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«artificial» (em oposição a «inato»), aconvencional» (em

oposição a «natural» e «absoluto»), «capacidade de con-

densar a experiência humana» em oposição a «estado ori-

ginário de natureza» teremos de nos confrontar com dife-

rentes aspectos da essência sígnica da cultura.

É indicativo como o suceder das culturas (especial-

mente em épocas de mudanças sociais) vai geralmente

acompanhado duma clara elevação da semioticidade do

comportamento (o que pode encontrar expressão até na

mudança dos nomes próprios e das denominações) e como,

aliás, também a luta contra os velhos rituais pode assu-

mir um carácter duplamente ritualizado. Por outro lado,

não só a adopção de novasformas de comportamento

mas também o reforço da signicidade (simbolicidade) das

velhasformas podem testemunhar determinada mudança

do tipo de cultura. Deste modo, se a actividade de Pedro I

na Rússia se reduziu em grande medída à luta contra os

velhos ritos e os velhos símbolos, traduzida na criação de

signos novos (por exemplo, não usar barba tornou-se obri-

gatório, tal como antes obrigatório tinha sido usá-la, vestir

como no estrangeiro tornou-se obrigatório, tal como antes

o era vestir-se à maneira russa 11, etc.), a acção de Paulo I,

pelo contrário,foi no sentido de reforçar a signicidade das

formas já existentes, e, sobretudo, duma elevação do seu

carácter simbólico (cf. a paixão da época pelos símbolos

genealógicos, o simbolismo dos desfiles, a linguagem ceri-

monial, etc.... e, por outro lado, a luta contra as palavras

que soavam como símbolos duma ideologia distinta; cf.

também determinados actos ostensivamente simbólicos

como as censuras ao morto, os desafios ou duelos entre

reinantes, etc.) 131

Um dos problemas essenciais é o da relação entre a

cultura e a linguagem natural. Durante os últimos anos,

nas publicações da Universidade de Tártu relativas à se-

miótica, osfenómenos da série cultural têm sido defini-

dos como sistemas de modelização secundários. Com isso,

Teoria da Semiótica da Cultura 39

evidencia-se o carácter derivado a respeito das línguas na-

turais. Em vários trabalhos tem-se ressaltado e analisado,

com base na hipótese de Sapir-Whorf, a influência da lin-

guagem sobre as várias manifestações da cultura humana.

Recentemente, Émile Benveniste sublinhou que só as lín-

guas naturais podem assumir umafunção metalinguística

e que estas ocupam, deste ponto de vista, um lugar muito

particular no sistema das comunicações humanas 141. De

qualquer modo, é discutível a proposta do estudioso de só

considerar sistemas propriamente semióticos as línguas

naturais e de atribuir a todos os restantes modelos cultu-

rais o qualificativo de semânticos, na medida em que care-

cem duma semiose ordenada própria, a qual vão buscar à

esfera das línguas naturais. Apesar da oportunidade duma

contraposição entre sistemas modelizantes primários e se-

cundários sem a qual não se poderia determinar a sua res-

pectiva especificidade, parece-nos útil sublinhar que, no seu

funcionamento histórico real, as línguas e as culturas são

indivisíveis: não é admissível a existência duma língua (no

sentido amplo do termo) que não esteja imersa num con-

texto cultural, nem duma cultura que não possua no seu

próprio centro uma estrutura do tipo da duma língua na-

tural.

A título de abstração científica, podemosfigurar a



linguagem como umfenómeno em si mesmo. Mas, no seu

funcionamento real, esta encontra-se incorporada num sis-

tema mais geral: o da cultura, e, juntamente com este, cons-

titui uma totalidade complexa. O «trabalho»fundamental

da cultura, como tentaremos demonstrar, consiste em or-

ganizar estruturalmente o mundo que rodeia o homem. A

cultura é um gerador de estruturalidade: cria à volta do

homem uma sociosfera que, da mesma maneira que a

biosfera, torna possível a vida, não orgânica, é óbvio, mas

de relação.

