E. P. Sanders Tudo o que se pode, corrigir histórico, saber sobre Jesus



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As pessoas que se aproximaram de Jesus na esperança de milagres tê-lo-ão visto à luz do seu próprio passado e presente. A nossa análise das histórias de milagres nos Evangelhos confirmou as conclusões da discussão anterior sobre os milagres na Antiguidade, em geral, e na Palestina, em particular: a maior parte das pessoas não tinha dificuldades em acreditar em milagres. Os judeus liam e acreditavam na Bíblia Hebraica onde se dizia que Moisés, Elias, Eliseu e outros tinham feito milagres. Josefo pensava que Eleazar podia, realmente, exorcizar. Durante a guerra civil, muitos judeus acreditaram que a maldição de Honi seria eficaz e era crença que Deus tinha

ouvido a sua oração, pedindo chuva. As pessoas simples da Palestina não tinham dificuldade em pensar que Deus podia agir na história e que o tinha feito de facto, utilizando por vezes pessoas justas e santas que faziam milagres.

O que os contemporâneos de Jesus perguntavam acerca das suas ações era se seria ou não Deus que atuava através dele. Os inimigos de Jesus não suspeitavam de fraude, mas sim de que ele curava invocando um poder diabólico. Aqueles que pensavam que ele expulsava demónios através do Espírito de Deus acreditavam, naturalmente, que ele era, de alguma forma, um agente de Deus. Podemos ser mais concretos quanto à amplitude de opiniões positivas em relação a ele? Recorde-se que Jesus tinha poucos discípulos, um número maior de seguidores e de apoiantes e ainda mais simpatizantes. As multidões juntavam-se à volta dele, esperando ver ou beneficiar de curas. O que teriam pensado sobre ele? Seriam os milagres de Jesus como os de Honi e Hanina - sinais de que aquele que os realizava era particularmente devoto e que Deus ouvia os seus pedidos? Ou eram os seus milagres como os sinais prometidos por Teudas, que indicavam que Deus ia repetir os Seus prodígios em prol do Seu povo? Ou provaram que Jesus era, de alguma forma, o Filho de Deus? Gostaria de me debruçar primeiro sobre a última questão, visto que ela constitui o tópico que mais frequentemente induz em erro os leitores modernos, quando estes leem os Evangelhos ou literatura da Antiguidade.

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Os Evangelhos sinópticos não descrevem as pessoas que pediam e obtinham curas de Jesus chamando-lhe «Filho de Deus», embora atribuam esta perspetiva aos demónios. Quando Jesus expulsava demónios, eles, por vezes, gritavam «Filho de Deus»;'? A versão de Mateus da passagem em que Jesus caminhou sobre as águas é a única em que uma pessoa reage a um milagre dizendo que Jesus é Filho de Deus: já vimos que, em Mateus, a história termina com esta confissão dos discípulos (Mt 14, 33). Marcos, no entanto, constata que eles «tinham o coração endurecido» (Mc 6, 52). Esta história não se encontra no Evangelho de Lucas. Os leitores atuais que pensam que o cristianismo se baseia na ideia de que Jesus era mais do que humano e que os seus milagres confirmam esta crença encontram, naturalmente, confirmação neste versículo de Mateus. No entanto, de acordo com a reconstrução rigorosa do material empírico, nada indica que os contemporâneos de Jesus considerassem os seus milagres uma prova de que ele era Filho de Deus. Os historiadores não conseguem explicar o significado das exclamações dos demónios, mas, de qualquer modo, estas não podem ser tomadas como um reflexo da opinião geral entre o público simpatizante. Mateus 14,33 não se refere à opinião das muitas pessoas que acorreram a Jesus para serem curadas. Na realidade, a frase apenas evidencia a convicção do próprio Mateus, uma vez que constitui uma simples revisão do texto de Marcos.

Apesar da falta absoluta de indícios de que o público simpatizante ou as pessoas que vieram ao encontro de Jesus com a esperança de serem curadas pensassem que os seus milagres provavam que ele era Filho de Deus, discutirei esta possibilidade em termos gerais. Espero esclarecer um pouco melhor a questão do «Filho de Deus» e dos milagres. Comecemos por perguntar o que pode significar a expressão «Filho de Deus».

