Dos primeiros humanos ao renascimento manual do professor gislane azevedo


INTERPRETANDO DOCUMENTOS: TEXTO E IMAGEM



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INTERPRETANDO DOCUMENTOS: TEXTO E IMAGEM

(p. 219)


1. a) O provérbio é uma forma de criticar as aparências enganosas daqueles que se passam por bons, mas na realidade são maus. Estes podem fazer o mal sem que aqueles que sofram essa ação percebam. A ideia é fazer a crítica do comportamento de indivíduos que deveriam desempenhar funções boas ou positivas, mas que acabam realizando ações negativas para os demais. Como fica evidente adiante, a função desse provérbio é criticar os membros da Igreja católica, já que é a eles que Boccaccio direciona o provérbio.

b) No texto de Boccaccio, os religiosos são representados de forma negativa. Como ele afirma, estes são dotados de grande hipocrisia e agem de modo a conseguir doações de bens materiais em nome da salvação das almas dos fiéis. Além disso, apesar de pregarem um rígido código de conduta moral, a fim de garantir a salvação das almas, esses não respeitam a rigidez dessas regras. Por isso Boccaccio afirma que eles agem como se fossem donos do Paraíso. Assim, a melhor definição dos religiosos, de acordo com a representação do autor italiano, é aquela do provérbio: maus que são tidos por bons e que fazem o mal a muitos outros.

c) Sim. O texto de Boccaccio pode ser visto como um exemplo de postura crítica em relação ao alto clero, que vivia no luxo e era acusado de inúmeras práticas de corrupção. Pode-se afirmar que esse é o cerne da crítica do autor italiano. Esse tipo de postura crítica diante dos comportamentos dos religiosos se intensificou nos séculos seguintes ao de Boccaccio, com o surgimento de inúmeras obras de pensadores que questionaram os hábitos da Igreja e culminaram no movimento reformista do século XVI.

2. a) Na imagem, é possível observar um grupo de sete pessoas rodeando um indivíduo que utiliza roupas de religioso. Esse indivíduo também foi representado com uma espécie de luz ou aura em sua cabeça. Esses elementos indicam que ele é uma figura santa. Já os demais são representados com roupas sem nenhum tipo de adereço religioso e um deles parece ser o líder, já que está sentando numa cadeira ou trono. Eles estão discutindo com o santo e tentando queimar o livro sagrado que este carregava.

b) Ao longo dos séculos, a Igreja consolidou suas doutrinas de modo a formar um credo único e universal. A fim de manter o seu poder e sua influência, foi criado o Tribunal do Santo Ofício, ou a Inquisição, em 1233. Com isso, aqueles que defendessem teses contrárias ou divergentes aos dogmas católicos passaram a ser perseguidos e punidos, inclusive com a condenação à morte. Além disso, obras consideradas impróprias pela Igreja foram queimadas e proibidas. No caso do episódio representado na imagem, porém, o que ocorre é o contrário. É um santo que é perseguido pelos hereges, que o acusam de desrespeitar as ideias da Igreja. A tentativa de queimar seu livro evidencia bem essa situação. Porém, o milagre o salva dessa perseguição e impede que sua obra sagrada seja queimada. Essa situação reforçava e justificava as perseguições promovidas pela Igreja, na medida em que era possível alegar que se a perseguição fosse injusta, Deus intercederia em favor do perseguido com um milagre, da mesma forma que intercedeu em favor do santo quando este foi perseguido pelos hereges.



TESTE SEU CONHECIMENTO

(p. 220)


1. D

2. A

3. C

4. Todas as afirmativas são verdadeiras; assim, a alternativa correta é a letra E.

5. Apenas as afirmativas III e IV são verdadeiras; assim, a alternativa correta é a letra C. O erro da primeira afirmativa é afirmar que as invasões germânicas provocaram a completa dissolução de todas as estruturas políticas da Europa. O que ocorreu foi a combinação dessas estruturas com aquelas dos povos germânicos. Além disso, não houve um completo abandono das cidades, mas um movimento de ruralização que provocou a fuga de grande parte das populações para o campo. Já o erro da segunda afirmativa é indicar que o Império Carolíngio se seguiu ao Império Romano. Na realidade, Carlos Magno só foi coroado imperador em dezembro do ano 800.

