História do brasil moderno ernesto geisel



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Qual era a penetração nas Forças Armadas, na Marinha e no Exér- cito, do comunismo e do integralismo?

Quando surgiu uma imitação das organizações fascista e nazis- ta da Itália e da Alemanha, quando Plínio Salgado fundou o inte- gralismo,25 muitos oficiais do Exército e da Marinha participaram.

25 A Ação Integralista Brasileira (AIB), de inspiração fascista, foi fundada por Plínio Salgado em 1932. Dissolvida em dezembro de 1937, um mês após o golpe do Estado Novo. chegou a promover um fracassado levante contra o governo em maio de 1938. #



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Mas, do mesmo modo que no caso do Clube 3 de Outubro, não fui partidário do integralismo. Costuma-se dizer que o integralismo era mais forte na Marinha do que no Exército, mas não tenho dados pa- ra confirmar essa versão. O Exército era uma entidade mais disper- sa no território nacional do que a Marinha, que era e ainda é muito concentrada no Rio de Janeiro. O Exército, além das guarnições do Rio, mantinha guarnições muito importantes no Rio Grande do Sul. E aí os acontecimentos políticos, pela distância, não tinham a mes- ma ressonância.

Do mesmo modo se diz que o Exército estava muito sujeito à propaganda esquerdista, sobretudo entre as camadas mais baixas, entre os sargentos, mas também entre os oficiais, pelos vínculos pro- fissionais mantidos com Prestes. Mas essa influência era muito redu- zida, pouco propagada. Algum proselitismo foi feito através da ANL, a Aliança Nacional Libertadora.26 Havia alguns comunistas, mas quem se destacava principalmente era Agildo Barata. De volta do exí- lio, Agildo foi servir no Rio Grande do Sul, em São Leopoldo, e lá se envolveu em comícios da Aliança. Acabou sendo preso disciplinar- mente, veio para o Rio de Janeiro cumprir a prisão no 3º Regimen- to de Infantaria, sediado na Praia Vermelha, no quartel da velha Es- cola Militar, e, mesmo preso, conseguiu revoltar o regimento, com a cooperação de alguns oficiais e sargentos comunistas que lá ser- viam. Após o levante, ficou preso na polícia, foi condenado pelo Tri- bunal de Segurança Nacional e cumpriu pena no presídio da ilha Grande. Às vezes eu tinha notícias suas. Depois que foi solto, mais tarde, foi vereador aqui no Rio de Janeiro, pelo Partido Comunista. Foi sempre coerente. Mas eu nunca quis me envolver nesses movi- mentos. Depois que saí da Paraíba, voltei ao Exército e me dediquei muito aos problemas militares. É claro que acompanhava a evolu- ção política, procurava estar em dia com o que ocorria, mas sem- pre via com uma certa suspeição movimentos como o da Aliança Na- cional Libertadora.

Recordo que uma ocasião, eu, general no Paraná, Agildo este- ve lá e conversou muito comigo. Outra vez, com outro amigo, visi-

26 A Aliança Nacional Libertadora foi fundada em março de 1935 como uma frente contra o fascismo, o imperialismo, o latifúndio e a miséria. Foi fechada em julho se- guinte mas continuou a atuar na clandestinidade até a eclosão da revolta comunista, no mês de novembro. #

tei-o aqui no Rio. Se não me engano, morava na ladeira do Saco- pâ. Aí ele já estava hemiplégico, tinha tido um derrame. Foi a últi- ma vez que o vi. Veio a falecer quando Castelo já era presidente. Era uma figura, muito inteligente, muito vivo. Conosco era muito expansivo, brincava muito. Nós o chamávamos de "Moleque", mas seu apelido no Colégio Militar de Porto Alegre era "Carioquinha". Até o fim ficamos amigos, embora em campos opostos. Nossa ami- zade era muito sólida, vinha quase da infância. Era uma relação de respeito recíproco.

Em novembro de 1935 o senhor chegou a atuar no combate aos revoltosos?