Pois bem, para cumprir esta tarefa, a cultura tem de

ter no seu interior um «dispositivo estereotipizador» [ztam-

puiuschê utroistvo] estrutural, cujafunção é desempe-

nhada justamente pela linguagem natural: e é isto o que

proporciona aos membros do grupo social o sentido intui-

tivo da estruturalidade; é a linguagem natural que, com a

sua sistematicidade evidente (pelo menos nos níveis mais

baixos), com a sua transformação do mundo «aberto» dos

realia no mundo «fechado» dos nomes, obriga os homens

40 Ensaios de Semiótica Soviética

a interpretarem, como estruturas,fenómenos cuja estrutu-

ralidade, no melhor dos casos, não é evidente 15>. E mais

ainda, não é essencial, em toda uma série de casos, ofacto

de que este ou aquele princípioformador de significado

seja ou não uma estrutura em sentido próprio. É suficiente

que os participantes na comunicação o considerem uma

estrutura e o utiliZem como tal, afim de que comece a

revelar propriedades paraestruturais [strukturodobnye].

Compreende-se, pois, o importante que é a presença, no

centro do sistema da cultura, dum manancial tão vigoroso

de estruturalidade como é a linguagem.

O pressuposto de estruturalidade elaborada a partir da

prática da comunicação linguística exerce uma intensa

acção sobre todo o complexo dos meios de comunicação.

Deste modo, todo o sistema da conversação e transmissão

da experiência humana constrói-se como um sistema con-

cêntrico, em cujo centro estão dispostas as estruturas mais

evidentes e coerentes (as mais estruturais, por assim dizer).

Mais próximas da periferia, colocam-seformações de es-

truturalidade não evidente e não demonstrada; mas que,

ao estarem incluídas em situações sígnico-comunicativas ge-

rais,funcionam como estruturas. Na cultura humana, essas

paraestruturas [kvazistruktury] ocupam, evidentemente,

um lugar bastante importante. Aliás, é justamente a ausên-

cia duma ordem precisa interna, o incompleto da organi-

zação, o que assegura à cultura humana uma « perf or-

mance» interna e um dinamismo desconhecidos de siste-

mas mais harmónicos.

Nós entendemos a cultura como memória não heredi-

tária da colectividade, expressa num sistema determinado

de proibições e prescrições. Estaformulação, uma vez

aceite, comporta algumas consequências.

Dela se conclui, antes de mais, que a cultura é, por de-

finição, umfenómeno social: o que não exclui a possibili-

dade duma cultura individual, caso cada um se interprete a

si mesmo como representante da colectividade, ou ainda,

em todos os casos de autocomunicação, quando uma pes-

soa desenvolve - no tempo e no espaço - asfunções de

diversos membros da colectividade e constitui, defacto,

um grupo. Contudo, os casos de cultura individual são ine-

vitavelmente secundários no plano histórico.

Por outro lado, de acordo com as limitaçôes que o in-

vestigador impõe ao seu material de estudo, podefalar-se

Teoria da Semiótica da Cultura 41

de cultura pan-humana em geral, da cultura desta ou da-

quela área geográfica, desta ou daquela época, da cultura,

enfim, desta ou daquela comunidade variável nas suas di-

mensões, etc.

Aliás, visto que a cultura é memória (ou se preferem,

gravação na memória de quanto tem sido vivido pela co-

lectividade), ela relaciona-se necessariamente com a expe-

riência histórica passada. No momento da sua aparição

portanto, uma cultura não pode ser constatada enquanto

tal: adquire-se plena consciência dela postfactum. Quando

sefala da criação duma nova cultura, verifica-se uma inevi-

tável antecipação: entende-se, noutros termos, aquilo que,

segundo se supõe, se tornará memória, do ponto de vista

dumfuturo reconstruível (e só ofuturo, naturalmente, será

capaz de demostrar a legitimidade de tal conjectura).

Deste modo, um programa de comportamento inter-

vém como um sistema invertido: o programa olha para o

futuro do ponto de vista de quem o elabora; a cultura, ao

invés, olha para o passado do ponto de vista da realização

do comportamento (programa). Disto se deduz que a dis-

tinção entre programa de comportamento e cultura éfun-

cional: o mesmo texto pode ser ou uma coisa ou outra,

distinguindo-se pelafunção que cumpre no sistema geral da

vida histórica duma determinada colectividade.

A definição de cultura como memória da colectividade

coloca, em termos gerais, o problema do sistema de regras

semióticas segundo as quais a experiência de vida do gé-

nero humano se converte em cultura: regras que, por sua

vez, podem ser tratadas precisamente como um programa.

