As línguas faladas pelos povos indígenas
Apesar de todo um processo histórico marcado pelo genocídio e tentativa do Estado brasileiro de integração da população indígena e suas culturas, muitos povos indígenas resistem na luta pela sua afirmação. No Brasil, existem catalogadas 274 línguas (IBGE 2010), entre os 305 povos indígenas. Estima-se que desde a chegada dos europeus foram extintas 80% das línguas pelos milhões de povos indígenas que habitavam o continente. Muitos desses povos são poliglotas, ou seja, falam o português e uma ou mais línguas específicas. Aqui você pode imaginar uma coisa: alguns desses povos são bem interessantes e têm um repertório linguístico muito mais amplo do que grande parte da população brasileira. Não é mesmo?
As 274 línguas faladas foram identificadas como pertencentes a três grandes troncos linguísticos, Tupi, Macro-Jê e Karib, existindo ainda línguas isoladas, ou seja, aquelas que não pertencem a nenhum tronco linguístico (cf. COLLET; PALADINO; RUSSO, 2014, p. 44; TEIXEIRA, 1995). Mas, o que é um tronco linguístico? São afinidades linguísticas que costumam ser organizadas em famílias de línguas, de modo a identificar origens comuns ou semelhanças. A língua portuguesa, por exemplo, pertence ao tronco linguístico de origem latina, assim como o francês, o espanhol e o italiano. Com as línguas indígenas acontece o mesmo.
Vejamos o que diz uma especialista sobre as línguas indígenas:
Boxe complementar:
Assim como não há um índio genérico, mas muitas etnias indígenas distintas, também não há apenas uma língua indígena. E elas não são idiomas, são línguas no sentido pleno do termo, como qualquer outra língua falada no mundo. Não existem línguas mais pobres ou mais ricas; línguas com poucas palavras ou com vocabulário extenso; línguas sem gramática, ou com gramática simples, em oposição a línguas com gramáticas complexas; ou língua com sons esquisitos e outras com sons normais. Não existe língua primitiva. Toda língua é completa e rica, servindo plenamente para todos os usos que dela se possa fazer.
(FRANCHETTO, 2001, p. 10)
Fim do complemento.
Algumas dessas línguas não se perderam ou ficaram isoladas. Por exemplo, nossa língua portuguesa falada e escrita incorporou e sofreu uma profunda influência das línguas dos povos originários das Américas.
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Vejamos alguns termos indígenas que usamos cotidianamente: Aipim - Arara - Batata - Capim - Capenga - Catapora - Cuíca - Guri - Mandioca - Mata - Mingau - Minhoca - Peteca - Pipoca - Piranha - Tatu - Tucano - Urubu, entre tantos outros.
Bessa Freire (2013, p.1) afirma que "dos 228 mil verbetes que o dicionário Houaiss apresenta em uma de suas edições, cerca de 45 mil são palavras oriundas de línguas indígenas".
LEGENDA: Você já visitou ou viu em fotos as Cataratas do Iguaçu, na fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai? Pois bem, o nome Iguaçu significa água grande ou local com grande quantidade de água. É um termo de origem tupi-guarani.
FONTE: Luiz Fernandes
Também são inúmeros os lugares, as cidades, as instituições e nomes de pessoas que adotam, tais como, nomes de origem Tupi e outras línguas, como: o estado do Paraná, a Rua Visconde de Pirajá, o viaduto do Anhangabaú, o estádio do Maracanã, as cidades de Piracicaba (SP), Aracajú (SE), Gravatá (PE), Niterói (RJ) e tantas outras. Ao todo, como lembra a pesquisadora Raquel F. A. Teixeira (1995), 70% do vocabulário do português brasileiro sobre animais e plantas provêm do tupiguarani, que tem vasta influência no nome de cidades e acidentes geográficos no país. Aliás, você conhece alguém que se chama Moacir, Thaynara, Janaína, Maíra, Mara, Tainá ou Kainã? Pois é, se conhece, converse com a pessoa se ela sabe a origem do seu nome. A propósito, é de origem indígena o nome de um ator famoso de TV e cinema: Cauã.
Enfim, se cada língua no mundo representa um meio de comunicação, uma pronúncia do mundo, uma visão do mundo, essas línguas indígenas são um patrimônio cultural da humanidade. Vamos pensar mais sobre isso?
Poderíamos nos alongar por aqui conversando com vocês, por exemplo, sobre alguns hábitos cotidianos que temos e que são de origem indígena. É o caso do uso do pilão, da peneira, dos balaios. Na cozinha, o uso das gamelas e das panelas de barro. O mais interessante, para quem não sabe: tomar banho diariamente, andar descalço em casa ou ficar de cócoras são todos hábitos da tradição tupi-guarani.