Sim. A informação sobre a revolta foi recebida durante a noi- te. Houve levante no 3º Regimento, na Praia Vermelha, e simulta- neamente na Escola de Aviação, no Campo dos Afonsos. Não me recordo quem deu a notícia. Pode ter sido o Eduardo Gomes, que comandava o 1º Regimento de Aviação. Não tinha vínculo com a Escola de Aviação, mas era o comandante da Aeronáutica naquela área. O 1º Regimento de Aviação foi atacado, e Eduardo Gomes acabou ferido com um tiro na mão. O levante era previsto, por cau- sa do movimento que tinha havido no Rio Grande do Norte e em Pernambuco, e as unidades estavam de prontidão.

Eu não diria que esse episódio de 35 tivesse sido o mais dra- mático para as Forças Armadas, mas foi sério. Todo levante militar, com indisciplina, subversão e derramamento de sangue, é chocante para o militar que é formado desde jovem com disciplina, obediên- cia e respeito à hierarquia. É bem verdade que a tudo isso se sobre- põe, muitas vezes, o que se imagina ser o dever maior para com a pátria, consideração que absolve os revolucionários.

O movimento de 35 foi muito mal planejado e articulado, sem informações adequadas. Prestes estava completamente alheio à reali- dade, iludido com a aparente expansão comunista na classe operá- ria e com seu grau de motivação revolucionária. Por outro lado, a mesma desinformação, e consequente ilusão, ocorria com a situação nas Forças Armadas. Prestes estava convencido de que a projeção de seu nome era tão grande no meio militar que bastaria levantar-se contra o governo para ser acompanhado pela maioria da tropa do Exército. Estava convencido, também, de que o 3º Regimento revolta- do iria logo marchar com os seus batalhões para a cidade e aprisio- #



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nar Getúlio no palácio do Catete. Era muita fantasia. Os operários nada fizeram, e o 3º Regimento não conseguiu sair do quartel. De madrugada, à hora de romper o movimento, os revoltosos mataram inclusive companheiros que estavam dormindo, para evitar a rea- ção. Mais tarde, foram muito mal conceituados por causa disso. A reação militar foi rápida, sob o comando do general Dutra. Na épo- ca ele era comandante da 1ª Região Militar e deslocou tropas para o Mourisco, inclusive a artilharia, que bombardeou o 3º Regimento. Houve um incêndio, e os revoltosos acabaram se rendendo. Não tive- ram nenhuma adesão.

O levante afinal não teve maior expressão. Não houve nenhum avião que conseguisse levantar vôo enquanto nós, do Grupo-Escola, estávamos atirando sobre a Escola de Aviação para evitar a abertu- ra dos hangares. A tropa da Vila Militar, de infantaria, deslocou-se para a área do Campo dos Afonsos para combater a revolta e pro- mover a rendição. Ainda de manhã, quando a Escola de Aviação ha- via-se rendido, Getúlio chegou no quartel do Grupo-Escola e conver- sou conosco sobre o que havia acontecido. Fracassado o levante, os principais chefes fugiram, pois viram que não tinham tido êxito. Eram vários oficiais, comunistas convictos.

Essa manhã no Grupo-Escola foi a primeira vez que o senhor con- versou com Getúlio?

Não, conversei com Getúlio na Paraíba. Eu era secretário da Fazenda quando Getúlio fez uma célebre excursão aos estados do Norte a bordo de um navio, acompanhado de pessoas do governo.27 Na Paraíba, esteve durante alguns dias e foi ao sertão ver as obras contra a seca. José Américo tinha retomado as obras de grande açu- dagem iniciadas no governo Epitácio Pessoa, que Artur Bernardes paralisara. Getúlio foi ver então os açudes. E com o governador do estado, Gratuliano de Brito, nós participamos da viagem, inclusive da visita ao "Brejo das Freiras", uma estância hidromineral em ple- no sertão da Paraíba. No Grupo-Escola, em 1935, Getúlio não apa- rentava nervosismo. Era um homem frio, sem emoção. Estava tran- qüilo. Nos elogiou e agradeceu o apoio.

27 Do final de agosto ao final de setembro de 1933 o presidente Getúlio Vargas visi- tou os estados do Norte e Nordeste a bordo do Jaceguai. #



Depois do levante, aproveitou-se a oportunidade para introdu- zir um artigo na Constituição, por interferência do general Pantaleão Pessoa, que era o chefe do Estado-Maior do Exército. Até então, os oficiais das Forças Armadas tinham garantias constitucionais, não podiam ser reformados e excluídos a não ser que fossem condena- dos judicialmente com pena de dois ou mais anos. Para sanear o Exército, para eliminar de seus quadros os comunistas, introduzi- ram na Constituição o célebre artigo 177, que permitiu ao governo reformar o oficial que bem entendesse. Tiravam uma garantia que os militares tinham, mas com o objetivo de excluir dos quadros do Exército os que eram realmente comunistas e, bem assim, outros oficiais que não tivessem boa reputação.

