Livros horizonte



Yüklə 2,83 Mb.
səhifə5/24
tarix03.01.2019
ölçüsü2,83 Mb.
#88894
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   24

à criação real. E, aliás, na prática artística apenas se re-

conheciam como realidade significativa os textos «correc-

tos», isto é, conformes com as regras. Neste sentido, é de

particular interesse o tipo de obras que, por exemplo,

Boileau julgafeias. Ofeio na arte é a transgressão das

regras. Mas também a transgressão das regras pode des-

crever-se, segundo Boileau, como o pôr em prática regras

«erróneas». Portanto, pode dar-se uma classificação de

textos «feios»: uma determinada obra insatisfatória inter-

vém como exemplo de transgressão típica. Não é por acaso

que, para Boileau, o mundo artístico «erróneo» é composto

pelos mesmos elementos que o que está «correcto», distin-

guindo-se apenas pela modalidade de combinação, modali-

dade proibida na arte «bela».

Outra particularidade deste tipo de cultura é que o au-

tor das regras ocupa um lugar hierarquicamente bastante

mais alto que o autor dos textos. Assim, por exemplo, o crí-

48 Ensaios de Semiótica Soviética

tico, no sistema do classicismo, desfrutava duma conside-

ração muito maior que o escritor.

Como exemplo oposto, pode considerar-se a cultura

do Realismo europeu do século XIX. Os textos artísticos

que o integravam cumpriam a suafunção social directa-

mente, sem exigir uma tradução obrigatória da metalin-

guagem da teoria. O teórico elabora as suas construções

seguindo os passos da prática artística. Mas defacto, numa

série de casos, como por exemplo na Rússia depois de Be-

linskü, a crítica desenvolveu um papel autónomo e suma-

mente activo. E isto é tanto mais evidente se se pensar

que à hora de auto-interpretar a sua própria posição Be-

linskü, por exemplo, concedia prioridade a Gogol, reser-

vando para si o papel de intérprete.

E embora em ambos os casos seja a existência de re-

gras a condição mínima indispensável para aformação da

cultura, variará, contudo, o grau de importância segundo

aforma como a cultura se autovalore. Assim acontece com

o ensino duma língua como sistema de regras gramaticais

ou como variedade de modos de uso.

De acordo com a distinção antesformulada, a cultura

tanto pode contrapor-se à não-cultura como à anticultura.

Se nas condições duma cultura que se caracterize pela ',

prevalência da orientação para o conteúdo e que se repre-

sente a si própria naforma dum sistema de regras, a antí-

tesefundamental é de <`ordenado versus não-ordenado»

(antítese que em casos particulares pode apresentar-se como

oposição "cosmos versus caos», «ectropia versus entropia»,



<`cultura versus natureza», etc., nas condiçôes de uma cul-

tura dirigida predominantemente à expressão e represen-

tada como um conjunto de textos regulados, a antítese

fundamental será a de <`correcto versus erróneo» («erró-

neo» [`nepravil'noe'] precisamente e não Kincorrecto» [`ne-

-pravil noe'] : antítese que pode aproximar-se - até coinci-

dir - da contraposição de `verdadeiro' e `falso'). Neste

último caso, a cultura não se contrapôe ao caos (à entro-

pia), mas a um sistema de signo oposto. Compreende-se

em geral, que nas condições duma cultura caracterizada

pela orientação no sentido duma correspondência unívoca

entre expressão e conteúdo, e dirigida predominantemente

para a expressão - enquanto o mundo se apresenta

como um texto e adquire uma importância de princípio

a pergunta: «Como se chama» este ou aquelefenómeno? -,

Teoria da Semiótica da Cultura 49

uma denominação errónea pode identificar-se com um

distinto (mas sempre com um) conteúdo, quer dizer, com

uma informação distinta, e não com alterações informa-

tivas. Assim, por exemplo, a pronúncia equivocada da pala-

vra anjo [ánguel] - lida como aggel, de acordo com a es-

crita, que reflecte as normas gregas da ortografia - era

concebida, na Rússia medieval, como uma designação do

diabo 1ll1, de maneira análoga, quando, após as reformas

dos textos sagrados russos devidas ao patriarca hIikon, o

nome Isus ['Jesus'] começou a escrever-se Ilisus, a nova

forma começou a considerar-se como o nome de outro ser:

