segs.

(2) Ver, infra, págs. 354 e segs.

(3) Consultar, com amplas indicações bibliográficas, M. J. Almeida

Costa, Forais, cit., in 'Dic. de Hist. de Port.", vol. II, págs. 280 e seg., e in

"Temas de História do Direito", págs. 54 e seg., e 57.

(4) Cfr., supra, págs. 187 e segs., 193, e 258 e segs.

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HISTORIA DO DIREITO PORTUGUÊS



Nas Cortes de 1472/1473, iniciadas em Coimbra e concluídas

em Évora, os procuradores dos concelhos alegaram as deficiências

dos forais, solicitando a D. Afonso V a-sua reforma, para se pôr

cobro às opressões de que os povos eram vítimas. Idêntico pedido se

formulou nas Cortes de Évora e Viana do Alentejo, que decorre-

ram em 1481/1482, logo nos começos do reinado de D. João II.

Como resposta, este último monarca deu conta da decisão que

já tomara em tal sentido. E, de facto, por Carta Régia de 15 de

Dezembro de 1481, determinou-se o envio à Corte de todos os

forais, a fim de se proceder à respectiva reforma, sob pena de

perderem a validade.

Dado que a obra não se encontrava efectuada quando D.

Manuel I subiu ao trono, voltaram os munícipes a solicitar essa

revisão, agora nas Cortes de Montemor-o-Novo, de 1495. Para que

a tarefa fosse levada a cabo, impôs o rei, em 1497, a remessa à

Corte dos forais ainda não entregues, ao mesmo tempo que

nomeou uma comissão de revisão composta por Rui Boto,

chanceler-mor, João Façanha e Fernão de Pina. Admite-se, tam-

bém, a colaboração de Rui da Grã.

De qualquer modo, a reforma ficou concluída em 1520. Sur-

gem, assim, os forais novos ou manuelinos, por contraposição aos forais

velhos, que eram os anteriores (*). Quanto ao conteúdo, recorde-se

que os novos forais se limitaram a regular os encargos e tributos

devidos pelos concelhos ao rei e aos donatários das terras. Havia-se

encerrado a sua carreira como estatutos político-concelhios.

55. Humanismo jurídico


Antes de considerarmos o pensamento jurídico português da

época, maxime a feição mental dos nossos jurisconsultos e o pano-

rama do ensino universitário do direito, impõe-se fazer referência

( ) Os forais, aliás, em número reduzido, concedidos depois da reforma de

D. Manuel I são chamados novíssimos.

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PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
ao contributo que o Humanismo e a Renascença trouxeram para a

evolução dos estudos romanísticos e canonísticos. Tanto entre nós

como no estrangeiro, a cultura jurídica continuava centrada nesses

dois sistemas jurídicos. Mantém-se a subalternidade do estudo do

direito pátrio, quer no âmbito universitário, quer fora dele.

E sabido que o Humanismo e a Renascença constituem dois

fenómenos marcantes da evolução do espírito europeu ( ). À restau-

ração erudita dos textos da antiguidade clássica, seguiram-se trans-

formações gerais nos campos das artes, das ciências, da cultura e da

filosofia. Estiveram subjacentes motivos políticos, religiosos, sociais

e económicos. Despontam ou acentuam-se, então, algumas das

ideias e estruturas que os tempos ulteriores haveriam de prosseguir

e consolidar. Não se insistirá nesses aspectos geralmente conhe-

cidos.


No âmbito do humanismo renascentista inclui-se, também,

uma natural revisão crítica da ciência do direito. Essa nova menta-

lidade enforma a orientação da chamada Escola dos Juristas Cultos,

Escola dos Jurisconsultos Humanistas, Escola Histórico-Crítica e,

ainda, Escola Cujaciana. O último nome deriva de Cujácio (Jacques

Cujas), considerado o mais alto expoente do humanismo jurídico ( ).

(') Quanto aos reflexos renascentistas gerais no nosso país, ver as contri-

buições importantes de Américo da Costa Ramalho, Estudos sobre a Época do

Renascimento, Coimbra, 1969, Estudos sobre o Século XVI, 2.a ed., Lisboa, 1983, e

Para a História do Humanismo em Portugal, Coimbra, 1988, onde se encontra larga

bibliografia.