O comunismo passou a ser o grande inimigo?

Sim. E essa história de comunismo se estendeu até recente- mente. Em parte, foi uma das causas que influíram na Revolução de 64. O Exército passou a ser contra o comunismo, embora dentro de- le houvesse oficiais comunistas. Inclusive oficiais que depois foram servir no gabinete do ministro Lott. Ele dizia que não eram comunis- tas, que eram muito bons oficiais, que podiam ter suas idéias, mas isso não tinha importância nenhuma... O comunismo, a partir daí, constituiu uma preocupação constante, embora ainda houvesse ou- tras quizilas políticas.

O senhor não acha que Getúlio usou a ameaça comunista para co- meçar a limpar o terreno e alijar antigos aliados que começavam a se opor a seus projetos? Por exemplo, Lima Cavalcanti, em Per- nambuco, Juracy Magalhães, na Bahia...

Não, com Lima Cavalcanti e Juracy, o que houve foi que eles não concordaram com o golpe de 37. Juracy sempre foi ligado ao Ge- túlio, era amigo dele. Getúlio esteve na Bahia e procurou convencê-lo de que o país, no regime da Constituição de 34, não podia continu- ar, de que as candidaturas do José Américo e do Armando Sales, de São Paulo, não iam resolver os problemas do país.28 A candidatura

28 José Américo de Almeida, como candidato oficial, e Armando de Sales Oliveira, re- presentando a oposição, foram candidatos às eleições presidenciais marcadas para ja- neiro de 1938, canceladas pelo golpe do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937. #

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do José Américo pendendo já muito para a esquerda. Getúlio procu- rou convencer Juracy de que a solução era o Estado Novo, que se pretendia instituir. Juracy disse a ele que não concordava. Então, quando se decretou o Estado Novo, Juracy deixou o governo da Bahia. Carlos de Lima saiu de Pernambuco também nessa ocasião. Eles foram contra o movimento do Estado Novo. Creio que Juracy ti- nha uma certa fidelidade ao José Américo. Carlos de Lima, ao con- trário, havia tido conflitos com José Américo disputando a liderança no Nordeste, e dizia-se que era liberal, simpático à esquerda. Mais tarde, as coisas se arrumaram. Carlos de Lima acabou sendo embai- xador, e Juracy, além de chefiar missão militar nos Estados Unidos, foi presidente da Petrobras.

Flores da Cunha, governador do Rio Grande, teve posições muito polêmicas nesse período de 1935 até o golpe de 37, não?

Flores da Cunha ficou como interventor no Rio Grande depois da Revolução de 30. Tinha grande liderança, havia-se destacado mui- to na Revolução de 1923, apoiando Borges, enquanto Batista Luzar- do era contra. Osvaldo Aranha, com seu feudo em Alegrete, e Flores da Cunha, em Uruguaiana, com influência também em Livramento, comandaram as milícias provisórias do Rio Grande na luta de 23. Desde aquela época Flores tinha prestígio, muito mais prestígio no Rio Grande do que Getúlio. Getúlio cresceu depois, como presiden- te do estado. Aí ele se destacou, promovendo a Frente Única, uma espécie de união entre os dois adversários tradicionais, republica- nos e federalistas. Era ponderado, apaziguou e conseguiu, pratica- mente, o apoio unânime do Rio Grande. Aí ele cresceu politicamente.

Em 1932, Flores de certa forma estava comprometido com os paulistas na articulação da revolução. Mas à última hora roeu a cor- da, ficou com Getúlio e prestou um grande serviço. O Rio Grande veio em peso para a luta ao lado do governo federal. Vieram não só as forças do Exército, para combater o movimento paulista, como as forças da Brigada Militar, as tais que depois o Góes queria que não fossem militarizadas. Flores era um caudilho, mas era muito benquis- to no Rio Grande. Eu o conheci e tive algumas relações com ele. Con- versávamos, meu pai e meus irmãos também. Era general honorário do Exército e gostava de se fardar. Era um homem muito interessan- te, culto. Com a constitucionalização de 1934, foi eleito governador #

do Rio Grande do Sul. Tinha suas ambições e ficou contra o movi- mento de 37, que consolidava ainda mais a posição do Getúlio.