HORA DE REFLETIR

(p. 222)


Pretende-se com esta atividade refletir sobre a formação do Estado laico (não religioso) no mundo contemporâneo. Um Estado laico deve oferecer possibilidades reais de liberdade religiosa, de respeito às diferenças de crença e de tolerância entre os povos. Isso significa que as pessoas devem ter liberdade de escolher sua religião e professá-la publicamente. Num Estado laico, as decisões políticas estão separadas da esfera religiosa. Assim, o governo não pode, por exemplo, "agir em nome de Deus" ou de qualquer outra

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crença. Inversamente, num Estado com orientação religiosa é mais difícil contestar ou discordar do governo, já que ele tem o apoio ideológico de instituições religiosas e age como se fosse o "dono da verdade". Professor, você pode solicitar aos grupos que troquem seus textos entre si a fim de ampliar o debate. Para isso, destaque a necessidade de os colegas respeitarem a opinião uns dos outros. No final, pode-se concluir a atividade com uma roda de conversa com a classe inteira.



Texto complementar 1

Abaixo, um texto do medievalista brasileiro Jônatas Batista Neto explica a estrutura administrativa do Império Carolíngio e sua importância para a generalização do feudalismo na Europa continental.



Os senhores não pagavam salários aos seus comandados por uma razão muito simples: não havia dinheiro em circulação. O ocidente tinha se ruralizado ao extremo, após as invasões bárbaras, e o comércio e as cidades haviam praticamente desaparecido. Assim, os benefícios se multiplicaram, sempre constituídos de domínios [ou seja, grandes propriedades rurais], e de conjuntos de domínios ou mesmo de frações de domínios. Em geral, eram concedidos após um pedido (em latim, precor) do interessado [...].

Na época carolíngia, em consequência das inúmeras campanhas de Carlos Martel e de seus descendentes, houve uma multiplicação extrema das concessões de terras porque era necessário formar grandes exércitos. Martel chegou a impor uma divisão das terras da Igreja quando da campanha que resultou na vitória de Poitiers sobre os árabes (732) [...]. Para compensar a Igreja, criou-se um dízimo a ser pago aos religiosos em todo o reino.

Dessa forma, em meados do século VIII, multiplica-se o número de vassalos beneficiados entre o [rio] Loire e o [rio] Reno. O termo vassus se generaliza [...].

Quando Carlos Magno realizou suas expedições de conquista, levou essas práticas consigo. Nos territórios dominados, implantou vassalos reais (os vassidominici), utilizando o patrimônio dos vencidos, que era imediatamente parcelado num número adequado de benefícios.

Por outro lado, a vassalidade começou também a ser imposta a homens que já estavam vinculados à Coroa, só que exercendo funções de governo. Os funcionários reais (duques, condes e marqueses) tornaram-se vassalos do rei, e os cargos públicos transformaram-se em benefícios. Ou seja, transplantaram-se práticas de caráter privado para a esfera pública. Isso fez com que os cargos de governo passassem a ser vistos como concessões de particulares, como benefícios. Enquanto existiu uma monarquia forte, o sistema funcionou; quando a realeza se eclipsou, em virtude das invasões (vikings, húngaras, sarracenas) e das guerras civis (Luís, o Piedoso, contra os seus filhos; os netos de Carlos Magno, uns contra os outros), prevaleceram as relações pessoais, privadas, e o Estado praticamente deixou de existir.

BATISTA NETO, Jônatas. História da Baixa Idade Média, 1066-1453. São Paulo: Ática, 1989. p. 18-20.