não já Cristo, mas o Anticristo 1'21. Não é menos caracte-

rístico ofacto de que a transformação da palavra Bog

['Deus'] em spasibo ['obrigado'] (de spasi Bog [que Deus

nos guarde]), pode ser entendida ainda hoje pelos Velhos

Crentes como o nome dum deus pagão, de maneira que

a palavra spasibo se entende como dirigida ao Anticristo

(e no seu lugar os Velhos Crentes bezpopovcy 1131 utilizam

vulgarmente spasi Gospodi ['que o Senhor vos guarde'] e

os Velhos Crentes popovcy utilizem spasi Khristis [que

Cristo os guarde] 1141. Note-se que tudo quando está em

contradição com a cultura (neste caso, a cultura reli-

giosa) deve igualmente achar uma expressão específica sua,

mas uma expressãofalsa (errónea). Dito por outras pala-

vras, a anticultura constrói-se aqui de maneira isomorfa à

cultura, à imagem e semelhança desta, e é concebida tam-

bém como um sistema de signos que tem expressão pró-

pria. Poderia dizer-se que se considera como uma cultura

de signo negativo, quase como sefosse uma imagem espe-

cular sua (na qual os vínculos não são transgredidos, mas

comutados em vínculos opostos). Correlativamente, toda a

a cultura diferente - com outra expressão e outros ne-

xos -, em última instância do ponto de vista duma deter-

minada cultura, é concebida como anticultura.

Daqui deriva a tendência natural para tratar como um

sistema único todas as culturas «erróneas», em oposição

a uma determinada cultura («correcta»). Assim, na Chan-

son de Roland, Marsílio é ao mesmo tempo ateu, maome-

tano e adorador de Apolo.

Dalí é o rei Marsílio que tem ódio a Deus,

venera Maomé e invoca Apolo... cls1

Ensaios de Semiótica Soviética

50

Eis como é caracterizado Hamai na redacção mosco-



vita do Conto da BataZha de Mamai [`Skazanie o Mamae-

vom poboistche']; «Heleno defé, idólatra e iconoclasta,

malvado difamador dos cristãos» 1ib1. E os exemplos pode-

riam multiplicar-se. Neste sentido é indicativa a intransi-

gência com que, na Rússia anterior a Pedro, se tratavam

as línguas estrangeiras, consideradas meio de expressão

duma cultura estranha. Em particular, vejam-se as obras

específicas destinadas a combater o latim e asformas lati-

nizantes, identificadas com o pensamento católico e, mais

em geral, com a cultura católica 1l'1. Não é por acaso que

quando o patriarca de Antioquia Macáriofoi a Moscovo

em meados do século XVIIfoi advertido explicitamente

«nãofalasse nunca em turco» 1'a1 «Não queria Deus»

q - «que tão santo

- declarou o tsar Alexei Mikhailovitch

varão contamine os seus lábios e a sua língua com essa

fala imunda». Nestas palavras de Alexei Mikhailovitch res-

salta a convicção, típica da época, de que é impossível

fazer uso de instrumentos de expressão estrangeiros per-

manecendo no âmbito da própria ideologia (e que, em

particular, não é possívelfalar línguas tão pouco «orto-

doxas» como o «turco», concebidas como meio de expres-

são do catolicismo, e permanecer apesar disso na pureza

da ortodoxia).

Por outro lado, não é menos indicativa a tendência

para considerar todas as línguas «ortodoxas» como uma

única língua. Assim, nesse mesmo período, os literatos

russos podiamfalar duma única língua «eslavo-helénica»

(de que se imprimiu até uma gramática) 1191 e descrever o

eslavo eclesiástico 1z°1 segundo os precisos cânones da gra-

mática, revendo, em particular, a expressão das categorias

gramaticais que só a língua grega conhece.

Do mesmo modo, uma cultura orientada predominan-

temente para o conteúdo, antitética da entropia (do caos)

e cuja oposiçãofundamental é entre «ordenado» e «não

ordenado», se concebe sempre a si mesma como um prin-

cípio activo que deve propagar-se enquanto vê na não-

-cultura o âmbito duma própria difusão potencial. Ao

contrário, nas condiçôes duma cultura orientada predomi-

nantemente para a expressão, e na qual intervém como opo-

siçãofundamental a oposição entre o «correcto» e o «erró-

neo», pode não se verificar em geral a tendência para a

expansão (em condições análogas pode resultar mais carac-

Teoria da Semiótica da Cultura S I

terística a tendência da cultura para não sair do seu

próprio âmbito, para entrincheirar-se contra tudo aquilo

que lhe é oposto, parafechar-se em si própria sem estender

o próprio raio da difusão). A não-cultura identifica-se,

então, com a anticultura e deste modo, pela sua própria

essência, não pode ser percebida como área potencial de

expansão da cultura.