Em 1935, no Centenário da Revolução Farroupilha, Getúlio es- teve em Porto Alegre. Foi lá participar das comemoraçôes e teve vá- rias entrevistas com Flores, procurando trazê-lo para o movimento em preparação, que saiu em 37. Flores não concordou. Então, com a orientação do Góes de um lado, e com a posição do Getúlio que- rendo continuar no poder, a solução foi derrubar o Flores. Começou- se a concentrar forças em Santa Catarina sob o comando do gene- ral Daltro, assessorado pelo Cordeiro de Farias. Acabou-se derruban- do o Flores, que, quando viu que ia ser preso, fugiu para o Uruguai e lá passou alguns anos até que Getúlio concordou com a sua volta. Com sua fuga, Daltro assumiu o governo do Rio Grande. Foi aí que começou a aparecer politicamente o Cordeiro de Farias, que era o chefe do estado-maior do Daltro. Quando o Daltro morreu, Cordeiro assumiu o governo do Rio Grande.

Conheci o Cordeiro em 1928. Eu tinha fraturado um pé numa queda de cavalo e estava no Hospital Central do Exército. Ele bai- xou ao hospital, preso como oficial revolucionário junto com outros, alguns da polícia de São Paulo. Jogávamos cartas. Este foi meu pri- meiro contato com ele. Depois, ao longo da vida, muitas vezes nos encontramos. Mas em 30 não atuamos juntos. Ele atuava na região de Minas Gerais.

Flores da Cunha, ainda às vésperas do golpe do Estado Novo, ti- nha o controle da Brigada Militar gaúcha. Ela era poderosa?

A Brigada Militar do Rio Grande sempre foi uma força milita- rizada e muito boa disciplinarmente. Tinha combatido Prestes em 1924. Havia também os corpos provisórios, que os chefetes políti- cos do interior, favoráveis ao governo do estado e por orientação deste, arregimentavam. Formavam uma unidade, um batalhão, um regimento, num sistema que vinha desde a Revolução Federalista de 1893. O grande adversário do Flores era o Góes, não apenas pela oposição do Flores aos objetivos do Getúlio, mas também porque o Góes achava que força militarizada no país só devia haver no gover- no federal, com o Exército e a Marinha. Que as polícias militares, as polícias dos estados, deviam perder a característica militar. Eram unidades policiais, para a repressão do crime. Essa era a tese do Góes Monteiro. #



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Nessa questão entre a Brigada Militar gaúcha e o Exército, tal- vez o Exército tivesse mais força, mas os efetivos da Brigada eram maiores. As relaçôes de convivência sempre foram muito boas. Nun- ca houve um confronto entre a Brigada e o Exército. E só iria sur- gir se o Flores resolvesse resistir à invasão, à progressiva pressão que as tropas do Góes estavam fazendo. Havia, contudo, preocupa- ção quanto à possibilidade de unidades do Exército no Rio Grande se colocarem ao lado do Flores na eventualidade de um conflito de- clarado, pois muitos oficiais e a totalidade dos sargentos eram rio- grandenses, e neles poderia prevalecer o sentimento regionalista. Na realidade, as polícias militares dos estados eram consideradas for- ças auxiliares do Exército. Góes era um homem muito inteligente, muito lido, mas político também. Falava muito e, conseqüentemente, sofria ataques da imprensa. Achava que esses ataques ofendiam o Exército, quando na realidade o problema era com ele. Havia muita gente que era sua partidária, mas também havia outros que lhe eram contrários. Convivi com o Góes, servi junto dele e várias vezes senti suas frustrações. Tinha, como é natural, suas ambições, embo- ra não declaradas, à presidência da República. Era um homem do- ente, cardíaco, teve vários enfartes.

Além de Góes Monteiro, havia várias lideranças dentro do Exérci- to nesse período antes do golpe de 37 disputando o poder não?