(?) Sobre o humanismo jurídico, pode ver-se o livro básico de Domenico

Maffei, Gli inizi delVumanesimo giuridico, Milano, 1956 (3.a reimpressão, Milano,

1970). Entre nós, consultar NunoJ. Espinosa Gomes da Silva, Humanismo e Direito

em Portugal no Século XVI, Lisboa, 1964. É valiosa a obra de Isaltina das Dores

Figueiredo Martins, Bibliografia do Humanismo em Portugal no Século XVI, Coimbra,

1986.

A respeito da cultura renascentista e dos seus reflexos no âmbito do



direito, bem como quanto ao humanismo jurídico, à produção científica dos seus

adeptos, à metodologia respectiva e à contraposição entre esta corrente e o bar-

tolismo, ver a bibliografia muito extensa indicada por Cavanna, Stor. dei dir.

mod. in Eur., cit., vol. I, págs. 640 e segs.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS


a) Causas do seu aparecimento. Características
A eclosão desta nova directiva do pensamento jurídico

prende-se a dois factos essenciais. Um deles foi o progresso do

humanismo renascentista para que acabamos de chamar a atenção.

O outro consistiu na decadência, verificada durante a segunda

metade do século XV, da obra dos Comentadores (!).

Em contraste com os ideais propugnados pelos Humanistas,

assiste-se, com efeito, ao uso rotineiro do método escolástico. A

partir de certa altura, os Bartolistas limitam-se, via de regra, a

amontoar nos seus escritos uma série interminável de questões, dis-

tinções e subdistinções, ao lado de uma quase exclusiva citação das

opiniões dos autores precedentes.

Aliás, a normal impreparação e o menosprezo dos Comenta-

dores quanto aos aspectos históricos provocaram viva censura dos

espíritos cultos da época. A própria deselegância do seu estilo não

se tornava menos chocante. Desconheciam, em suma, as "bonae

litterae" que estavam na ordem do dia.

Eis o quadro em que surgiu o humanismo jurídico quinhen-

tista. Começou a encarar-se o direito romano como uma das várias

manifestações da cultura clássica. Foram os juristas desta escola os

iniciadores do estudo crítico das fontes romanas, os primeiros que

procuraram detectar as interpolações nos textos justinianeus(2).

Não deve, porém, entender-se o humanismo jurídico como

um simples movimento cultural dominado pela filologia e a investi-

gação erudita das fontes que continham as normas do direito

romano ("studia humanitatis"). Convirá encará-lo num horizonte

mais rasgado, abrangendo o conjunto das correntes espirituais e

O Cfr., supra, págs. 238 e seg.

( ) Destacou-se na identificação de interpolações António Fabre

(1557/1624).

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PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
intelectuais, mormente os impulsos racionalistas e individualistas,

que definem esse período.

O humanismo jurídico desenvolveu-se, de facto, sob diversas

tendências: desde as filológico-críticas/ orientadas para o estudo e

reconstrução dos textos clássicos, até à que reivindicava a liberdade

e autonomia do jurista na exegese da lei, portanto perante a opi-

nião comum ou interpretação mais aceita. Em qualquer caso, o

postulado básico reportava-se ao livre exame das fontes romanas. E

esta atitude representou, sem dúvida, uma viragem profunda em

face do pensamento dos Comentadores.

b) Precursores e apogeu da escola
Pode dizer-se que foi com o italiano Alciato (1492/1550)

— geralmente considerado o fundador da Escola ( )—, o francês

Budé (1467/1540) e o alemão Zasio (1461/1535) que o humanismo

jurídico, pelos inícios do século XVI, começou a afirmar-se em ter-

mos de movimento europeu. A esse "grande triunvirato "(2), cabe

acrescentar o nome, também cimeiro, de António de Gouveia

(+1510/1566), natural de Beja e que cedo fez estudos em Paris.

Nunca mais regressaria. Passou o resto da vida como mestre presti-

giado de Universidades francesas e italianas (3).

(') Cfr. Calasso, Médio Evo dei Diritto, cit., vol. I, pág. 600, e Cavanna,

Stor. dei dir. mod. in Eur., cit., vol. I, pág. 178.