Um exemplo de como a orientação para a expansão e

o alto grau de ritualização relacionado com a dita orien-

tação têm a tendência parafechar-se em si podem dá-lo a

""

""

cia para a conservação em vez de para a difusão do pró-



prio sistema, com o esoterismo e não com o proselitismo.

Pode dizer-se que, se bem que num determinado tipo

de cultura a difusão do conhecimento se produza através

da sua expansão na área do não conhecimento, nas condi-

ções duma cultura de tipo oposto a difusão do conheci-

mento é apenas possível enquanto vitória sobre a men-

tira. Obviamente, o conceito de ciência no sentido moderno

do tempo remete justamente para uma cultura do pri-

meiro tipo: numa cultura do segundo tipo, a ciência não

se contrapõe à arte, à religião, etc., duma maneira tão

clara. É característico que, como a antítese entre ciência e

arte, típica do nosso tempo e que toma às vezes o aspecto

de antagonismo, seja apenas possível nas condiçôes duma

nova cultura europeia - a pós-renascentista - liberta da

concepção medieval do mundo e tendente, em grande me-

dida, a contrapor-se (lembre-se que o próprio conceito de

«belas-artes», antitético do de ciência, nãofaz a sua apari-

ção até o século XVIII) 1zl1

A propósito do que se tem dito, vem-nos à memória

a diferença entre a concepção maniqueísta e a agostiniana

do diabo na brilhante análise que delafez hI. Wiener 1 >.

Para os maniqueus o Diabo é um ser malévolo, quer dizer,

que dirige consciente e intencionadamente o seu poder

contra o homem; para Santo Agostinho, ao invés, o Diabo

é aforça cega, entrópica, só objectivamente dirigida contra

o homem, causa da sua debilidade e ignorância. Enten-

dendo, num sentido amplo, o Diabo como aquilo que se

contl°apõe à cultura (sempre na acepção ampla do termo,

nãof: difícil ver que a diferença entre o critério maniqueu

52 Ensaios de Semiótica Soviética

e o agostiniano corresponde à distinção entre os dois tipos

de cultura antes examinados.

A antítese «ordenado versus não ordenado» pode ma-

nifestar-se também na organização interna da cultura.

Como dizíamos antes, a estrutura hierárquica duma cul-

tura constrói-se como uma combinação de sistemas alta-

mente ordenados e de sistemas que admitem um grau va-

riável de desorganização, de modo que, para descobrir a

sua estruturalidade, é necessário compará-los constante-

mente aos primeiros. Se um modelo nuclear do meca-

nismo da cultura proporciona um sistema semiótico ideal

que apresenta realizados os nexos estruturais de todos os

níveis (ou melhor ainda, se proporciona a máxima aproxi-

mação possível daquele ideal nas condições históricas

dadas), então asformações que o rodeiam podem ser cons-

truídas como culturas que violam níveis distintos da dita

estrutura e que precisam duma analogia constante com

o núcleo.

Esta construção «não-finita», esta ordenação incom-

pleta da cultura como sistema semiótico unitário, não é

um defeito, mas a condição do seu normalfunciona-

mento. Ofacto é que a própriafunção da apropriação

cultural supõe que o mundo seja sistemático. Nalguns

casos (como, por exemplo, o conhecimento científico do

mundo), tratar-se-á da determinação dum sistema escon-

dido no objecto; noutros (como, por exemplo, a pedagogia,

o proselitismo religioso, a propaganda política), tratar-se-á

da transmissão de determinados princípios de organização

a um objecto não organizado. Mas para cumprir estafun-

ção, a cultura - e, em particular, o seu dispositivo central

codificador - tem de possuir determinadas propriedades

indispensáveis. Entre elas, duas são essenciais para nós

agora:

1. Tem de possuir uma alta capacidade modelizadora,



quer dizer, deve descrever o maior círculo possível de

objectos, incluindo o maior número de objectos ainda

desconhecidos - e este é o requisito óptimo dos modelos

cognoscitivos - ou então estar em condições de declarar

inexistentes os objectos que a referida capacidade mode-

lizadora não permite descrever.

2. A sua sistematicidade tem de ser concebida pela

colectividade que a utiliza como instrumento para atribuir

um sistema àquilo que é amorfo. Por isso, a tendência dos

Teoria da Semiótica da Cultura 53

sistemas de signos para se automatizarem é o constante

inimigo interno da cultura, contra o qual trava uma luta

incessante.