Sim. Um dos problemas que o Góes teve, depois da Revolu- ção de 32, foi com o general Valdomiro Lima. O general Valdomiro tinha passado para a reserva no tempo do Bernardes, mas partici- pou da Revolução de 30 e reverteu ao Exército como general. Na Re- volução de 32, foi o comandante das forças legais do Sul. Logo após a vitória do governo, foi o interventor federal em São Paulo. De- pois voltou para o Exército e aí começou a disputar a liderança com o Góes. E houve sério conflito entre eles. Acabou o Valdomiro sendo preso, destituído do comando, apesar de ter uma certa boa vontade do Getúlio por causa do parentesco que tinha com dona Darcy.

Góes teve vários outros conflitos dentro do Exército, com ou- tros chefes. Dutra e João Gomes também tiveram suas ambiçôes. Daltro Filho idem. Daltro era, como já disse, um homem que havia sido contra a Revolução de 30. Era um homem do Bernardes e do Washington Luís. Mas tinha muita força de vontade. E tinha ambi-

ção. Conheci-o bem quando foi meu comandante contra a Revolução de São Paulo em 32. Várias vezes, inclusive, me convidava para eu tomar o café da manhã no seu posto de comando. Eu era simples tenente e ele coronel, uma grande diferença hierárquica. Eu ia meio sujo da ação na guerra, mas ele me tratava muito bem. Muito educa- do. Foi um dos poucos chefes que conheci que realmente era um ho- mem de vontade. Queria as coisas e, enquanto não as conseguia, não parava. Via a posição estabilizada, num terreno muito difícil, um terreno acidentado no vale do Paraíba, não se conformava e di- zia: "Quero atacar. Temos que atacar!" Chamava o seu chefe de esta- do-maior, o capitão Segadas Viana, que depois foi ministro do João Goulart, e dizia: "Seu Segadas, vamos lá, vamos atacar!" Lá ia o Se- gadas fazer o reconhecimento para ver qual era a área mais propí- cia onde podia ser montado um ataque. Enquanto não conseguia o ataque ele não sossegava. Era um homem voluntarioso. Foi interven- tor em São Paulo também. Depois, como já disse, comandou a fren- te contra Flores em Santa Catarina e no Rio Grande e assumiu o go- verno do estado. Mas era diabético e guloso. Acabou morrendo com uma infecção generalizada.

Quais foram as pessoas, a seu ver mais importantes para unifi- car, dar um espírito de corpo a esse Exército fragmentado depois de 30?

Em parte foi o Góes. Dutra também teve atuação destacada de- pois. O próprio João Gomes. E muitos chefes no Exército, embora não tivessem sido revolucionários. Cito Pantaleão Pessoa e Álcio Sou- to: não eram revolucionários, mas eram oficiais que se impunham pelo seu trabalho, pelo seu valor, pela sua dedicação ao Exército. Outro foi Canrobert Pereira da Costa, que também não era revolucio- nário. Esses oficiais, quase todos, serviam aqui no Rio na época da Revolução de 30 e participaram do movimento de 24 de outubro que acabou com a revolução. Não porque fossem revolucionários. Depuseram Washington Luís para apaziguar o país, para acabar com a luta. Achavam que seria um grande desastre o confronto que ia haver, principalmente na frente principal, em Itararé. Haveria ali uma verdadeira batalha. O movimento no Rio de Janeiro não teve assim um sentido propriamente revolucionário, foi um movimento de apaziguamento para eliminar o conflito.

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Esses oficiais que citei eram muito dedicados ao Exército. E esse esforço para unificar e nacionalizar o Exército era bem-visto. O problema principal do Exército era outro, e era sempre o mesmo. Era o problema do equipamento, da modernização do material. Boa parte dos nossos armamentos tinha sido comprada na França, em conseqüência da Missão Militar Francesa, chefiada pelo general Ga- melin depois da Primeira Guerra. Mas a nossa vinculação de arma- mentos, em grande parte, ficava com a Alemanha mesmo, em decor- rência da época do marechal Hermes da Fonseca. O fuzil era ale- mão, os canhões eram canhões Krupp, alemães. As metralhadoras eram francesas e também algum material de artilharia. Quando Du- tra, como ministro, procurou reequipar o Exército, sobretudo a arti- lharia, enviou uma comissão para a Europa, da qual fazia parte Can- robert, para tratar dessa compra. Estiveram algum tempo na Sué- cia, na fábrica Bofors de armamentos. Na Alemanha estiveram na Krupp. No cotejo das armas, das suas características, da sua perfor- mance, preferiram o canhão Krupp. Mas dessa encomenda de ca- nhões Krupp só chegou uma pequena parte ao Brasil, por causa da guerra. Acabamos usando o armamento americano. Quando os Esta- dos Unidos se prepararam para a guerra e procuraram contar com o Brasil, nos cederam algum armamento.