Texto complementar 2

O texto a seguir, do historiador Hilário Franco Júnior, discute algumas questões ligadas ao conceito de Idade Média, às suas modificações ao longo do tempo e à necessidade de, constantemente, repensar os conceitos históricos.



Se numa conversa com homens medievais utilizássemos a expressão "Idade Média", eles não teriam ideia do que estaríamos falando. Como todos os homens de todos os períodos históricos, eles viam-se na época contemporânea. De fato, falarmos em Idade Antiga ou Média representa uma rotulação a posteriori, uma satisfação da necessidade de se dar nome aos momentos passados. No caso do que chamamos Idade Média, foi o século XVI que elaborou tal conceito. Ou melhor, tal preconceito, pois o termo expressava um desprezo indisfarçado em relação aos séculos localizados entre a Antiguidade clássica e o próprio século XVI. Este se via como o renascimento da civilização greco-latina, e, portanto, tudo que estivesse entre aqueles picos de criatividade artístico-literária (de seu próprio ponto de vista, é claro) não passara de um hiato, de um intervalo. Logo, de um tempo intermediário, de uma Idade Média. [...]

Após os exageros denegridores dos séculos XVI-XVII e os exaltadores do século XIX, hoje temos uma visão mais equilibrada sobre a Idade Média. É verdade que a divulgação que ela conheceu em fins do século XX fora dos meios acadêmicos - inúmeras publicações científicas e ficcionais, filmes, discos, exposições, turismo, etc. - nem sempre implicou uma melhor compreensão daquele período. Mas reflete um dado essencial: a percepção que se tem da Idade Média como matriz da civilização ocidental cristã. Diante da crise atual dessa civilização, cresce a necessidade de se voltar às origens, de refazer o caminho, de identificar os problemas. Enfim, de conhecer a Idade Média para conhecer melhor os séculos XX-XXI.

Ora, para tanto é preciso acompanhar a presença medieval ao longo dos tempos. E, portanto, recolocar a velha questão: continuidade ou ruptura? Sobre a passagem da Antiguidade para a Idade Média, boa parte da historiografia prefere enfatizar os pontos comuns, os prolongamentos. Mas entre Idade Média e Idade Moderna por muito tempo não se hesitou em aceitar unanimemente a segunda resposta. Isso esteve ligado [...] ao próprio conceito de Idade Média. Só mais recentemente se passou a negar a pretensa oposição Medievalidade-Modernidade. No entanto, isso ainda é feito de forma tímida, mais em relação ao Renascimento do que aos outros movimentos históricos ditos "modernos". Hesita-se ainda em admitir que as estruturas modernas são, no fundamental, medievais.

FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média, nascimento do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 11 e 155.



Sugestões de livros

ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989.

· Esta é uma obra clássica, na qual Perry Anderson realiza um ensaio de cunho histórico e sociológico

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sobre aquilo que ele entende como a passagem da Antiguidade para o feudalismo, que criou um novo de modelo de exploração do trabalho e de desigualdade social.

FAVIER, Jean. Carlos Magno. Tradução de Luciano Machado Vieira. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.

· Nesta vasta biografia, o renomado medievalista francês Jean Favier (1932-2014) aborda diversos aspectos e passagens da vida de Carlos Magno, ressaltando, também, algumas das lendas e dos mitos que envolvem esse importante personagem histórico.

FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média, nascimento do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006.

· Obra escrita por um dos mais conhecidos medievalista brasileiros, este livro traça um panorama da Idade Média por meio de eixos estruturais, como a demografia, a política, a economia, a sociedade, a cultura etc. Além disso, o livro faz discussões teóricas sobre a caracterização do período medieval e apresenta importantes ferramentas didáticas, como ilustrações, cronologia, tabelas e um glossário.

LE GOFF, Jacques. Em busca da Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

· Este livro se baseia em uma série de conversas que Le Goff teve com o escritor francês Jean-Maurice de Montremy, no qual foram abordados diversos temas ligados à Idade Média e à necessidade de se repensar esse período.

LE GOFF, Jacques. A história deve ser dividida em pedaços? Tradução de Nícia Adan Bonatti. São Paulo: Ed. Unesp, 2015.

· Nesta obra, que foi a última escrita por Jacques Le Goff (1924-2014), o autor contesta as maneiras como é feita a periodização da História, tratando especificamente do caso da "Idade Média". De acordo com Le Goff, esse período deveria ser repensado para além das imagens consolidadas que existem sobre ele e em uma temporalidade mais extensa.

LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário temático do ocidente medieval. Tradução de Hilário Franco Júnior et alli. Bauru: Edusc, 2006.

· Obra de referência produzida por um conjunto de pesquisadores especialistas em Idade Média que apresenta diversos textos organizados em verbetes, o que possibilita traçar um panorama bastante rico do período medieval.

PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. História da Idade Média. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.

· Esta obra é uma coletânea de documentos sobre o mundo medieval, organizados sistemática e cronologicamente. Os textos reunidos permitem a interpretação de fatores socioculturais, econômicos e políticos do período medieval.

PIRENNE, Henri. Maomé e Carlos Magno: o impacto do islã sobre a civilização europeia. Tradução de Regina Schopke e Mauro Baladi. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.

· Este livro mostra a maneira como o islã interferiu na vida dos povos europeus. Nesse sentido, Pirenne defende uma intrigante tese: a de que a formação do reino de Carlos Magno esteve diretamente ligada ao avanço dos muçulmanos pelas regiões mediterrâneas.



Sugestões de fimes

O incrível exército de Brancaleone(Mário Monicelli, 1965).

· Uma hilária comédia do diretor italiano Mário Monicelli que faz uma paródia das histórias de cavalaria ao tratar das peripécias de um desajustado cavaleiro e de seus comandados. É importante notar como o filme, além de trabalhar muito bem com os estereótipos sobre o período medieval, acaba com qualquer possibilidade de indevido uso nacionalista da Idade Média.



Decameron (Pier Paolo Pasolini, 1971).

· O diretor Pier Paolo Pasolini, através da estética do neorrealismo italiano, que conta com poucos recursos e muitos atores amadores, faz uma adaptação da obra homônima de Giovanni Boccaccio.



O nome da rosa (Jean-Jacques Annaud, 1986).

· Baseado no livro homônimo do escritor italiano Umberto Eco, este filme, apesar de tratar de uma situação transcorrida no século XIV, permite, através de uma narrativa de mistério, trabalhar com o tema da organização do clero, da Inquisição e da importância política e cultural da Igreja durante a Idade Média.



Sugestão de site

Laboratório de Estudos Medievais. Disponível em: http://leme.vitis.uspnet.usp.br/. Acesso em: 4 abr. 2016.

· Site do Laboratório de Estudos Medievais, órgão que reúne pesquisados brasileiros dedicados ao tema da Idade Média. Nesse site é possível encontrar textos e links importantes sobre o período medieval, sobretudo de outros órgãos semelhantes espalhados pelo Brasil.

CAPITULO 12

Feudalismo e formação dos Estados Nacionais



Procedimentos pedagógicos

O capítulo 12 trata do feudalismo e da formação dos estados Nacionais europeus. O tema deve ser discutido com cuidado e atenção, haja vista que a História, nesse domínio das origens nacionais, é constantemente interpretada e reinterpretada de maneira a criar justificativas para discursos de cunho nacionalista.

Sobre isso, é importante lembrar o comentário do historiador Eric Hobsbawm (1917-2012), em seu clássico livro Nações e nacionalismo desde 1780, obra publicada pela primeira vez em 1991, de que, para a direita francesa das últimas décadas do século XIX, a palavra-chave em seu vocabulário político "não era 'família', 'ordem', 'tradição', 'religião', 'moralidade' ou qualquer outro termo semelhante. De acordo com os analistas,

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essa palavra era 'ameaça'7". Assim, pode-se afirmar que, nessas primeiras décadas do século XXI, a palavra-chave dos setores de direita europeia volta a ser a mesma, haja vista os discursos marcados pela xenofobia e pelo medo de dissolução das nacionalidades. Esse tipo de formulação discursiva, note-se bem, se baseia sobre a ideia de que existiria uma raiz nacional profunda, que traria em si as características do verdadeiro "ser nacional", qualidades tradicionais que devem ser preservadas da ameaça estrangeira.

Muitas dessas tradições nacionais, contudo, são pautadas em elaborações memorialísticas bastante seletivas, que criam determinados laços comuns entre uma comunidade e legam ao esquecimento aquilo que não se adequa ao ideal nacional. Em outro livro seminal, A invenção das tradições - obra coletiva organizada junto com o historiador Terence Ranger (1929-2015), em 1983 -, Eric Hobsbawm comenta como muitas dessas tradições nacionais não passam, de fato, de tradições inventadas. De acordo com Hobsbawm, "por 'tradição inventada' entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado historicamente apropriado. [...] toda tradição inventada, na medida do possível, utiliza a história como legitimadora das ações e como cimento da coesão grupal8".

A partir dos comentários de Eric Hobsbawm, percebe-se como a História funcionou como elemento de coesão nacional e base para a formulação de "tradições inventadas". Um dos mais famosos ensaios presentes no livro organizado por Hobsbawm e Ranger, por exemplo, trata do kilt, a saia xadrez usada por escoceses. O autor do texto, o historiador Hugh Trevor-Roper (1914-2003), mostra como, em vez de o uso dessa vestimenta ser uma tradição de origem medieval - o que seria um motivo de identidade entre os escoceses, cuja história é marcada pelos conflitos contra o domínio inglês -, foi de fato uma moda introduzida no século XVIII e que atendia aos interesses de uma crescente indústria têxtil. Assim, em vez de uma profunda tradição de montanheses, um símbolo da preservação dos costumes e resistência cultural, o saiote xadrez era uma criação moderna.

Esse é um caso que evidencia a importância de problematizar a origem dos Estados nacionais e suas tradições. O fundamental, nesse sentido, é sempre realizar um constante trabalho com as temporalidades, identificando a maneira como o passado aparece no presente, como ele é articulado, através da memória e do esquecimento, pela narrativa histórica. Afinal, é nessa interpretação que se revela toda a carga de significados atribuída ao passado, assim como seus usos no presente. Sobre isso, pode-se organizar uma Atividade Alternativa que aproxime essa discussão da experiência dos estudantes. Divididos em grupos, eles podem identificar "tradições inventadas" que perpassam, cotidianamente, as suas vidas, como os símbolos pátrios, os monumentos públicos, os nomes de ruas e praças, a história dos times de futebol, as práticas escolares, os discursos que se criam sobre as cidades etc. O importante é perceber que essas tradições somente serão efetivas se conseguirem dialogar com a vida das pessoas, criando, de acordo com Hobsbawm, o "cimento da coesão grupal". Depois, podem ser organizados seminários ou produzidos cartazes que apresentem as conclusões a que chegaram os grupos.

Feitos esses comentários, pode-se começar a trabalhar com mais profundidade os conteúdos do capítulo 12. A primeira parte do capítulo trabalha com o mundo feudal.

De modo geral, o feudalismo se baseou no antigo costume dos povos germânicos de criar laços de vassalagem. Em princípio, o feudo era uma espécie de juramento de fidelidade, em troca de proteção militar, que se fazia ao suserano. Isso mudou com os carolíngios, quando a relação de feudo passou a indicar o poder que os nobres poderiam ter sobre algum bem ou atividade, geralmente terras, cobrança de impostos ou controle da justiça. A partir desse momento, o feudo passou a ser uma forma de transmitir responsabilidades e criar mecanismos de administração de propriedades e serviços. Foi por meio dessa mudança que os vassalos começaram a se converter em senhores feudais.

Símbolos desse feudalismo de base agrária eram os castelos (explicados no boxe Os castelos medievais, na página 225) e as relações de dependência estabelecidas entre os senhores feudais e os camponeses. Os camponeses, que somavam 80% da população feudal, dividiam-se entre servos e vilões, sendo que ambos os grupos deviam obrigações e impostos aos senhores. Os primeiros, contudo, estavam presos à terra onde laboravam e não usufruíam liberdade plena; enquanto os segundos eram camponeses livres que haviam entregado suas terras aos senhores em troca de proteção. Sobre a hierarquização da sociedade feudal, a seção Interpretando documentos: imagem, na página 229, trabalha com uma iluminura da obra O livro da caça, escrita no século XIV, por Gaston Phoebus (1343-1391), o conde de Foix. Nessa imagem, é possível identificar as diferenças existentes entre os grupos sociais e como isso se fazia sentir nas práticas sociais. Além disso, a seção Hora de refletir, na página 241, propõe uma reflexão acerca da participação da Igreja nesse tipo de hierarquização social e atualiza a questão para os dias de hoje, por meio das relações que existem entre religião, economia e política.

Levando em conta essa hierarquização social, é importante comentar que as relações baseadas na suserania e vassalagem acabaram por enfraquecer o poder dos reis, propiciando a ramificação dos feudos e a

7 HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Tradução de Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. São Paulo: Paz e Terra, 2013.

8 HOBSBAWM, Eric J.; RANGER, Terence (Org.). A invenção das tradições. Tradução de Celina Cardim Cavalcante. São Paulo: Paz e Terra, 2008. p. 9, 10, 21 e 165.

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fragmentação do poder centralizado. Muitos senhores feudais, diante do acúmulo do poder local, começaram a estabelecer novas relações de vassalagem. Com isso, cavaleiros tornaram-se pequenos senhores feudais, responsáveis por armar seus exércitos e proteger suas terras. Um senhor feudal, assim, era vassalo do rei e suserano de cavaleiros, seus vassalos. Além do mais, lembre-se de que, a partir do século X, os feudos deixaram de ser uma concessão temporária e passaram a ser uma efetiva propriedade, que poderia ser transmitida hereditariamente.

Com essa significativa mudança, os casamentos arranjados entre filhos de senhores ganharam força, já que isso possibilitava a formação de alianças e o acúmulo de propriedades. Dentro dessa lógica hereditária, a integridade das propriedades estava sempre assegurada, pois somente o filho homem mais velho tinha direitos de herdar as posses; no caso das filhas mulheres casadoiras, instituiu-se o pagamento do dote, que era composto de bens móveis. Sobre esse assunto, o boxe Casamentos arranjados, na página 226, apresenta importantes informações e, por meio da atividade De olho no mundo, atualiza as questões matrimoniais e familiares para o Brasil contemporâneo ao questionar acerca do novo Código Civil, que entrou em vigor em 2003. Esse instrumento legal, apesar das inegáveis conquistas, promoveu limitações no que se refere, por exemplo, aos direitos dos casais homossexuais. O tema do matrimônio também é abordado na seção Interpretando documentos: texto e imagem, na página 237, por meio de um fragmento da obra Félix ou O livro das maravilhas, uma novela medieval escrita entre 1288 e 1289 pelo filósofo catalão Ramon Llull.

A segunda parte do capítulo 12, que fala do fortalecimento do poder dos reis, trata de uma mudança que se fez sentir na Europa ocidental a partir do século XI e que representou a crise da sociedade feudal. Como comentado no capítulo anterior, as Cruzadas, que se iniciaram no final do século XI, trouxeram um novo fôlego para o comércio europeu, pois possibilitaram a retomada do comércio com o Oriente. A partir dessa nova movimentação comercial, alguns pequenos centros urbanos surgiram como resultado da expansão dos burgos. Os habitantes dos burgos, os chamados burgueses, eram majoritariamente mercadores e artesãos, que não tinham vínculos com os senhores feudais, apesar de comercializar com eles e seus dependentes. Dessa forma, os interesses da burguesia tiveram grande importância na centralização monárquica, pois a fragmentação do mundo feudal dificultava a prática do comércio - nas diversas partes dos reinos, por exemplo, não havia padronização de pesos, medidas e moedas. Assim, por meio de um processo lento e gradual, o poder real começou a se sobrepor ao dos senhores feudais; estes, por sua vez, cada vez mais tiveram de contar com a ajuda dos reis para conter revoltas de camponeses e rivalidades entre os próprios nobres. Logo, o processo de centralização fez com que os poderes locais se submetessem aos monarcas; consequentemente, a autoridade sobre a força militar passou aos domínios dos reis e as fronteiras dos Estados foram mais bem estabelecidas, facilitando a padronização do comércio.

Sobre a o aumento do poder em torno da figura dos reis, é interessante notar que as centralizações de poder sempre se baseiam em mecanismo administrativos. No caso da França, cujas origens são tratadas na terceira parte do capítulo 12, isso fica bastante perceptível, pois a moeda única, a centralização da justiça, o maior controle sobre a Igreja e a taxação de seus bens, o estabelecimento de novos impostos, assim como a criação dos Estados Gerais, assembleia que representava, politicamente, nobreza, clero e burguesia, foram medidas administrativas que possibilitaram a centralização e a estruturação do Estado Nacional. No caso da Inglaterra, tema da quarta parte do capítulo, esses esforços de centralização se fizeram sentir com a aprovação da Common Law, conjunto de leis adotado em toda a Inglaterra e que enfraqueceu a nobreza. O caso inglês, entretanto, foi marcado pela reação dos senhores feudais; através da Carta Magna e da consolidação do Grande Conselho - assembleia que viria a ser chamada de Parlamento no século XIII -, os nobres conseguiram estabelecer um sistema que limitava as ações do rei, impedindo-o, por exemplo, de aumentar impostos e criar novas leis sem a aprovação do Grande Conselho (ver Texto complementar ao final das orientações desse capítulo).

Além das medidas administrativas e centralizadoras, também é preciso relacionar a formação dos Estados Nacionais a certo sentimento de identidade nacional. A chamada Guerra dos Cem anos - nome pela qual ficaram conhecidos os conflitos travados entre França e Inglaterra entre 1337 e 1453 - cumpriu a função de unidade nacional entre essas populações, sobretudo a francesa, que viu surgir a figura e o mito de Joana d'Arc, personagem reconhecida, com o passar dos tempos, como heroína do povo francês - note-se, contudo, que a ascensão dessa figura ao status de heroína não se faria sem controvérsias e debates políticos. Sobre isso, lembre-se de que a seção Interpretando documentos: texto e imagem, na página 238, apresenta uma atividade sobre Joana d'Arc, tratando da situação das mulheres na sociedade medieval.

Por fim, a sexta parte do capítulo trata da formação dos Estados Ibéricos, Portugal e Espanha. Nesses dois casos, a formação dos Estados Nacionais se deu no contexto da guerra de Reconquista contra os mouros - note-se como a própria ideia de uma "reconquista" já é carregada de sentidos construídos sob a lógica do discurso nacional. No caso de Portugal, a proximidade entre burguesia e monarquia, que se consolidou entre 1383 e 1385, com a Revolução de Avis, possibilitou a conjugação dos esforços no sentido do além-mar, criando condições para as navegações marítimas.

No caso da Espanha, um elemento de consolidação do poder monárquico - que, a partir de meados do século XV, estava unificado nas mãos de Isabel de Castela e Fernando de Aragão - foi a aproximação com a Igreja e a instauração, em 1478, de um Tribunal do Santo Ofício subordinado aos reis. Com isso, além de expulsar muçulmanos e judeus, os monarcas tinham uma importante ferramenta política, que lhes possibilitava controlar e


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