A própria existência da cultura pressupõe a construção

dum sistema de regras para a tradução da experiência ime-

diata em texto. Afim de que um ou outro acontecimento

histórico encontre o seu lugar numa determinada célula,

tem de ser concebido antes de mais como existente, isto é,

é necessário que seja identificado com um determinado

elemento da língua do mecanismo memorizante. Mais

tarde tem de ser valorado em relação com todos os nexos

hierárquicos desta língua. Isto quer dizer queficará re-

gistado, que será, pois, um elemento do texto da memória,

um elemento da cultura. A introdução dumfacto na me-

mória colectiva põe em evidência deste modo todas as co-

notações da tradução duma língua para outra, que, no

nosso caso, é a «língua da cultura».

42 Ensaios de Semiótica Soviética

O problema específico da cultura como mecanismo

que tende a organizar e a conservar a informação é o da

longevidade. Tal problema tem dois aspectos:

1. Longevidade dos textos da memória colectiva.

2. Longevidade do código da memória colectiva.

Em determinados casos, estes dois aspectos podem

não se encontrar em correspondência directa: é possível,

por exemplo, considerar várias crenças populares como ele-

mentos do texto duma antiga cultura da qual se perdeu o

código, como também se dá o caso do texto que sobreviveu

ao código. Veja-se, por exemplo:

A superstição: lasca

duma antiga verdade! Derrubou-se o templo,

mas a língua das suas ruínas

nãofoi decifrada pelo descendente.

[Pedrassudok! on oblomok

Drevnei pravdy. Chram upal;

A ruin egzo - potomok

Iazyka ne razgadal.]

(E. A. Baratynskü) 161

Toda a cultura cria um modelo inerente à duração da

própria existência, à continuidade da própria memória. Mo-

delo esse que corresponde à ideia do máximo de extensão

temporal, de tal modo que constitui praticamente «a eter-

nidade» duma determinada cultura. Já que uma cultura

se concebe a si mesma como existente apenas se se iden-

tifica com as normas constantes da sua própria memória,

a continuidade da memória e a continuidade da existência,

geralmente, coincidem.

1 característico que em geral muitas culturas não

admitam a possibilidade duma mudança mínima substan-

cial que diga respeito à actualidade das regras por elas

formuladas, à possibilidade, noutras palavras, duma reva-

lidação dos valores. Precisamente por isso, comfrequência,

a cultura não tem por objecto o conhecimento dofuturo:

ofuturo apresenta-se como um tempo que se deteve, como

um prolongamento do «agora», o que está em relação di-

recta precisamente com uma orientação para o passado

Teoria da Semiótica da Cultura 43

que assegura essa indispensável estabilidade na qual se tem

de reconhecer uma das condições de existência da cultura.

A longevidade dos textosforma, no interior da cultura,

uma hierarquia que se identífica correntemente com a hie-

rarquia dos valores. Os textos que podem considerar-se

mais válidos são os de maior longevidade, do ponto de

vista e segundo os critérios de determinada cultura, ou se

não pancrónicos, embora também sejam posslíveis «deslo-

cações» culturais anómalas em cujo âmbito o valor mais

alto se atribui â momentaneidade. Isto pode ser verifícado

pela hierarquia dos lugares e dos modos da sua conserva-

ção.

A longevidade do código vem determinada pela cons-



tância dos seus elementos estruturais defundo e pelo seu

dinamismo interno: pela capacidade de mudar conser-

vando ao mesmo tempo a memória dos estados preceden-

tes e, portanto, a autoconsciência da unidade.

Considerando a cultura como a memória longeva da

colectividade, podemos distinguir três maneiras de lhe dar

um conteúdo:

1. Aumento quantitativo do volume dos conhecimen-

tos. Conjunto das diferentes células do sistema hierár-

quico da cultura por meio dos diversos textos.

2. Redistribuição dentro da estrutura das células, o

que leva a uma consequente mudança do próprio conceito

de «facto memorizável> e da valorização hierárquica da-

quilo quefoi registado na memória. Reorganização con-

tínua do sistema codificante, o qual, ainda que permane-

cendo o mesmo na própria autoconsciência e aínda que

considerando-se como ininterrompido, reordena infatiga-

velmente os códigos particulares, e deste modo assegura o

aumento do volume da memória à custa da criação de re-

servas ainactuais,> mas capazes de adquirirem actualidade.

