Os cidadãos das sociedades mais desenvolvidas e afluentes obtêm cada vez mais informação de saúde e assumem direitos de cidadania: fazem pressão pela escolha do prestador. lxv
Outra manifestação dessa maior cultura e afluência é a chamada “revolta do consumidor”: reduz-se a confiança nos médicos, tanto como “definidores” de necessidades, como “gastadores” do dinheiro dos impostos. lxvi
Intensifica-se a tensão entre duas “identidades” dos cidadãos: os “utentes potenciais” (pagadores de impostos, aceitando as “externalidades”) e os “clientes do momento” (sob a pressão emocional das necessidade urgente de cuidados, exige-se os melhores cuidados, mesmo que a custo de redução da disponibilidade para os outros cidadãos).
São tentadas formas variáveis de “participação” do cidadão na “governação”, e na “auditoria” ao comportamento das instituições que funcionam com financiamento público (democracia). No entanto, esta participação depende das organizações que os diferentes contextos políticos promovem: os leigos podem estar em desvantagem em relação aos técnicos, os designados podem ser mais numerosos (e ter mais meios) que os eleitos.
Insuficiência do financiamento público disponível
A insuficiência manifesta-se em relação às necessidades crescentes, e o custo cada vez mais elevado da sua satisfação (incluindo os crescentes custos da tecnologia).
A insuficiência resulta, também, da competição do sector Saúde com outros sectores, em que também se considera útil a intervenção estatal.
O financiamento insuficiente tem sido o motivo mais frequente (e importante) para o desencadeamento da maioria das reformas recentes em saúde.
Um Sector condicionado por muitas pressões (não independente):
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Um grande mercado comprador de medicamentos e equipamento
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Utentes e políticos, utilizando “redes de poder” e os media
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As lealdades com o “exterior” do SNS, por elevado número de profissionais: Associações profissionais e Ordens
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Uso intensivo de recursos humanos (maioritariamente qualificados): uma força de contestação difícil de descartar quando os seus interesses não coincidem com os da direcção das instituições / sector
Conflitos sempre de difícil solução: elevado poder de todos os actores em cena
O grau de poder (dentro do sector, ou influenciando-o através de mecanismos sociais) dos grupos de actores (MISAU, DG Saúde, Ordem dos Médicos, sindicatos, fornecedores de equipamento e medicamentos) é muito grande e os interesses são frequentemente contraditórios. São frequentes os exemplos de “aviso formal” de responsabilização de alguns dos actores (por exemplo, exigência pelo Ministério da Saúde aos CA’s dos Hospitais que se responsabilizassem pelos Orçamentos - insuficientes) que ficam sem cumprimento nem destituição dos “desrespeitadores”.
Tensão permanente entre “Administração” e “unidades / profissionais”:
Administração: Procurando contenção de despesa
Insistindo nos controles e formalização dos procedimentos
Centralizadora
Pouco qualificada (excepto os administradores hospitalares, e as recentes “vagas” de outros técnicos superiores em gestão)
Lealdade ao Estado (administração pública, instituições públicas e sua missão social)
Unidades /
Profissionais: Interessadas pela autonomia local e profissional
Necessita mais dinheiro para aumentar a prestação
Muito qualificada (elevada percentagem de especialistas – pós – graduados)
Ligação às universidades (ensino e investigação)
Lealdade a Faculdades de Medicina e Ordens Profissionais
A intervenção pública sectorial (em Portugal) é recente:
A construção do “Estado de Bem – Estar Social” inicia-se, em Portugal, muito pouco tempo antes do 25 de Abril de 1974. A pobreza dos cidadãos e o reduzido desenvolvimento económico (para além da ideologia do Estado Novo) atrasaram em Portugal o fenómeno que se iniciou nos restantes países da OCDE logo depois da II.ª Guerra Mundial (ver adiante).
Aparelho administrativo é pouco qualificado, para fazer face às exigências do ambiente (em mudança rápida, e crise orçamental grave)
A Informatização de grande parte das instituições e rede administrativa do sector é recente:
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apresenta potencialidades (controle indirecto, descentralização, proposta de soluções em tempo real);
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mas também tem limites: a) a “alimentação” e “utilização para a acção” dos SI exigem técnicos e gestores capazes de transformar “dados” em “informação”; b) a informatização não impede erros da hiper – centralização: há limites para a capacidade humana em “digerir” a informação que se recebe.
Os Gestores hospitalares públicos (mesmo quando médicos) são razoavelmente “progressistas” (relativamente ao panorama da gestão pública portuguesa) – revelam atitudes “managerialistas”. É, provavelmente, uma consequência da ética profissional, resultando em alguma “atenção à procura”, que, quando catastrófica, leva a considerar a prestação de cuidados mais importante que o cumprimento das normas de gestão do hospital público. ( 98 )
O SNS - uma rede pública pesada, sofisticada, sem outros exemplos para aprender:
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Extensão geográfica, número de unidades e de funcionários
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Sofisticação tecnológica (equipamento e conhecimentos profissionais)
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Dimensão do orçamento envolvido
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Coexistência (difícil) de 3 “componentes” aonde se fazem sentir diferentes “factores de contingência” (ver a seguir): a) o nível central – MISAU (influência do “ambiente” e “poder”); b) a administração de linha (“idade” e “dimensão”); c) os locais de produção de serviços (a influência do “sistema técnico”)
Especificidade dos médicos nas sociedades modernas: o poder de atestar, a autoridade para “racionar”
Desde a construção dos primeiros estados centralizados europeus (Alemanha, França, Inglaterra), nos séculos XVII – XVIII, os Estados organizaram serviços de Saúde Pública (Polícia Médica, na Prússia do Séc. XVII) recrutando profissionais médicos para colaborarem na manutenção da ordem pública (higiene dos alimentos, horários de encerramento das tabernas, recuperação dos “pobres” ingleses para o trabalho, etc.). A moderna medicina positivista, ao distanciar-se das “outras medicinas populares”, conseguiu progressivamente colocar sob a sua alçada a “definição” de diversos fenómenos sociais: saúde mental, abuso de substâncias, preguiça, etc. Ao médico (público e privado) foi atribuído o papel social de atestar (doença, incapacidade, causa de óbito), tornando-se uma importante personagem, tanto para o Estado, como para empregadores e cidadãos em geral. ( 99, 100 ) O papel de “atestar” surge contemporaneamente (e complementarmente) com o reconhecimento oficial do carácter liberal da profissão: a sociedade reconhece a objectividade e qualidade do ensino médico universitário, e garante à profissão liberal o privilégio do auto – controle pelas Ordens Médicas. lxvii
Ao conseguir a aceitação social do elevado (e indiscutível) estatuto da sua formação profissional e do auto – controle exercido pelas Ordens – o profissional liberal conseguiu a legitimação do seu papel de “agente” do doente: decidir “quanto se deve gastar” no tratamento de cada caso. Dada a insuficiência dos recursos domésticos e públicos, o médico tornou-se o “racionador”. O Estado de Bem - Estar Social (EB-E) alargou esse “âmbito” de autoridade racionadora, à escala das redes públicas: os médicos planejadores, que decidem os “pacotes básicos” (as prioridades) em que se deve gastar o insuficiente orçamento público – os médicos passaram a ser encarregados do “racionamento colectivo”, para além do “racionamento individual”. ( 101 )
III.2 ESTRUTURA E DINÂMICA DAS ORGANIZAÇÕES: APLICAÇÃO AO SECTOR PÚBLICO DE SAÚDE, EM PORTUGAL
Mintzberg considera que grandes organizações se podem estruturar de diferentes modos, em diversos pontos do seu “corpo”, de acordo com os “factores de contingência” que aumentam a importância de alguns parâmetros configuradores da organização. Assim:
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as instituições prestadoras de cuidados médicos (hospitais e centros de saúde) têm uma estruturação fortemente influenciada pelo “sistema técnico” complexo – constituem exemplos de “burocracias profissionais”
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os níveis central e regional da administração sectorial mostram uma combinação de influências do “ambiente exterior” (o exercício do poder político) e da necessidade de “normatização” – compõem uma “burocracia mecanicista”;
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as Agências de Contratualização, são constituídas para “gerir novidades / experiências”, enquanto o resto (a maioria) da administração continua a funcionar nos seus métodos tradicionais – uma “ad-hocracia administrativa”.
Utilizaremos, em seguida, os conceitos de Mintzberg para caracterizar cada uma destas estruturas.
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