A contradição entre a aspiração constante de levar ao

extremo a sistematicidade e a luta contínua contra o

automatismo da estrutura originado por tal aspiração está

íntima e organicamente enraizada em toda a cultura viva.

A questão que referimos leva-nos a um problema de

capital importância: porque é que a cultura humana cons-

titui um sistema dinâmico? Porque é que os sistemas se-

mióticos queformam a cultura humana, à excepção de algu-

mas línguas artificiais claramente locais e secundárias,

estão sujeitos à lei obrigatória do desenvolvimento? A exis-

tência de línguas artificiais é a prova convincente de como

podem existir e, dentro de determinados limites,funcionar

com êxito sistemas que não se desenvolvem. Como é

que existe uma linguagem de sinalização das estradas, uni-

tária e não susceptível de desenvolvimento no seu próprio

âmbito, enquanto uma língua natural tem obrigatoria-

mente uma história,fora da qual nem sequer é possível

o seufuncionamento sincrónico (real, não já teórico)?

Defacto, é sabido que a existência duma diacronia não

só nãofaz parte das condições mínimas necessárias para

o surgir dum sistema semiótico, mas constitui, pelo con-

trário, um enigma teórico e uma dificuldade prática para

os estudiosos.

O dinamismo das componentes semióticas da cultura

une-se, evidentemente, ao dinamismo da vida de relação

da sociedade humana. Contudo, esta união é em si mesma

uma coisa bastante complexa, ao possibilitar aformulação

da seguinte pergunta: «E porque é que a sociedade humana

tem de ser dinâmica?» O homem não está apenas inserido

num mundo bastante mais móbil que toda a restante natu-

reza, mas considera também de maneira radicalmente dis-

tinta a ideia de mobilidade. Se todos os seres orgânicos

têm tendência para a estabilização do ambiente que os

rodeia, e toda a sua mutabilidade não é mais do que a

aspiração a conservarem-se sem mutações num mundo mó-

vel, apesar dos seus interesses, para o homem, ao invés, a

mobilidade do ambiente é a condição normal do existir:

é norma para ele a vida em condições que mudam, a va-

riação no modo de viver. Do ponto de vista da natureza,

não é por acaso que o homem intervém como destruidor,

54 Ensaios de Semiótica Soviética

mas é justamente a cultura, na mais ampla acepção do

termo, o que distingue a sociedade humana das não huma-

nas. Daqui se concluir que o dinamismo não é, para a cul-

tura, uma propriedade exterior que lhefoi imposta pelo

seu nexo de derivação com causas estranhas à sua estrutura

interna, mas uma propriedade que lhe é inerente.

Outra coisa é que deste dinamismo da cultura nem

sempre estão conscientes os seus depositários. Como já

vimos, é típico de muitas culturas a aspiração a perpe-

tuar todo o estado contemporâneo (sincrónico), e ainda por

cima pode não se admitir em geral a possibilidade de mu-

danças substanciais das regras vigentes por mínimas que

sejam (com a característica proibição de entendê-las como

relativas). E isto é compreensível, já que se trata aqui

não de observadores, mas de participantes que se encon-

tram no interior da correspondente cultura;falar de dina-

mismo duma cultura é possível apenas na perspectiva do

investigador (do observador) e não na do participante.

Por outro lado, o processo de mutação gradual duma

cultura pode não ser concebido como ininterrupto e, por

conseguinte, várias etapas deste processo podem ser

entendidas como diferentes culturas contrapostas entre si.

Da mesma maneira, uma língua muda ininterruptamente,

mas os que afalam não advertem deforma directa a con-

tinuidade deste processo, já que as mudanças linguísticas

não se verificam na parole duma mesma geração mas na

transmissão da langue duma geração a outra; assim, os

falantes têm tendência para perceber a modificação da

linguagem mais como um processo «discreto,1: para eles, a

linguagem não representa um contínuo sem interrupçôes,

mas decompõe-se em distintos estratos cujas diferenças

adquirem valor estilístico 1'11.

A pergunta que quer saber se o dinamismo, a cons-

tante exigência de auto-renovação, é ou não uma proprie-

dade da cultura, ou apenas a consequência dofacto de as

condições materiais da existência do homem exercitarem

uma acção perturbadora no seu sistema de representações

id.eais, não pode ter uma resposta unilateral: sem dúvida,

verificam-se processos tanto dum tipo como doutro.