3. Esquecimento. A transformação em texto duma ca-

deia defactos vem inevitavelmente acompanhada da selec-

ção, isto é, dafixação de determinados acontecimentos, que

se traduzem em elementos do texto, e por esquecimento de

outros, declarados inexistentes. Neste sentido qualquer

texto contribui não só para a memorização mas também

para o esquecimento. Desde o momento em que a selecção

Ensaios de Semiótica Soviética 44

dosfactos memorizáveis actua sobre a base de umas ou de

outras normas semióticas de uma determinada cultura, há

que ter cuidado em não identificar os acontecimentos da

série existencial com qualquer texto, por muito «sincero»,

«ingénuo» ou imediato que possa parecer. Um texto não é

a realidade, mas o material para a reconstruir. Portanto, a

análise semiótica dum documento tem de efectuar-se sem-

pre antes da histórica. Uma vez elaboradas as regras para

a reconstrução da realidade baseando-se num texto, o in-

vestigador saberá tirar do documento mesmo aquilo que,

do ponto de vista do seu autor, não constituía um «facto»

e estava submetido ao esquecimento, mas que o historiador

pode valorar doutro modo, se à luz do seu próprio código

cultural esse «não-facto» intervém como um acontecimento

significativo.

Contudo, o esquecimento também se efectiva doutra

forma; a cultura exclui continuamente do seu próprio âm-

bito determinados textos. A história da destruição de tex-

tos, da sua exclusão das reservas da memória colectiva,

move-se paralelamente à história da criação de novos tex-

tos. Todo e qualquer movimento artístico questiona a au-

toridade dos textos sobre os quais se baseavam as épocas

precedentes, transferindo-os para a categoria dos não-tex-

tos, dos textos de diferente nível, ou destruindo-os. A cul-

tura, por essência própria, vai dirigida contra o esqueci-

mento; ela logra vencer o esquecimento transformando-o

num dos mecanismos da memória.

Por conseguinte, podem supor-se limitações precisas

no volume da memória colectiva que determinam a refe-

rida substituição de determinados textos por outros. Mas

há casos em que a existência de determinados textos se

converte em condição indispensável para a existência de

outros textos, por causa da sua incompatibilidade semân-

tica.


Apesar da aparente afinidade, existe uma profunda di-

ferença entre o esquecimento como elemento da memória

e como instrumento da sua destruição. Neste último caso,

produz-se uma cisão da cultura como pessoa colectiva uni-

tário que possui uma continuidade de autoconsciência e

de acumulação de experiência.

É necessário ter em conta que uma dasformas mais

agudas de luta social, no âmbito da cultura, é o pedido de

esquecimento obrigatório de determinados aspectos da ex-
Teoria da Semiótica da Cultura 45

periência histórica. As épocas de regressão histórica (o

exemplo mais claro é-nos dado pelas culturas estatais na-

zis do século XX), impondo à colectividade esquemas his-

tóricos sumamente mitificados, incitam a sociedade ao es-

quecimento dos textos que não se acomodam a semelhante

tipo de organização. Se asformaçôes sociais, no seu pe-

ríodo ascendente, criam modelosflexíveis e dinâmicos, ca-

pazes de proporcionar amplas possibilidades para a memó-

ria colectiva, e adaptados à sua expansão, a decadência

social vai acompanhada, em geral, duma ossificação do

mecanismo da memória colectiva e duma crescente tendên-

cia para reduzir o seu volume.

A semiótica da cultura não consiste apenas nofacto

de que a culturafunciona como um sistema de signos. É

necessário sublinhar que já a relação com o signo e a sig-

nicidade representa uma das característicasfundamentais

da cultura 1'1

Antes de mais nada, é essencial determinar se a rela-

ção entre expressão e conteúdo é considerada como neces-

sária ou como arbitrária e convencional.

No primeiro caso adquire importância de princípio o

problema: como se chama um determinadofenómeno?; e

em correspondência: pode uma denominação errónea iden-

tificar-se com outro conteúdo? (veja-se mais adiante). Pen-

se-se na investigação medieval sobre o nome destas ou da-

quelas hipóstases, admitidas, aliás, no ritual maçónico; no

mesmo plano têm de incluir-se os tabos impostos à pro-

núncia deste ou daquele nome.

No segundo caso, o problema das denominações e, em

geral, da expressão, não tem um valor de princípio; pode

dizer-se que a expressão, neste caso, se apresenta como um

factor acrescentado e, no seu conjunto, mais ou menosfor-

tuito relativamente ao conteúdo.