A expressão «Filho de Deus» em contexto judaico não significa «mais do que humano». Os judeus eram todos «Filhos de Deus» ou mesmo «Filho de Deus», no sentido coletivo, como podemos ler em Oseias 11, 1 ou no Êxodo 4, 22 («Israel é o meu filho primogénito» ).

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O Salmo 2,7 refere-se ao rei de Israel como Filho de Deus; Lucas aplicou este versículo a Jesus (Lc 3, 21), mas não existe razão para afirmar que, ao fazê-lo, tenha redefinido o conceito de «Filho de Deus» no sentido de este passar a significar «mais do que humano».

No mundo grego, existia uma distinção um pouco menor entre o humano e o divino do que no mundo judaico. A mitologia grega descrevia os deuses como tendo ligações com seres humanos e procriando uma descendência mista.!? Os gregos declararam, por vezes, que um ser humano era divino. Apesar de os romanos não terem tido inicialmente tendência para conceber seres humanos como deuses, a prática grega tendeu a espalhar-se por todo o Império Romano.

Por conseguinte, no século I, o termo «Filho de Deus», tal como se encontra na passagem de Mt 14, 33, podia ter uma série de significados. Um dos significados concebíveis é aquele que era possível na cultura grega: «Os discípulos perceberam que Jesus era algo mais do que meramente humano.» Penso que isto é improvável. É provável que o termo «Filho de Deus», nesta e nas outras passagens dos Evangelhos, se aproxime mais do significado que já vimos quando mencionámos Honi: ele importunava Deus tal como um filho importuna um pai (p. 181). Houve um rabi importante que pensou que ele era impertinente e tomava excessivamente a graça de Deus como algo garantido, mas ninguém pensava que Honi tivesse atribuído a si próprio nem uma origem, nem poderes sobrenaturais. Pelo contrário, Honi apenas insistia que Deus respondia às suas orações. É muito importante notar que existe uma outra passagem em que Mateus atribui a Jesus precisamente esta perspetiva. Jesus impediu a tentativa dos discípulos de o defender quando foi preso perguntando-lhes: «Julgais que não posso recorrer a meu Pai e que Ele não me enviaria imediatamente mais de doze legiões de anjos?» (Mt 26, 53) Este tipo de afirmação de uma relação íntima entre pai e filho - a confiança de que Deus fará o que lhe é pedido - só muito raramente é atestada na literatura judaica, mas constitui um significado possível do termo «Filho de Deus» no judaísmo do século I.

Embora seja pensável que, no versículo dos Evangelhos sinópticos que afirma que os milagres de Jesus provocaram a aclamação de «Filho de Deus», a expressão signifique «mais do que humano», duvido

19 Para um tema relacionado com este na Escritura Hebraica, ver Gn 6, 1-4.

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que fosse esse o significado que Mateus lhe atribuía. Em todo o caso, não existe qualquer razão para atribuir tal ideia aos simpatizantes e apoiantes de Jesus. Se os seguidores de Jesus na Galileia, ou aqueles que assistiam aos seus milagres, disseram alguma vez que ele era Filho de Deus, então é porque queriam dizer aquilo que Mateus queria, provavelmente, dizer: que ele podia confiar que o seu Pai celeste responderia às suas orações. Volto a dizer que não existe qualquer evidência para tal resposta, mas a cultura permiti-lo-ia. Este título, atribuído a Jesus por tal razão, não o transformaria em absolutamente único, tal como ficámos a saber tanto da história de Honi, como da de Mateus 7, 11, onde Jesus diz aos seus ouvintes que o Pai deles que está no Céu lhes dará o que eles pedirem.

Se os contemporâneos de Jesus não consideravam que os seus milagres provavam que ele era mais do que humano, será que os consideravam uma prova de outra coisa - que ele era como Honi ou que era o último mensageiro antes da vinda do Reino? A primeira possibilidade é provável. Recorde-se um outro aspeto das descrições evangélicas acerca das reações da população aos milagres de Jesus. Os evangelistas tiveram de aceitar que os milagres de Jesus não provavam inequivocamente que ele era representante de Deus em algum sentido. De facto, os Evangelhos atribuem várias reações àqueles que assistiram a milagres de Jesus, desde uma aceitação pacífica (as refeições), passando por aclamações públicas (os primeiros exorcismos e curas), até à perplexidade (Mc 6, 51 e segs.) e a acusações de magia negra. Os Evangelhos não têm uma solução clara para o problema de haver algumas pessoas que acreditavam e outras, que não. Uma das características mais interessantes dos Evangelhos é que apresentam alguns estrangeiros que acreditavam em Jesus - isto é, confiavam nele e acreditavam que ele podia ajudá-los; exemplos disso são a mulher que sofria de hemorragia, a mulher gentia na Síria, o centurião em Cafarnaum e Jairo. No entanto, aqueles que se encontram mais próximos de Jesus, muitas vezes, ficam simplesmente surpreendidos ou não compreendem (os discípulos em Marcos, depois da segunda acalmia de uma tempestade). É provável que este contraste esteja exagerado por motivos dramáticos. Aliás, eu sugeri anteriormente que o mesmo se aplica aos milagres de Jesus. Uma terceira explicação para o facto de Jesus não ter encontrado uma aceitação generalizada é que mesmo as pessoas que assistiram a milagres realizados por ele consideravam-no

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um segundo Honi, alguém que Deus ouvia e que, por isso, era capaz de realizar ações benéficas, mas não alguém a quem as pessoas entregassem as suas vidas.



A nossa análise da literatura não cristã mostrou que os milagres atribuídos a Jesus não são muito diferentes daqueles que eram atribuídos a outros judeus na mesma época. As pessoas que viram Honi e Hanina fazer milagres concluíram apenas que as suas orações eram eficazes. Aqueles que viram Eleazar fazer exorcismos, utilizando uma erva e um anel, concluíram apenas que ele tinha acesso à sabedoria de Salomão. Em geral, o testemunho dos Evangelhos sobre a reação do público aos milagres de Jesus aponta na mesma direção. As pessoas não tinham dúvidas de que ele fazia milagres, mas isto não os levava a tornarem-se seus seguidores ou a concluir que ele era o último enviado de Deus. Alguns confiaram nele, outros não. Alguns aceitaram que os seus milagres tinham acontecido, ficaram gratos, e, depois, continuaram o seu caminho. Em si, os milagres de Jesus não provaram nada para a maior parte de galileus a não ser o facto de ele ter uma relação íntima com Deus. Recordamos que os seus inimigos pensavam que ele tinha uma relação íntima com o diabo.

Será que os contemporâneos de Jesus pensavam que os seus milagres provavam a proximidade do Reino de Deus? Mais tarde, os seguidores de Teudas esperaram que ele fizesse um milagre que lembrasse a separação das águas do mar realizada por Moisés." Presumo, portanto, que eles estavam dispostos a considerá-lo o último grande profeta antes da chegada do Reino de Deus. Isto é, algumas pessoas pensavam, provavelmente, que a grande nova era, o Reino de Deus, seria inaugurada com o tipo de sinais dramáticos que marcaram alguns dos momentos fundamentais da história judaica, como, por exemplo, o êxodo e a conquista de Canaã. Assim, um profeta podia prometer um milagre escatológico, atraindo seguidores. Se, depois, conseguisse, de facto, fazer o milagre, o número dos seus seguidores aumentaria bastante. Embora tenham existido promessas (não cumpridas) deste tipo depois da morte de Jesus, parece que ele não tinha prometido ao público um grande milagre escatológico. Por conseguinte, temos de concluir

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que os seus milagres, como tal, não constituíram prova para a população em geral, nem sequer para a parte da mesma que tinha uma atitude amistosa em relação a ele, de que Jesus era o profeta dos fins dos tempos. Não nos resta senão ter Honi como ponto de referência para a categoria na qual Jesus se enquadrava na opinião da maioria das pessoas.



Concluindo este tema: parecem existir duas explicações para a relativa falta de apoio a Jesus por parte da população em geral. Uma delas é que os Evangelhos exageram os milagres de Jesus; a outra é que, de qualquer modo, os milagres não levavam a maioria das pessoas a comprometer-se seriamente com alguém que os realizava. É provável que a maior parte dos galileus tenha ouvido falar de alguns milagres - exorcismos e outras curas - e considerasse Jesus como um homem santo, que tinha uma relação íntima com Deus.

O que podemos saber da reação dos discípulos de Jesus e dos seguidores mais próximos aos seus milagres? Vimos que é Marcos que descreve particularmente os discípulos como tendo menos confiança em Jesus do que alguns estrangeiros e como não ficando impressionados com os seus milagres. Mateus e Lucas dão um pouco mais de crédito aos discípulos, mas, mesmo assim, dificilmente podemos duvidar de coisas como, por exemplo, o facto de eles terem fugido quando Jesus foi preso e de Pedro, seguindo Jesus de longe, ter negado ser um discípulo seu, quando lhe perguntaram (Me 14,54.66-72 e par.). Mais tarde, alguns dos discípulos estarão dispostos a morrer por causa da sua devoção a Jesus e à sua mensagem. A explicação para a mudança está no facto de eles terem visto o Senhor ressuscitado e de esta experiência lhes ter dado uma confiança absoluta. Os milagres de Jesus não o fizeram. Isto é, provavelmente, os milagres de Jesus não causaram maior efeito nos seus discípulos, ou, pelo menos, um efeito muito maior, do que nos outros habitantes da Galileia. Podemos admitir que os discípulos reco­ nheciam todos que Jesus tinha uma relação muito íntima com Deus. Ele disse-lhes que Deus era o Pai deles (Mt 5, 45; cf 5, 9) e que podiam confiar n'Ele mais do que os filhos confiam nos seus pais terrenos. Isto aplicava-se, presumivelmente, ainda mais ao próprio Jesus; além disso, os discípulos viam que ele era um homem de Deus. Mas não pensavam que os poucos milagres de Jesus provassem que ele ia mudar o mundo. Os milagres realizados por Jesus não podiam pura e

simplesmente provar algo tão dramático.

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Vejamos a questão de outro ponto de vista. Na Antiguidade, os milagres eram, frequentemente, encarados como uma acreditação de um enviado de Deus. Foi seguramente por isso que Teudas e o Egípcio prometeram milagres. Por conseguinte, os discípulos de Jesus estariam dispostos a seguir a orientação do próprio Jesus no que diz respeito ao significado dos seus milagres. Suponhamos que ele disse o seguinte: «Agora, vou fazer um milagre para provar que José não era o meu pai verdadeiro.» Suponhamos também que ele fez o milagre e que os discípulos assistiram todos ao acontecimento. Nesse caso, eles teriam acreditado, presumivelmente, que José não era o pai de Jesus. Por outro lado, se ele tivesse afirmado que um milagre seria uma prova de que Deus estaria prestes a derrotar definitivamente as forças do mal, os seus discípulos teriam visto os seus milagres nesta perspetiva. É, no entanto, possível que Jesus tenha considerado os seus milagres como sinais do Reino de Deus que estava prestes a chegar, que tenha ensinado os discípulos a encará-los da mesma forma, mas que os discípulos não estivessem completamente convencidos disso. Volto a dizer que foi a ressurreição que os convenceu.

Voltemos à forma como os Evangelhos avaliam os milagres, na esperança de esclarecer este tema - a saber, se Jesus disse ou não aos seus discípulos que os seus sinais eram indícios da era que se aproximava. Os discípulos criaram as histórias sobre Jesus, pelo que é razoável pensar que o tratamento geral dos milagres nos Evangelhos reflita algo da perspetiva dos discípulos. A categoria interpretativa mais importante nos Evangelhos é que os milagres demonstram que, em Jesus, Deus começou a vencer o mal e as suas consequências - o sofrimento e a morte. As curas milagrosas refletem a perspetiva de que o sofrimento resultava do pecado e do mal, e os Evangelhos apresentam Jesus como alguém que se encontrava em plena batalha com as forças de Satanás. Os exorcismos, em particular, mostram-no vitorioso, mas isto também se aplica às outras curas milagrosas. A relação existente entre a cura e a derrota do pecado e do mal é explícita na história da cura do paralítico, a quem Jesus disse, depois de o ter curado: «Os teus pecados estão perdoados» (Mc 2, 5).

Os Evangelhos também apresentam os milagres naturais como mais uma prova da vitória. Jesus subjuga e submete a Natureza. O triunfo de Deus (ou de um dos deuses) sobre «as profundezas» constituía um velho motivo nas religiões do Médio Oriente. «As profundezas», isto é, as águas primordiais, eram consideradas um inimigo

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perigoso. Deus domina-as e controla-as num dos primeiros atos da criação (Gn 1,2.6). Os salmos também descrevem Deus como alguém que domina o mar:

Ele falou e levantou-se uma ventania erguendo-se ondas altas, que se elevavam até aos céus e desciam às prcfundezas ...

Então, eles clamaram ao Senhor, na sua aflição e Ele livrou-os dos seus sofrimentos, transformando a tempestade num murmúrio, até as ondas do mar amainarem, conduzindo-os, felizes com bonança, ao porto desejado. (SI 107, 25-30)

Esta é a passagem evocada pela história na qual Jesus acalmou a tempestade e os autores dos Evangelhos pretenderam apresentá-lo, até certo ponto, como alguém que exerce a soberania sobre a Natureza que era característica de Deus. Caso isto seja correto, então, eles pensavam que ele podia invocar o poder de Deus e não que ele próprio seria um ser sobrenatural.

Podemos partir do princípio de que uma parte não insignificante da confiança na vitória sobre o mal que observamos nos Evangelhos brota da certeza que os cristãos tinham de que Deus tinha ressuscitado Jesus. Os discípulos não estavam tão seguros disto durante a vida de Jesus - como já vimos. Apesar disso, este material fornece-nos, provavelmente, uma das categorias corretas para compreendermos a avaliação que os discípulos fizeram dos milagres de Jesus durante o seu ministério: além de o considerarem um homem santo, íntimo com Deus, também pensavam que, na sua obra, as forças do bem estavam a derrotar as forças do mal, que afligem a humanidade. Será que, enquanto trabalhavam com Jesus na Galileia, eles pensavam que esta vitória sobre o pecado e o mal seria difinitiva? É provável que tivessem esta esperança, mas não acreditavam plenamente nisso.

Para terminar, perguntamos que opinião tinha o próprio Jesus sobre as suas curas e os seus exorcismos. Existem quatro versões de um episódio em que Jesus recusou dar um sinal, quando lhe foi pedido (Mt 12, 38-42; 16, 1-4; Me 8, 11-12; Lc 11, 29-32). O relato de Marcos,

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que representa, provavelmente, a versão mais antiga, diz o seguinte: «Os fariseus vieram e começaram a discutir com Ele, pedindo-lhe um sinal do céu, para o pôr à prova. Jesus, suspirando profundamente, disse: "Porque pede esta geração um sinal? Em verdade vos digo: não será concedido sinal algum a esta geração."» Segundo Lucas, Jesus disse que ele («Filho do Homem») seria um sinal para a geração presente, tal como Jonas foi um sinal para os ninivitas. «Os ninivitas hão-de levantar-se, na altura do juízo, contra esta geração e hão-de condená-la, porque fizeram penitência ao ouvir a pregação de Jonas; ora aqui está alguém maior do que Jonas.» Numa das duas versões de Mateus (16, 1-4), Jesus refere-se ao «sinal de Jonas», mas não explica a expressão. Numa outra passagem (Mt 12,38-42), «o sinal de Jonas» constitui o anúncio da morte e da ressurreição do próprio Jesus. «Assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre do monstro marinho, assim também o Filho do Homem estará três dias e três noites no seio da terra.»



Assim, temos as seguintes versões da resposta de Jesus àqueles que pediam um sinal: 1. não será dado nenhum sinal (Marcos); 2. o sinal consiste no apelo que Jesus faz à sua geração para que esta se arrependesse (Lucas), 3. não existe nenhum sinal a não ser o de Jonas, cujo significado fica, no entanto, por esclarecer (Mt 16, 1-4); 4. o sinal será a ressurreição (Mt 12, 38-42).

Não é difícil ver que a última interpretação coincide plenamente com a convicção cristã posterior e que não tem a mínima hipótese de constituir uma convicção do próprio Jesus. Ele recusou-se, provavelmente, a dar um sinal quando foi desafiado a fazê-lo (Marcos), ou fez uma referência vaga ao sinal de Jonas (Mt 16, 1-4). O significado original da afirmação de Jesus, segundo a qual ele apresentaria «o sinal de Jonas», consiste, provavelmente, no contraste com a geração de Jonas: esta arrependeu-se, a presente geração, não. A interpretação deste «sinal» como o anúncio, feito pelo próprio Jesus, da sua morte e ressurreição, surgiu, provavelmente, depois de a ressurreição ter ocorrido de facto; o mais provável é que esta interpretação seja obra

do próprio Mateus. Até aqui, parece que Jesus não quis basear a sua causa nos seus milagres. Ele considerava-se a si próprio como o verdadeiro enviado de Deus, mas não queria prová-lo através de milagres; ou talvez soubesse que os seus opositores não ficariam impressionados com os seus milagres, visto que os milagres, em si, não provam nada.

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Existe, porém, uma outra passagem sobre histórias de curas que indica que Jesus as considerava como uma prova de que ele era o verdadeiro enviado de Deus. Quando João Baptista estava na prisão - provavelmente, pouco depois de Jesus ter iniciado o seu ministério ativo -, enviou alguns dos seus discípulos a Jesus com a pergunta: «És Tu aquele que há-de vir, ou devemos esperar por outro?» Jesus respondeu-lhes:

Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres.» (Mt 11, 2-6)

Jesus invoca Isaías 35 nesta resposta; a passagem referida inclui uma lista semelhante de milagres, pelo que ele afirma, aparentemente, que a profecia foi cumprida na sua própria obra, o que leva à conclusão de que ele era, de facto, «aquele que há-de vir». Por que razão apresentou Jesus milagres como «sinais» a João Baptista, mas não aos outros? Talvez tivesse esperança que João encarasse as suas curas como ele próprio e alguns dos seus seguidores as encaravam: como uma prova de que ele era o agente do Espírito de Deus. Quer isto dizer que diferentes respostas aos pedidos de sinais poderão mostrar as diferenças na audiência: ele não ofereceu sinais aos seus inimigos, mas quem tivesse olhos para ver perceberia que Deus atuava no seu ministério.

Numa perspetiva mais abrangente, é provável que ele considerasse os seus milagres como indicações de que a nova era estava próxima. Ele partilhava a convicção dos evangelistas de que nele se cumpriam as esperanças dos profetas - ou, pelo menos, de que o cumprimento destas esperanças estava preste a acontecer. Aproximavam-se tempos novos nos quais o sofrimento, a dor e a morte seriam ultrapassados e os milagres constituíam sinais disto mesmo. Quando Jesus foi acusado de expulsar demónios em nome de Belzebu, respondeu: «Se é pelo Espírito de Deus que Eu expulso os demónios, então o Reino de Deus chegou até vós» (Mt 12, 28). Repare-se tanto na proclamação como no «se». Podemos ver o reconhecimento de que os milagres, em si, não provavam a presença ou a chegada iminente do Reino, mas só o faziam se Jesus atuasse com a força do Espírito. Não há dúvida de que ele pensava que o fazia com esta força.

Existe uma outra passagem que indica que Jesus interpretava o seu ministério nesta perspetiva - trata-se da história da missão dos

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setenta discípulos, que se encontra em Lucas. Quando os discípulos regressaram, disseram a Jesus: «Até os demónios se sujeitaram a nós, em teu nome.» Ele respondeu: «Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago» (Lc 10, 17 e segs.). Parece que Jesus partilhava parcialmente a opinião dos autores dos Evangelhos: os seus milagres eram sinais do início da vitória final de Deus sobre o mal. Atribuímos esta visão aos Evangelhos e aos discípulos e, agora, podemos atribuí-la à fonte dos mesmos: Jesus.

Jesus não procurou provar isto de uma maneira grandiosa e espetacular e, provavelmente, a multidão que se juntou a ele não conhecia ou, pelo menos, não compreendia completamente o contexto escatológico no qual ele próprio enquadrava a sua obra. Os milagres em si não teriam despertado a esperança escatológica. Eles só tinham este efeito naqueles que compreendiam - que eram suficientemente próximos de Jesus para colocar os seus milagres no contexto do seu ensinamento; mesmo assim, nem eles estavam certos do significado dos atos de Jesus.


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