(2) Na expressão de Maffei, Gli inizi, cit., pág. 126, igualmente assinalada

por Cavanna, Storia, cit., vol. I, pág. 178.

(3) Dos estudos, sobre este humanista, da autoria de J. Veríssimo Serrão,

destacam-se António de Gouveia e a prioridade do método cujaciano do direito, in "Boi.

da Fac. de Dir.", cit., vol. XXVIII, págs. 181 e segs., e António de Gouveia e o seu

tempo (1510-1566), ibid., vols. XLII, págs. 25 e segs., e XLIII, págs. 1 e segs. Ver,

ainda, a "Introdução" de A. Moreira de SA na publicação bilingue dos textos

filosóficos de António de Gouveia, Comentário sobre as conclusões e Em defesa de

Aristóteles contra as calúnias de Pedro Ramo (trad. de Miguel Pinto de Meneses),

317

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



Sabe-se que o ponto de partida da Escola dos Comentadores

se encontra em França, mas que esta conheceu a sua verdadeira

expressão na Itália (]). A Escola Humanista teve trajecto oposto:

surgiu uma primeira corrente filológico-crítica italiana (Vegio,

Valia, Poliziano), depois continuada e desenvolvida em França. Foi

neste país, com destaque para a Universidade de Bourges, onde

Alciato inaugurou o ensino do direito romano segundo a nova

metodologia (1527/1532), que o humanismo jurídico conseguiu

incremento decisivo. Seguir-se-ia a irradiação europeia, mais ou

menos bem sucedida, destacando-se a tendência que se caracteriza

pela autonomia interpretativa do jurista em face das normas legais.

Considera-se a época de Cujácio (1522/1590) como a do apogeu

da Escola Humanista. Nascido em Toulouse, tornou-se o jurista

representativo do século. Marca a sua obra extensa uma rigorosa

exegese histórica e filológica do direito romano, de que resultou a

consequente relativização deste.

c) Contraposição do humanismo ao bartolismo
Nem mesmo na França o humanismo jurídico conseguiu um

triunfo absoluto sobre o bartolismo. Países houve, como a Itália e a

Alemanha, em que esta última orientação continuou a predominar

claramente ( ). Um pouco por toda a Europa se levantaram vozes

Lisboa, 1966, págs. VII e segs., e uma síntese de Luís de Matos, Gouveia (António

de), in "Dic. de Hist. de Port.", cit., vol. II, págs. 363 e segs.

No que toca à amizade entre Cujácio e Gouveia (a quem o primeiro se

referia como "summus amicus meus"), ver J. Veríssimo SerrAo, António de Gou-

veia e o seu tempo, cit., in "Boi. da Fac. de Dir.", vol. XLII, págs. 29, nota 1, e

160 e segs., designadamente pág. 182, nota 1.

(') Cfr., supra, págs. 236 e segs.

(2) Quanto à literatura jurídica do mos italicus, incluindo referências a juris-

tas portugueses, pode ver-se ErnstHolthófer, Literaturtypen des mos italicus in der

europaischen Rechtsliteratur derfriihen Neuzeit (16.-18. Jahrhundert), in "Ius Commune",

cit., vol. II, págs. 130 e segs.

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PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANONIíA
defendendo os métodos tradicionais, com destaque para Alberico

Gentili, que foi professor em Oxford(*). Iria assistir-se, do século

XVI ao século XVIII, a um debate entre o método jurídico francês

("mos gallicus") e o método jurídico italiano ("mos italicus").

Tem-se destacado que os Humanistas se envolveram dema-

siado na especulação pura e que, por isso, construíram, sobretudo,

um "direito teórico", de tendência erudita, enquanto os processos

dos Comentadores levaram a um "direito prático", quer dizer, à

utilização do sistema romano com o espírito jurídico de encontrar

soluções para os casos concretos. Esta síntese do contraste das duas

escolas é, pelo menos, tendencialmente exacta. O programa do

"mos gallicus" apresentava-se, de qualquer modo, não só mais difí-

cil de executar, mercê da preparação científica que exigia, mas

também menos atractivo para a rotina forense.

Observa Koschaker o símile do latim ( ). O emprego apurado

desta língua, apanágio de pequenos círculos de pessoas cultas,

embora conseguisse provocar o descrédito do latim medieval cor-

rente, nunca logrou substituí-lo. Algo de paralelo se deu com o

humanismo jurídico.

Não é de excluir, aliás, que se tenha podido chegar a fórmulas

autóctones mais ou menos coincidentes com a do "mos gallicus",

posto que sem influência directa desta estrita corrente, antes como

resultado do movimento humanista geral. Sempre contaria, porém,

o sentido pragmático dos juristas de formação bartolista.

Cumpre o humanismo jurídico, em termos gerais, um ciclo

efémero. Não venceu os critérios enraizados. Contudo, lançaram-

-se inegáveis sementes que o setecentismo iluminista faria frutificar.

(') Ver o estudo consagrado de G. Astuti, "Mos italicus" e "Mos gallicus"

nei dialoghi "De iuris civilis interpretibus" di Alberigo Gentili, Bologna, 19.37.

(2) Cfr. Europa y el Derecho Romano, cit., págs. 174 e seg.

319

HISTORIA DO DIREITO PORTUGUÊS



56. Literatura jurídica
a) Considerações gerais
Segue-se uma referência aos jurisconsultos que definiram o

pensamento jurídico português da época. IV[as interessará conhecer,

previamente, os reflexos que entre nós alcançaram as orientações

do "mos gallicus" e do "mos italicus", que dominavam, por então,

os horizontes do direito europeu.

O problema, de resto, deve ser visto sob dois ângulos: o da

adesão de um determinado número de juristas nacionais à Escola

Histórico-Crítica e o da sua influência na vida jurídica do País.

Trata-se de aspectos muito diversos.

Houve, indubitavelmente, juristas portugueses que aceitaram

com maior ou menor evidência os rumos do humanismo jurídico.

Todavia, conclui-se que tiveram, em regra, uma acção irrelevante

no quadro nacional, tanto numa perspectiva da construção cientí-

fica, como da realidade prática.

A orientação humanista ligada à corrente filológico-crítica

não transpôs as nossas fronteiras. Os portugueses educados no

humanismo jurídico de raiz italiana, sobretudo inspirado por

Alciato, ou não regressaram ao País (os casos de Henrique Caiado e

Luís Alvares Nogueira), ou, os que regressaram, nenhuma obra de

direito escreveram entre nós (como sucedeu com Luís Teixeira (') e

Martinho de Figueiredo).

O mesmo se passou com os juristas filiados na corrente fran-

cesa continuadora da italiana. António de Gouveia tornou-se um

autêntico estrangeiro; e quanto aos restantes portugueses que estu-

daram em França, alguns voltaram à pátria, mas tiveram também

uma reduzida importância (foi esse o destino de Diogo Mendes de

(') Ver NunoJ. Espinosa Gomes da Silva, Sobre os dois Doutores de nome

Luís Teixeira, in "Boi. do Min. da Just.", cit., n.° 334, págs. 67 e segs., e Giovanni

Minnucci/Leo Kosuta, Lo Studio di Siena nei secoli XIV-XVI, cit., págs. 283 e

segs.


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PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA


Vasconcelos e Miguel de Cabedo) e até não faltou quem acabasse

desiludido com o humanismo (o exemplo de Soares da Ribeira).

No que diz respeito à orientação humanista que reinvidicava

fundamentalmente a liberdade e a autonomia interpretativa dos

textos, reconhece-se que não conseguiu uma sorte muito diversa: os

seus reflexos em Portugal foram esporádicos, apesar de se revesti-

rem de sensata e realista moderação (*). Parece lícito, em resumo,

acentuar o predomínio de juristas que combinaram, numa equili-

brada e apreciável medida, as vantagens práticas do método dos

Comentadores com as exigências eruditas e, sobretudo, com os pos-

tulados hermenêuticos devidos à modernidade humanista. Revela-

ram os jurisconsultos nacionais uma enorme mestria e senso jurídico

de cientistas práticos, ao conciliarem a visão dogmática e a visão

histórica. Entre outros, devem referir-se os nomes de Manuel da

Costa, Aires Pinhel e Heitor Rodrigues; acrescente-se, no âmbito

dos canonistas, Bartolomeu Filipe. Todos eles, de resto, apenas

estudaram e ensinaram aquém-Pirenéus.

Postas estas considerações introdutórias, vejamos os principais


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