Da mesma maneira podem distinguir-se culturas pre-

dominantemente centradas na expressão e culturas predo-

minantemente centradas no conteúdo. Compreende-se como

ofacto duma orientação predominante sobre a expressão,

uma ritualização rígida dasformas de comportamento 18>,

derive no geral do reconhecimento duma correlação biuní-

voca (e não arbitrária) entre o plano da expressão e o do

conteúdo, duma sua inseparabilidade substancial (o que é

característico particularmente da ideologia medieval), ou

então do reconhecimento duma influência da expressão so-

46 Ensaios de Semiótica Soviética

bre o conteúdo. (Pode referir-se, a este respeito, que em

certo sentido, o símbolo e o ritual podem considerar-se an-

titéticos: se o símbolo pressupõe normalmente a expressão

exterior - e relativamente arbitrária - dum conteúdo, ao

ritual, pelo contrário, é-lhe concedida a capacidade defor-

mar o conteúdo, de incluí-lo). Por outro lado, compreen-

de-se que nas condições duma cultura orientada para a ex-

pressão e baseada numa designação correcta e, em parti-

cular, numa correcta denominação, tudo se pode representar

como um texto constituído por signos de diferentes tipos,

no qual o conteúdofoi determinado com antecedência, bas-

tando conhecer a língua, isto é, conhecer a correlação

entre os elementos da expressão e os do conteúdo; dito de

outra maneira, o conhecimento do mundo é equiparado à

análisefilológica 191. Pelo contrário, nas condições de mode-

los culturais tipologicamente distintos - orientados direc-

tamente para o conteúdo - pressupõe-se uma certa liber-

dade, tanto na escolha do conteúdo como no seu nexo com

a expressão.

Em geral, a cultura pode representar-se como um con-

junto de textos; mas do ponto de vista do investigador, é

mais exactofalar da cultura como mecanismo que cria

um conjunto de textos e dos textos como realização da

cultura. Pode considerar-se uma conotação essencial da

caracterização tipológica da cultura a maneira como ela

própria se define. Se é próprio de certas culturas o repre-

sentar-se como um conjunto de textos separados (pode to-

mar-se como exemplo o Damostroi) 1l°1, outras culturas

modelizam-se como um sistema de regras que determinam

a criação dos textos. (Poderia dizer-se, por outras palavras,

que no primeiro caso as regras definem-se como uma

soma de precedentes, enquanto no segundo caso o pre-

cedente só existe se descrito com uma regra correspon-

dente).

Resulta evidente que é próprio das culturas caracteri-



zadas precisamente por uma orientação quefaz prevalecer

a expressão o serem representadas como um conjunto de

textos, enquanto é característico das culturas dirigidas

predominantemente para o conteúdo o serem representa-

das como um sistema de regras. Esta ou aquela orientação

duma cultura gera o ideal do Livro ou do Manual, que

compreende também a organização externa de tais textos.

Assim, no caso de ser indicação de regras, o manual asse-

Teoria da Semiótica da Cultura 47

melha-se a um mecanismo generativo, no caso de ser orien-

tação para o texto reveste aforma característica da expo-

sição catequística (pergunta-resposta), nasce a antologia

(colecção de citações, de passos escolhidos).

Quando sefala da comparação do texto e das regras

tem de ter-se em conta, entre outras coisas, que em deter-

minados casos os próprios elementos da cultura podem

intervir com ambas asfunções, quer dizer, ou como texto

ou como regras. Assim, por exemplo, os tabos que inter-

vêm como parte integrante do sistema geral duma cultura

determinada podem, por um lado, ser considerados ele-

mentos (signos) do texto que reflectem a experiência moral

da colectividade, enquanto, por outro lado, podem con-

siderar-se como um conjunto de regras mágicas que pres-

crevem um determinado comportamento.

Tal antítese - sistema de regras versus conjunto de

textos - pode ser ilustrada pelo material oferecido pela

arte, que intervém como subsistema da cultura tomada na

sua totalidade.

O Classicismo europeu dá-nos um claro exemplo de

sistema orientado explicitamente para as regras. Embora

historicamente a teoria classicista tenha surgido como ge-

neralização de uma determinada experiência artística, a

autovaloração desta teoriafornecia um quadro distinto:

os modelos teóricos eram considerados eternos e anteriores


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