Como o senhor viu o golpe de 1937?

Quando veio o golpe, sabia-se que havia qualquer coisa sendo preparada. Em 1937 eu servia ainda no Grupo-Escola como capi- tão. Nesse ano o governo fechou os cursos de certas escolas, inclusi- ve as escolas das armas, de aperfeiçoamento de oficiais. Era o ano em que eu iria cursar a Escola de Artilharia. O objetivo dessa medi- da era manter a oficialidade toda servindo nos quartéis. Isso, para nós, foi um prenúncio de que ia haver alguma coisa muito importan- te. Eu e os oficiais do Grupo sabíamos, porque o Grupo-Escola era uma unidade muito ligada ao governo desde 1935. Álcio Souto, nos- so ex-comandante, mantinha contato conosco, e todos sabíamos que ia haver qualquer coisa, pelas informações, notícias, boatos, e pelo rumo que estava tomando a campanha da eleição presidencial.

Getúlio, Góes e Dutra achavam que, com o regime que tinha sido instalado com a Constituição de 34, e com as candidaturas que havia, o Brasil iria para o desastre. De um lado, Armando Sa- les, com o Partido Democrático Paulista e o espantalho da revanche #

de 32; de outro lado, José Américo, fazendo uma propaganda mui- to voltada para a esquerda: "Eu sei onde está o dinheiro!" Eu não tinha muita noção sobre as idéias reais do Armando Sales. Sei que era um democrata. Já era governador de São Paulo, uma personali- dade respeitada. Contudo, como disse, preocupava a possibilidade de, uma vez no governo da República, promover uma ação revan- chista em relação ao movimento de 32. Já José Américo fez uma campanha, além de voltada para a esquerda, muito demagógica. As- sustou. Muitos de nós achávamos, eu inclusive, embora fosse seu amigo desde a Paraíba, que se José Américo fosse eleito ia criar um problema muito sério neste país. E aí Getúlio aproveitou para continuar.

Em 37 ouvíamos esses boatos e notícias, mas não ligávamos muito. O Grupo-Escola era uma excelente unidade, em que muito se trabalhava. Vivíamos no quartel a semana toda até sábado ao meio-dia, trabalhando. Começava-se a instrução de manhã cedo, se- te horas, e ia-se até as quatro e meia, cinco horas da tarde. Era ins- trução dos soldados e exercícios em Gericinó, instrução de oficiais e de sargentos. Era uma vida inteiramente profissional, e quase não se dava muita atenção ao que acontecia fora do quartel. Se viesse um golpe, nós achávamos que o país ia aceitar. Não tínhamos dúvi- da. E, de certa forma, éramos a favor.

O Estado Novo então, na sua avaliação, teve um papel positivo pa- ra as Forças Armadas, no sentido de pacificar, de fortalecer co- mandos superiores?

Acho que sim, que foi positivo, embora alguns generais fos- sem contrários. Naquela época não dávamos muita importância aos aspectos da legalidade, da democracia etc. Achávamos que o Brasil precisava ter governo, e um governo forte. Achávamos que com o quadro político que havia o governo não tinha forças, não podia rea- lizar quase nada do que o pais reclamava. Por isso não éramos mui- to a favor do Congresso. E líamos jornais, víamos o problema da Itá- lia, da Alemanha, da Espanha... Além disso, naquele tempo estáva- mos muito preocupados com os nossos problemas profissionais: armamentos, instrução, formação de oficiais...

O golpe veio, e no Grupo-Escola não houve nada. Rotina nor- mal. Acho que o ambiente foi favorável. Pelo menos é a minha im- pressão. O político Getúlio era maquiavélico. Recordo que em 1937, #


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