Conhecimentos medicinais indígenas
Muitos ignoram o profundo conhecimento indígena sobre doenças e práticas medicinais. Por essa razão, nos últimos anos, os estudos sobre povos indígenas deixaram de atrair o interesse somente de antropólogos e começam a se tornar tema de estudos de químicos, biólogos e médicos. Mas, vamos refletir sobre isso a partir
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de um relato de um ex-professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro:
Boxe complementar:
Em janeiro de 2009, uma indígena de 12 anos, da etnia tucano, foi picada no pé direito por uma jararaca na região do Alto Rio Negro, na fronteira de Amazonas com a Colômbia, onde não há luz elétrica nem posto médico, e a cidade mais próxima dista 14 horas de lancha. "Eu queria que ela recebesse o soro e depois fosse tratada em casa mesmo, como já fizemos com outras pessoas da tribo", narra o pai, "mas os médicos se desesperaram e quiseram mandá-la ao hospital em Manaus".
Armou-se aí um conflito. Internada num pronto-socorro infantil, a criança passou por cirurgias para retirar os tecidos necrosados pelo veneno da cobra, ao mesmo tempo em que a direção do hospital barrava a entrada do pajé, levado pelo pai, assim como a realização de rituais e a aplicação de ervas curativas. Mas o diagnóstico médico era pessimista: seria necessário amputar a perna da menina para evitar infecção generalizada.
Inconformado, os índios tucanos recorreram à Procuradoria da República e, depois da passagem por uma casa de saúde indígena, conseguiram a internação da criança no Hospital Universitário, cujo diretor propôs a combinação do tratamento médico convencional com os rituais e as ervas indígenas, ministrados pelo pajé. Em três dias de tratamento simultâneo, segundo a imprensa, a criança deixou de ter febre, e logo cresceu a pele, cobrindo os ossos do pé, antes expostos pela ferida. A amputação foi descartada.
(SODRÉ, 2012, p.23)
Fim do complemento.
Esse pequeno episódio narrado por Muniz Sodré nos traz uma questão que recentes estudos em Antropologia, Biologia e Medicina constatam a cada ano, ou seja, ainda há uma visão sobre o conhecimento humano no qual não se reconhece a eficácia de conhecimentos milenares indígenas que existem fora do conhecimento científico eurocêntrico. Isto significa afirmar que os povos indígenas também produziram conhecimentos milenares, mas estes são ainda ignorados e recusados pela cultura branca dominante, quando não, são apropriados de forma indevida, ou seja, sem autorização para fins de produção de medicamentos sem nenhum retorno que os beneficie. Você não acha que isto também pode ser considerado uma forma de racismo? Pense a respeito.
LEGENDA: Aldeia Lobo, Amazônia brasileira (divisa com o Peru). Caciques de aldeias matsés posam para foto.
FONTE: Lucas Bonolo/BBC
Recentemente, o povo Matsés, que vive nos atuais Brasil e Peru, criou uma enciclopédia de 500 páginas sobre sua medicina tradicional. Ela foi escrita por cinco xamãs com a ajuda do grupo de conservação Acaté (organização que luta pela preservação das culturas e povos da Floresta Amazônica). Essa obra detalha cada planta utilizada pelos Matsés como remédio para curar uma enorme variedade de doenças.
Boxe complementar:
Segundo Gersem dos Santos Luciano Baniwa, dentre as diversas características da organização tradicional de certos povos indígenas, existem os "pajés e xamãs, que são responsáveis pela segurança espiritual e física dos indivíduos e do povo" (2006, p. 63). Esses termos - pajé e xamã - são genéricos, sendo utilizados como referências em relação às práticas espirituais de distintos povos. De acordo com Pedro Cesarino, "'xamã' parece derivar deçaman, palavra empregada pelos Evenks siberianos para designar os seus especialistas rituais.
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É análoga a 'pajé', derivada por sua vez de termos das línguas tupi-guarani também utilizados na referência a tais especialistas. Cada uma das línguas ameríndias possui seus termos equivalentes, em qualquer parte dos três continentes".
(CESARINO, 2009)
Fim do complemento.
Mas o conteúdo dessa enciclopédia não é uma novidade na história dos povos indígenas. O conhecimento das plantas medicinais foi sempre muito rico e diversificado. Entre muitos povos existem ervas, plantas ou algumas beberagens terapêuticas destinadas às curas de muitas doenças. Algumas delas, inclusive, foram incorporadas pela medicina mundial, como a ipecacuanha (Cephaelis pecacuana), recomendada contra diarreias sanguinolentas, ou a quina (Cinchona ledgeriana), que age na cura da malária.
LEGENDA: Foto da ipecacuanha (Cephaelis pecacuana), indicada para o tratamento de diarreias.
FONTE: JOmalfazejo2.wordpress.com
"Quem me dera ao menos uma vez explicar o que ninguém consegue entender"
O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), José Ribamar Bessa Freire, que é um dos especialistas a respeito da questão indígena no Brasil, nos traz uma reflexão sobre cinco ideias equivocadas acerca dos povos indígenas brasileiros (BESSA FREIRE, 2003; 2011).
O primeiro equívoco que a maioria dos brasileiros tem sobre os índios é o de que eles constituem um bloco único, com a mesma cultura, compartilhando as mesmas crenças, a mesma língua. Ora, já vimos neste capítulo que existem diversas línguas e diversas etnias.
O segundo equívoco é considerar as culturas indígenas como "atrasadas e primitivas". Os povos indígenas produziram conhecimentos, ciências, arte, literatura, poesia, música e religião. Suas culturas, portanto, não são "atrasadas", como durante muito tempo pensaram os colonizadores - e como ainda pensam muitas pessoas.
O terceiro equívoco é a ideia do "congelamento" das culturas indígenas. Ou seja, entre muitos brasileiros há uma imagem de como deve ser o indígena: nu ou de tanga, no meio da floresta, de arco e flecha, tal como foi descrito por Pero Vaz de Caminha. E essa imagem foi "congelada" pela visão do senso comum. Quando o índio não se enquadra nessa imagem, vem logo a reação: "Ah! Não é mais índio". Na cabeça dessas pessoas, o "índio autêntico" é esse que parece se perpetuar nas imagens da colonização.
O quarto equívoco consiste em achar que os índios fazem parte apenas do passado do Brasil. Um passado "primitivo", que não tem nenhuma contribuição a dar ao "progresso" da Humanidade. Será mesmo essa uma ideia coerente, depois de termos visto as contribuições indígenas nos conhecimentos medicinais?
Por último, o quinto equívoco diz respeito ao brasileiro não considerar a existência do índio na construção de sua identidade. Ora, como vimos também, existem diversas contribuições dos povos indígenas para a formação do Brasil. Não é possível pensar a História do nosso país sem a participação dos povos indígenas, mesmo sofrendo um processo de quase extermínio físico e cultural.
Mas, além desses cinco equívocos apontados pelo professor José Ribamar Bessa Freire, queremos destacar alguns outros aspectos dos povos indígenas e de suas culturas.
Ao contrário da cultura branca, para muitos povos indígenas não existe divisão entre a dimensão da natureza e a dimensão humana, porque elas estão inter-relacionadas.
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Para alguns desses povos tudo é vivo, tudo tem uma mensagem. Em muitas comunidades, por exemplo, árvore não é apenas uma árvore, mas uma entidade que liga céu e terra (sua copa e suas raízes). Ou como diz a música Txai cantada por Milton Nascimento "tudo se chama nuvem, tudo se chama rio" ou seja, as pessoas são interligadas com a natureza, em laços íntimos e essências. Essa visão é milenar entre muitos povos indígenas, mas só recentemente é que a Ciência dos homens brancos descobriu (através das ciências da terra - Física, Biologia, Ecologia etc.) esse aspecto. Será que, talvez, não precisemos aprender um pouco mais com esses povos para a preservação de nosso planeta?
LEGENDA: Professor da UERJ, José Ribamar Bessa Freire.
FONTE: Johnas Cunha/CartaCapital
Outra característica das populações indígenas é a forma como organizam suas comunidades. De acordo com Gersem dos Santos Luciano, um intelectual indígena, que adota o nome público de Gersem Baniwa - como referência à sua etnia -, cada povo indígena possui um modo próprio de organizar suas relações sociais, políticas e econômicas. Pois, em geral, por meio de relações de parentesco ou afinidade política ou econômica. Portanto, essas comunidades que aglutinam (...) um número de pessoas e de famílias muito maior que uma família tradicional europeia. Uma família extensiva indígena geralmente reúne a família do patriarca ou da matriarca, as famílias dos filhos, dos genros, das noras, dos cunhados e outras famílias afins que se filiam à grande família por interesses específicos (BANIWA, 2006, p.43).
LEGENDA: Gersem Baniwa é um dos mais respeitados ativistas e estudiosos da questão indígena.
FONTE: Daiane Souza/UnBagência
Em relação à economia dos povos indígenas, há uma característica que pode ser atribuída à maioria: a necessidade de suprir as questões vitais (físicas, sociais e espirituais) das pessoas enquanto membros participantes de coletividades. As atividades estão centralizadas na caça, na pesca, na coleta e no artesanato, mas principalmente na agricultura, cuja prática faz parte da maioria dos grupos indígenas no Brasil. Assim, a produtividade da maioria dos povos indígenas tem como objetivo resolver basicamente três dimensões da vida humana: alimentação, moradia e solidariedade entre pessoas. Citando Gersem Baniwa, mais uma vez:
Boxe complementar:
Entre os índios, não adianta ser bom pescador (provedor de alimentos) e trabalhador (casa é o símbolo da qualidade) se não for solidário. Este é o principal ensinamento que o jovem iniciante recebe depois de ter passado dias em jejum e no isolamento no mato, caçando, pescando e realizando, o mais que puder, a coleta de frutas nativas sob a rigorosa orientação do seu instrutor (pajé), as quais irá oferecer integralmente aos membros de toda sua comunidade e aos convidados, como gesto concreto de solidariedade e espírito comunitário, durante a festa final. Desta forma, percebemos que as sociedades indígenas, diferente da visão convencional dos economistas, sempre praticaram o excedente produtivo não cumulativo.
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Não é um excedente que visa à acumulação de bens ou de riquezas, mas sim ao cumprimento de valores sociais e morais. Os Yanomami, por exemplo, costumam realizar longas caçadas e, quando estas são bem-sucedidas, convidam outras comunidades, às vezes até da Venezuela, para participarem dos resultados da caçada. Mesmo a caçada bem-sucedida de um dia costuma ser partilhada com todos os membros da comunidade ou da unidade doméstica.
(BANIWA, 2006, p. 194-195)
Fim do complemento.
Por fim, é bom destacar que nem todo indígena vive no "mato" ou nas aldeias das florestas. Eles também vivem nas cidades, usam celulares e computadores, frequentam a escola e se formam em diferentes profissões; alguns se tornam até políticos, mas nem por isso deixam de pertencer a comunidades indígenas. Aquela velha visão de que o indivíduo só pode ser "índio" porque tem cabelo preto e liso, pouco pelo no corpo e só vive no mato e não usa roupa é preconceituosa e limitada, por reproduzir o senso comum. Como vimos, os povos indígenas estão presentes em todos os estados do Brasil e em várias grandes cidades. Assim como outros povos (brancos, negros, asiáticos) se relacionam com outras culturas. Assim como todos nós, eles trocam e se misturam culturalmente, sem perder a sua identidade.
Muitas outras questões poderiam ser apresentadas neste capítulo sobre os povos indígenas. Entretanto, deixemos essas questões para você conversar e debater com os colegas e seus professores. Registramos aqui, porém, algumas dicas de debates: as lutas históricas dos povos indígenas por terras, os preconceitos cotidianos sobre esses povos, as legislações que afetam a vida dos povos indígenas e as diversas mitologias e contos literários indígenas.
LEGENDA: Povos indígenas Pataxó, em manifestação pelo direito à terra, em 2015 - Angra dos Reis - RJ.
FONTE: Katia Zephiro
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Interdisciplinaridade
Conversando com a História
Demarcação de terras indígenas: morte e vida anunciadas
Mônica Lins
Eu tinha uma cultura de milênios,
antiga como o sol,
como os Montes e os Rios de grande Lacta-Mama.
Eu plantava os filhos e as palavras.
Eu plantava o milho e a mandioca.
Eu cantava com a língua das flautas.
Eu dançava, vestido de luar,
enfeitado de pássaros e palmas.
Eu era a Cultura em harmonia com a Mãe Natureza.
Dom Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra
Missa da Terra sem Males
A Missa da Terra sem Males, texto publicado em 1980, foi escrito por Dom Pedro Casaldáliga, um grande expoente da Teologia da Libertação na América Latina, pelo poeta Pedro Tierra. Nesse belo escrito, os povos indígenas, marcados pela opressão e extermínio, assumem o centro da celebração litúrgica católica e, anunciando o templo em ruínas de São Miguel, no Rio Grande do Sul, como um "monumento-ferida em desafio", um testemunho do massacre do Povo Guarani. Além de denunciar o etnocentrismo e o lucro capitalista, esse célebre manifesto alerta para a necessidade de construção de uma consciência coletiva de "memória, remorso, compromisso" diante de uma terra "perdida no lucro, ganhada na dor".
Os enfrentamentos que se arrastaram ao longo de séculos definiram os limites e as fronteiras do território do Brasil que perduram até os dias de hoje. Houve uma diáspora, em diferentes épocas e por diferentes motivos, de povos indígenas por todo o território brasileiro. Muitos povos migraram para outras áreas fundando comunidades em terras distantes de seu território originário como, por exemplo, os Pankararu, que viviam no município de Real Parque, em Pernambuco, que parte deles migrou para São Paulo em busca de trabalho e hoje vive numa favela do bairro do Morumbi, onde reterritorializou-se, fundando uma comunidade indígena. Os processos de desterritorialização não significaram um abandono das tradições de seus povos de origem, que foram muitas vezes reconstituídas em outras regiões, mesmo pelos indígenas que vivem da e na cidade, que apoiam e se articulam nas lutas pelos territórios de suas comunidades originárias.
Parte dos indígenas foi "misturada" e submetida aos processos de proletarização nas minas, nas fábricas, nos serviços de atendimento à população ou em áreas rurais. A ideia de Estado Nacional, presente nas legislações e políticas de Estado até 1988, era a de promover a assimilação ao que se denominava "comunhão nacional", como afirma o Estatuto do Índio - Lei 6001, de 1973. A Constituição de 1988 reconheceu no Art.231 "a organização social dos índios, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre suas terras que tradicionalmente ocupam". Dessa forma, regulamentou um direito imprescritível e promoveu na legislação a diversidade cultural, valor que superou a ideia de "assimilação" e a lógica de "tutela" dos povos indígenas, que predominava até então.
A partir da Constituição de 1988, teve início a demarcação de terras, sob responsabilidade da União: havendo comprovação de que determinadas terras eram tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, elas são devolvidas, independentemente de quem as esteja ocupando. Em 2015 existiam 462 terras indígenas regulamentadas, cerca de 12,5% do território nacional.
A demarcação de terras é fundamental para a preservação dos modos de vida das comunidades indígenas, possibilitando a sua sobrevivência física e cultural. Sem a terra, mãe de crenças, a vulnerabilidade desses povos aumenta muito. Existem hoje territórios indígenas já demarcados em conflito com posseiros, outros com atividades mineradoras ou extrativistas e até mesmo imensas áreas atingidas por projetos governamentais de infraestrutura, como a Usina de Belo Monte. Este projeto data da década de 1970, e sua construção é realizada nas proximidades do Parque Nacional do Xingu, atingindo 12 áreas demarcadas, com a presença de índios isolados e unidades de conservação que protegem as florestas e a biodiversidade local. No caso das grandes obras prevalece a lógica urbano-capitalista do desenvolvimento, que em nome da ideia de "progresso" colide com os modos de vida dos povos indígenas, dos ribeirinhos e da conservação ambiental. Mudam o curso e reduzem a vazão de rios que servem às comunidades indígenas, acabam com unidades de conservação que cobrem cerca de 5 milhões de hectares de terras, interferem na vida de comunidades quilombolas e de terras tradicionais indígenas. Fica a pergunta: cadê os tais direitos constitucionais?
Matam a terra, sufocam a natureza, o indígena arrancado de seu chão sangra a terra e o sangue penetra no espírito da floresta. Ainda nos falta "memória, remorso, compromisso". Assim, podemos afirmar que as palavras de Casaldáliga e Tierra continuam atuais:
"Queremos escutar de coração aberto,
com a mão do remorso sobre a ara do peito.
Queremos reparar a História desta Terra,
massacre secular."
Mônica Regina Ferreira Lins, professora do Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - CAp-UERJ. Graduada em História pela UERJ e Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ.
Fontes: http://goo.gl/fvz7ol Acesso: Janeiro 2016 http://goo.gl/1E2V78 Acesso: Janeiro 2016
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Interatividade
Revendo o capítulo
1- Quais são os fatores que explicam o crescimento populacional dos povos indígenas nos últimos anos?
2- Descreva pelo menos duas das cinco ideias equivocadas sobre os povos indígenas no Brasil.
3- Quais são as principais características dos povos indígenas, segundo Gersem Baniwa?
Dialogando com a turma
1- Com a ajuda de seu professor ou professora, organize com seus colegas uma pesquisa no seu bairro e tente descobrir quais são os termos e palavras das línguas indígenas presentes no cotidiano das pessoas.
2- Existem indígenas vivendo em quase todos os estados brasileiros e, ao contrário do que se pensa, eles não estão presentes somente "na floresta" Assim, faça uma pesquisa, com a ajuda do seu professor/a, sobre os indígenas presentes em sua cidade, ou em seu estado. Onde estão? Como vivem? O que pensam?
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