Por outro lado, as mutaçôes no sistema da cultura

estão relacionadas de maneira indiscutível com a amplia-

ção dos conhecimentos da colectividade humana e com a

geral introdução - na cultura - da ciência enquanto sis-

Teoria da Semiótica da Cultura 55

tema relativamente autónomo, dotado da particular orien-

tação progressiva que lhe é própria. A ciência não só se

enriquece com conhecimentos positivos, mas também ela-

bora complexos modelizantes. E a tendência para a unifica-

ção interna, que é uma das tendênciasfundamentais da

cultura (como veremos mais àfrente), torna sempre pos-

sível que os modelos puramente científicos sejam transla-

dados para a esfera ideológica geral e que haja a tendência

para lhes dar o aspecto da cultura, no seu conjunto. Por-

tanto, o carácter dinâmico, progressivo, do conhecimento

influencia naturalmente afisionomia do modelo cultural.

Por outro lado, certamente, nem tudo na dinâmica

dos sistemas de signos pode ser explicado deste modo.

É difícil submeter a semelhante interpretação a dinâmica

do aspectofonológico ou gramatical da linguagem. Se é

certo que o inevitável da mutação, no sistema do léxico,

se pode explicar com a exigência, para a linguagem, de que

reflicta uma concepção distinta do mundo, o variar da

fonologia é, pelo contrário, uma lei imanente do próprio

sistema. Vejamos outro exemplo bastante significativo. O

sistema da moda pode ser estudado em relação aos diver-

sos processos sociais externos: desde as leis de produção

até aos ideais estético-sociais. Ao mesmo tempo, contudo,

constitui evidentemente também uma estrutura sincrónica

fechada com uma propriedade determinada: mudar. A

moda distingue-se da norma pelofacto de regular o sis-

tema orientando-o não para qualquer constância, mas para

a variabilidade. Além do mais, a moda aspira sempre a

converter-se em norma: apenas conseguida uma relativa

estabilidade, que se aproxima do estado de norma, a moda

tenderá imediatamente a abandoná-la. As razões da mu-

dança da moda continuam a ser, no geral, incompreensí-

veis para a colectividade que por ela se rege. Este carácter

imotivado é o que deixa a descoberto a variabilidade (cf.

a expressão de Nekrássov `moda volúvel' [izmensivnia

moda'], define a específicafunção social da moda. Por algum

motivo um literato russo do século XVIII, N. Strachov,

autor do livro O Epistolário da Moda [`Uerepiska Mody']

(«que contém as cartas das modas sem braços, as refle-

xões dos trajes de noite inanimados, os discursos dos gor-

ros mudos, os desabafos dos móveis, carros, blocos de no-

tas, botões, casacos, batas, blusões, etc. Obra moral e crí-

tica que mostra na sua verdadeira perspectiva os costumes,

56 Ensaios de Semiótica Soviética

a maneira de viver e várias cenas divertidas e sérias do

mundo da moda1), escolheu como responsável principal da

Moda a Inconstância, e entre os «Preceitos da Moda» po-

demos ler: «Ordenamos que nenhuma cor de tecido per-

maneça em uso durante mais de um ano» 134>. É óbvio que

a substituição da cor dum tecido não vem determinada

pela aspiração de se aproximar de nenhum ideal comum

de verdade, bem, beleza ou conveniência. A uma cor segue-

-se outra apenas porque aquela é velha e esta nova. Encon-

tramos, em estado puro, uma tendência que, de maneira

mais mascarada, se manifesta amplamente na cultura hu-

mana.


Assim, por exemplo, na Rússia de princípios do sé-

culo XVIII, dá-se uma mudança assim em todo o sistema

da vida cultural da classe dominante, o que leva os ho-

mens da época ao ponto de se definirem, não sem orgulho,

«novos,> e Kantemir escrevia, do herói positivo do seu

tempo:


Dos editos de Pedro nunca o sábio se afasta,

que já num novo povo nos converteu...

[Mudry ne spuskaetes ruk ukazy Petrovy,

Koimi stali my vdrug narod uze novui... ] 131

Neste, como em milhares de outros casos, poder-se-iam

descobrir muitas razões defundo, ditadas pela relação de

correlação com uma outra série estrutural, que justificam

as transformações. É igualmente evidente, contudo, que

também a exigência de novidades, de mudança sistemática,

é um estímulo de mutações não menos perceptíveis. Em

que se baseia esta exigência? A pergunta poderiaformu-

lar-se também em termos mais gerais: «Porque é que o

género humano, ao contrário do resto do mundo animal,

tem história?» Pode supor-se, aliás, que a humanidade

atravessou uma longafase pré-histórica na qual a duração


Yüklə 2,83 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   24




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin