literatura. A mesma tese será sustentada, seguidamente,
sempre num sentido diferente, por Kuchelbecher, Polevoi,
Nadiejdin.e, Pushkin, Belinski.
O estudo duma cultura numa ou noutra das suas eta-
pas históricas inclui, portanto, além duma descrição da
sua estrutura aos olhos dum historiador, uma tradução na
linguagem desta descrição da descrição que dá de si pró-
i
76 Ensaios de Semiótica Soviética '
pria, assim como da evolução histórica da qual ela própria
é o resultado.
3.0. Unívoco-ambivalente. - A relação binária consti-
tui um dos mecanismos organizadoresfundamentais de
toda a estrutura. Por outro lado, choca-se comfrequência
com a presença duma grandefaixa de neutralidade estru-
tural entre os pólos estruturais duma oposição binária. Os
elementos que se amontoam mantêm com o contexto cons-
trutivo que os rodeia relações que não são unívocas mas
ambivalentes. Em regra geral, as descrições sincrónicas rí-
gidas eliminam este aspecto imperfeito de ordenamento
do sistema, queflexibiliza e releva o grau de imprevisibi-
lidade do seu comportamento. Também a informatividade
interna do objecto (a sua margem de potencialidades ocul-
tas) é consideravelmente mais elevada do que aquilo que
indica a sua descrição.
Como exemplo de tal reordenamento pode lembrar-se
o caso - bem conhecido pelos textólogos - do poeta que,
ao compor uma obra, se encontra às vezes na incapacidade
de preferir uma variante a outra e as conserva todas a tí-
tulo de possibilidades. Nestas circunstâncias, este mundo
artístico de alternativas será precisamente o texto da obra.
O texto «definitivo» que vemos impresso constitui uma
descrição do texto mais completo da obra pelo caminho
indirecto do mecanismo simplificador da tipografia. No
caso de tal descrição, vêem-se aumentar o ordenamento do
texto e diminuir a sua informatividade. Sublinhe-se o inte-
resse que apresentam, a este respeito, os múltiplos casos
em que o texto não encerra, em princípio, sucessão unívoca
de elementos e deixa a sua escolha ao leitor. Tudo se passa,
então como se o autor transportasse o leitor (assim como
uma parte determinada do próprio texto) a um nível supe-
rior. Desde tal meta-posição, o texto descobre as suas con-
venções à sua medida, quer dizer, aparece precisamente
como um texto, e não como ilusão de realidade.
Tanto é assim que, quando, por exemplo, nos versos
do poema de Kozma Prútlcov «O meu retrato»:
Kagdá v tolpe ty vstretis celoveka,
Katory nag
[Quando entre a multidão encontrares
um homem nu.]
Teoria da Semiótica da Cultura
o autor põe a seguir uma anotação: «Variante: I1a koem
frak [`comfato'] », é evidente que aí se introduz um nível
filológico (e, em certas circunstâncias, paródico) do «edi-
tor» imitando um ponto de vista supratextual onde todas
as variantes são equivalentes.
Mais complexo ainda é o caso em que a alternativa
se insere num texto único, como o de Pushkin, em Eugércio
Onéguirc:
Quem se deixar levar por uma doce languidez
Como um ébrio, ao pôr do sol na pousada,
Ou melhor ainda, como uma borboleta
Que na Primavera, afanosamente trabalha.
(Cap. IV, estrofe LI.)
Aqui, a inserção no texto duma alternativa estilística
transforma um relato de acontecimentos em relato de re-
latos. No poema de Mandelstam «Bebo nosfulgores da
guerra»:
Bebo, mas ainda não sei
Dos dois qual eleger.
Talvez o Asti espumoso
Ou o vinho do castelo papal,
o autor das duas variantes, prevenindo o leitor que «não
sabe ainda» como acabar o seu poema. Este carácter de
não-acabado e deflexível convence o leitor de que não
tem diante de si a realidade mas, longe disso, um texto que
se pode aescolher» de distintas maneiras.
O que então salta à luz, a marcha dum processo, o
momento dum devir tornam-se evidentes se abordarmos
os cinetextos do cinema actual, que recorrem amplamente
a esta possibilidade de oferecer várias versões paralelas
dum episódio sem dar preferência a nenhuma delas em
particular.
Ainda há que chamar a atenção sobre um outro as-
pecto: um texto real é necessariamente, até certo ponto,
incorrecto. Não nos referimos à incorrecção resultante do
projecto ou dos desígnios do locutor, mas aos simples
erros que se podem chegar a cometer. É assim que, por
exemplo, embora Pushkin tenhafeito da contradição tex-
Ensaios de Semiótica Soviética
tual interna o princípio estrutural do seu romance Eugé-
nio Onéguin 1141, se encontram nesse texto casos em que o
poeta, simplesmente, «não chega a atar as duas pontas».
Assim afirma, na estrofe XXXI do capítulo III, que o au-
tor guarda a carta de Tatiana nos seus arquivos:
A carta de Tatiana está diante de mim
Guardo-a como uma relíquia.
Enquanto a estrofe XX do capítulo VIII indica sem hesi-
tar que ela se encontra em poder de Onéguin:
Aquela cuja carta conserva
Ondefala o coração...
No romance de Bulgakov Margarida e o Mestre, os heróis
morrem duas vezes (essas duas mortes consumam-se simul-
taneamente), uma vez juntos no quarto da cave,
ruela muito perto do Arbat», e uma segunda vez em sepa-
rado: ele no hospital, ela num «hotel de escola gótica».
Uma tal «contradição» entra, certamente, nos desígnios do
autor. Contudo, quando nos enteiramos a seguir que Mar-
garida e a sua criada Natacha «desapareceram abandonando
as suas coisas», e que se investiga afim de saber se se
trata dumafuga ou dum rapto, encontramo-nos diante
duma incoerência do autor.
Não podemos, defacto, excluir duma vez por todas
essas incoerências manifestamente técnicas do nosso
campo visual. Poder-se-ia citar uma grande quantidade
de exemplos do seu impacte sobre a organização estrutu-
ral de distintos textos (por exemplo, as reflexões de Hoff-
mann acerca do papel criativo das conchas na sua introdu-
ção ao Gato Murr). Limitemo-nos a um deles: no exame
dos manuscritos de Pushkin cremos encontrar, nalguns
casos, marcas da incidência sobre o curso ulterior dum
poema de emendas que, ao manifestar-se, sugerem a rima
seguinte e influenciam o desenvolvimento do relato.
assim que, ao analisar os rascunhos do poema Vsë tikho,
na Kavkaz idet noenaia rvcgla, S. Bondi descobriu dois ca-
sos deste tipo num só manuscrito:
1) rIa palavra legla («deitou-se») escrita por Pushkin
letra e aparece sem acento, o que, por casualidade,faz
Teoria da Semiótica da Cultura
coincidir o seu traçado com o da palavra `mgla' ('bruma').
Não será a este errofortuito da sua caneta que o poeta
fica a dever a variante idët noemaia mgla 115)?
Assim, graças a um engano técnico, o verso
Vsë tikho - na Kavkaznocnaia ten' legla
[Tudo dorme - as sombras da noite estenderam-se
sobre o Cáucaso.]
converte-se em
Vsë tikho - na Kavkaz idët nocnaia mgla.
[ Tudo dorme - as brumas da noite
invadem o Cáucaso.]
2) A grafia da palavra 'niet' [não; ] pode também ser
tomada por 'liet' [anos;] de maneira que, substituindo em
mnogikh niet [vários nãos] mnogo liet [vários anos],
Pushkin não julgou oportuno (tal como no início do poema,
quando se tratou de 'mgla' y 'legla') rectificar a palavra
`liet' c16).
Os exemplos citados provam que as deformações me-
cânicas podem, nalguns casos, intervir de reserva (da re-
serva do contexto extra-sistémico do texto).
3.1. Foi M. Bakhtine o primeiro que sublinhou nos seus
trabalhos a natureza cultural e semiótica característica da
ambivalência. Nos seus trabalhos abundam exemplos deste
fenómeno. Sem abordar todos os aspectos de polissemia,
contentar-nos-emos 1com notar que o crescimento da am-
bivalência interna corresponde, para um sistema, ao mo-
mento em que se emprega num estado dinâmico durante o
qual os seus elementos de indeterminação são redistribuí-
dos estruturalmente e adquirem, desde a sua nova inser-
ção neste quadro, um novo sentido unívoco. Pode-se, por-
tanto, encarar todo o aumento da univocidade interna
como um reforço de tendências homoestáticas, todo o cres-
cimento da ambivalência como o indício da proximidade
dum salto dinâmico.
3.2. Um único e mesmo sistema pode, portanto, encon-
trar-se em estado de ossificação e deflexibilidade. Aliás, o
80 Ensaios de Semiótica Soviética
própriofacto da descrição podefazê-lo passar do segundo
estado ao primeiro.
3.3. O estado de ambivalência pode surgir como rela-
ção do texto com um sistema de momento em repouso,
mas vive na memória da cultura (uma violação da norma
que certas circunstâncias legitimam), ou também como
relação desse texto com dois sistemas não ligados se é
admitido no quadro dum e proibido no outro.
Semelhante situação é possível por pouco que a cul-
tura (assim como toda a colectividade cultural, ainda que
fosse um indivíduo isolado) guarde na sua memória não
um mas uma panóplia inteira de metassistemas regendo o
seu comportamento. Estes sistemas podem não estar liga-
dos e revelarem-se mais ou menos actuais. O que permite,
concedendo a este ou àquele dentre eles mais actualidade
ou impacte, traduzir um texto incorrecto em texto correcto,
um texto proibido em texto permitido. É bem verdade que
o sentido da ambivalência como mecanismo dinâmico da
cultura deriva precisamente de a lembrança do sistema
na órbita da qual o texto estava proibido subsistir, sem
cïesaparecer, na periferia dos reguladores sistémicos.
Assim, podem-se ter, dum lado, deslocações, transposi-
ções metaníveis que modificam a interpretação do texto;
doutro, uma deslocação do próprio texto relativamente aos
metassistemas.
4.0. Núcleo-perif eria. - O espaço da estrutura não está
organizado de maneira igual em todas as partes. Encerra
sempre certasformações nucleares e uma periferia estru-
tural. Isto aparece com particular evidência em linguagens
complexas e hipercomplexas que, heterogéneas por natu-
reza, encerram inevitavelmente subsistemas. A relação mú-
tua do núcleo e da periferia complica-se de novo na medida
em que cada estrutura (cada linguagem), bastante com-
plexa e com passado histórico bastante longo,funciona
como uma estrutura descrita. Estas descrições podem ser
feitas por um observador exterior ou resultar duma auto-
descrição. Contudo, pode dizer-se em todos os casos que a
linguagem se converte numa realidade social desde o mo-
mento da sua descrição. Portanto, a descrição não pode ser
mais do que uma deformação (é precisamente isso o que
faz que toda a descrição seja, mais do que umafixação,
s
Teoria da Semiótica da Cultura 81
um acto culturalmente criador, um degrau no desenvolvi-
, mento da linguagem). Sem esclarecer todos estes aspectos
, deformantes, notemos, contudo, que entranham uma dene-
gação da periferia, uma transposição desta ao nível de ine-
xistência. Simultaneamente, acontece que a univocidade e
a ambivalência não repartem o espaço semiótico duma
maneira igual; o grau de rigidez da sua organização debi-
lita-se do centro para a periferia, o que é natural se recor-
, darmos que o centro é sempre o objecto natural da des-
crição.
4.1. Y. Tynianov expôs, nos seus trabalhos, o meca-
nismo da deslocação mútua do núcleo estrutural e da pe-
riferia. O mecanismo maisflexível desta últimafaz dela
um lugar propício para a acumulação deformas estrutu-
rais que, durante uma etapa histórica posterior, se mos-
trarão dominantes e se deslocarão para o centro do sis-
tema. Esta mudança constante entre núcleo e periferia
forma um dos mecanismos da dinâmica estrutural.
, 4.2. Na medida em que, em todo o sistema de cultura,
a relação mútua do núcleo e da periferia se completa, termo
a termo, do juízo de valor alto/alto, o estado dinâmico
dum sistema de tipo semiótico é acompanhado, regra ge-
' ral, duma mudança do alto e do baixo, do que é apreciado
; e do que não é, do que existe e do que parece não existir,
do que pode ser descrito e do que não se presta à descri-
ção.
5.5. Descrito-não-descrito. - Notámos que o próprio
facto da descrição realça o grau de organização e rebaixa
o dinamismo do sistema. Daí a necessidade urgente de des-
crição em certos momentos precisos da evolução imanente
da linguagem. Pode representar-se o emprego dum sistema
semiótico de grande complexidade como um processo osci-
latório de vaivém entre o uso duma linguagem única e a
procura duma comunicação com a ajuda de línguas dife-
rentes que não se recortam mais do que em parte e que
não garantem mais do que um grau às vezes muito débil
de compreensão. Ofuncionamento dum sistema semiótico
muito complexo não implica de nenhuma maneira uma
compreensão total, mas uma tensão entre compreensão e
incompreensão, correspondendo a um momento preciso do
82 Ensaios de Semiótica Soviética
estado dinâmico do sistema a ênfase sobre uma ou outra
face desta oposição.
5.1. Asfunções sociais dos sïstemas semióticos podem
dividir-se emfunções primárias e secundárias. As primei-
ras implicam a comunicação dumfacto, as segundas a opi-
nião de um outro sobre umfacto conhecido «por mim».
No primeiro caso, os interlocutores preocupam-se com a
autenticidade da informação. O outro» é aqui um «eu»,
que sabe o que «eu» ignoro ainda. Após a transmissão da
mensagem, «nós» encontramo-nos ao mesmo nível. O emis-
sor e o destinatário da mensagem estão, um e outro, preo-
cupados em reduzir ao máximo as suas dificuldades de
compreensão e, em consequência, em enfrentar a mensa-
gem dentro duma óptica comum, a saber, servir-se do
mesmo código.
Interessantes esses pares de comentários:
Nas situações de comunicação mais complexas, o «eu»
aspira, pelo contrário, a que o locutor seja «outro», visto
que afalta de informação não pode ser preenchida util-
mente mais do que por um ponto de vista estereoscópico
acerca da mensagem. Longe de ser afacilidade, é então a
dificuldade de compreensão recíproca que se revela como
atributo útil, já que está precisamente associada à pre-
sença duma óptica «outra» sobre a mensagem. O acto da
comunicação não se parece então com a simples transmis-
são duma massa constante de informação, mas com uma
tradução cheia de dificuldades - às vezes enormes -, de
certas perdas e, simultaneamente, duma aportação de tex-
tos examinados doutro modo. Nofinal do percurso, «eu»
próprio estou em estado de me tornar «um outro» para
mim.
5.1.1. Perante esta comunicação entre um emissor e um
destinatário não idênticos, admitamos que as «personalida-
des» daqueles que tomam parte podem ser interpretadas
como jogos de códigos que, sem serem equivalentes, pos-
suem certos traços em comum. A intercepção destes jogos
de códigos garante um nível indispensável de compreensão
mínima. A presença duma esfera de não intercepçãofaz
nascer a necessidade de instaurar equivalências entre ele-
mentos diferentes efundamenta uma base de tradução.
Teoria da Semiótica da Cultura 83
5.1.2. A história da cultura mostra uma tendência in-
cessante para a individualização dos sistemas semióticos
(quanto mais complexos, mais individuais). A zona de não
intercepção dos códigos não cessa de complexizar-se e de
enriquecer-se em cada jogo «pessoal», o que produz o efeito
simultâneo de tornar socialmente mais apreciáveis e mais
difíceis de compreender as mensagens emitidas por cada
sujeito.
5.2. Quando a complexidade das linguagens privadas
(de indivíduos ou de grupos) transborda certasfronteiras
de equilíbrio estrutural, surge a necessidade de um sistema
codificador comum a todos. Tal processo de unificação
secundária da semiose social conduz necessariamente o sis-
tema a simplificar-se e a privatizar-se, mas também actua-
liza a sua unidade, criando os alicerces de um novo pe-
ríodo onde se complica. É assim que afundação duma
norma social única é precedida por um desenvolvimento
variado e um rico colorido de meios de expressão lin-
guística, ou é assim que o classicismo substitui a época do
Barroco.
5.3. A necessidade de estabilizar, de isolar certos ele-
mentos de estática e de identidade homoestática num
estado linguístico dinâmico e colorido satisfaz-se com auto-
descrições que em seguida passam da esfera metalinguís-
tica à da língua e se tornam por sua vez uma norma de
fala real e umfundamento de individualização posterior.
A oscilação entre um estado dinâmico de ausência de des-
crições linguísticas e uma estática de autodescrições e de
descrições a partir dum ponto de vista externo e captadas
na linguagem constitui um dos mecanismos da evolução
semiótica.
6. Indispensável-supérf luo. - O problema da descri-
ção estrutural está estreitamente ligado à discriminação do
necessário, daquilo em que se está a trabalhar, daquilo sem
o qual o sistema não poderia existir em estado sincrónico
dum lado e, doutro, elementos e elos que, do ponto de
vista estático, parecem supérfluos. Se se observar a hierar-
quia das linguagens, desde as mais simples, como a sina-
lização de estradas, até às mais complexas, como a lingua-
gem da arte, o crescimento de redundâncias salta aos
81 Ensaios de Semiótica Soviética
olhos. Numerosos mecanismos linguísticos trabalham para
elevar a quantidade de equivalências e de elementos inter-
mutáveis em todos os níveis da estrutura (enquanto
se elaboram também, com certeza, mecanismos comple-
mentares orientados em sentido inverso). De qualquer ma-
neira, o que parece supérfluo do ponto de vista estático
toma um outro cariz sob o ângulo dinâmico, compondo
então uma reserva estrutural. Importa supor a existência
duma união precisa entre o máximo de redundância ine-
rente a um sistema dado e a aptidão deste para se modifi-
car sem deixar de ser ele próprio.
7. O modelo dinâmico e a língua poética. - As anti-
nomias enumeradas mais acima caracterizam o estado di-
nâmico do sistema semiótico, os mecanismos semióticos
imanentes que lhe permitem, ao modificar-se num contexto
social em evolução, guardar o seu homoestatismo, quer di-
zer,ficar como ele próprio. Contudo, dar-nos-emosfacil-
mente conta de que estes mesmos mecanismos actuam
também na língua poética. Tal coincidência não tem nada
defortuito. As linguagens orientadas para um tipo de co-
municação primária podemfuncionar em estado estável.
Não exigem nenhum «mecanismo modificante» especial a
fim de preencher o seu papel social. Uma outra coisa são
as línguas orientadas para um tipo mais complexo de co-
municação. Aqui, a ausência dum mecanismo constante de
renovação estrutural priva a linguagem desta união desau-
tomatizada entre emissor e receptor, que ajuda com tanta
força a condensar numa mensagem uma quantidade sem-
pre crescente de pontos de vista estrangeiros. Quanto mais
intensamente se oriente a liguagem para umaforma de
comunicação dirigida a um ou vários locutores, distintos, e
para a transformação específica que infligem às mensagens
de que «eu» disponho (tal como a minha percepção em
relevo do mundo), tanto mais rápida deve ser a sua reno-
vação estrutural. O idioma da arte é uma realização ex-
trema desta tendência.
7.1. Resulta de tudo isto que a maioria dos sistemas
semióticos reais se escalonam ao longo dum espectro estru-
tural que oscila entre um modelo estático e um modelo
dinâmico da linguagem, aproximando-se ora dum pólo ora
de outro. Se uma destas tendências se encarna de maneira
Teoria da Semiótica da Cultura 85
plena nas linguagens artificiais deforma simples, a outra
consegue realizar-se da melhor maneira nas linguagens da
arte. Também o estudo das linguagens artísticas e, em par-
ticular, da língua poética deixa de ser uma zona reduzida
' da linguísticafuncional; apoia-se na base da modelização
dos processos dinâmicos da linguagem enquanto tais.
Há alguns anos, o académico A. Kolmogorov demons-
trou que a poesia é impossível nas línguas artificiais des-
providas de sinónimos. Poder-se-ia lançar a hipótese de
não poder existir sistema semiótico como a língua natu-
ral ou, mais complexo ainda, sem poesia.
8.0. Portanto, podem distinguir-se dois tipos de siste-
mas semióticos respectivamente orientados para a trans-
missão de informações primárias e secundárias. Os pri-
meiros podemfuncionar em estado estático; parece que,
' pelo contrário, a presença duma dinâmica, quer dizer,
duma história, é uma condição «de trabalho» indispensá-
vel aos segundos. Examinando o papel de reserva dinâ-
mica, depreende-se que os primeiros não requerem ne-
' nhum contexto extra-sistémico.
Já dissemos que a poesia aparece como caso clássico
de sistema do segundo tipo e pode ser um modelo de
exame original. Pode suceder, contudo, que colisões his-
tóricas reais orientem uma escola poética para um estilo
, informativo primário e reciprocamente. Assim, por exem-
plo, quando observamos o reforço dos laços extratextuais
da poesia russa dos séculos XVIII e XIX (ondefazfalta,
afim de compreender e interpretar um poema, ultrapassar
o quadro do texto e referir-se à personalidade do autor, à
história da poesia, etc., quer dizer, a momentos que, desde
o seu ponto de vista, são extra-sistémicos), pode-se interpre-
tar esse processo como uma reorientação dos textos poéti-
cos noutros tempos de tipo primário para um tipo secun-
dário.
8.1. Opondo estes dois tipos de sistemas um ao outro,
há que evitar absolutizar a antítese. Melhor ainda: deve
tratar-se de pólos ideais em relação complexa de interac-
ção. 1 na tensão estrutural que se estabelece entre estes
que se desenvolve esse todo semiótico único e complexo:
a cultura.
86 Ensaios de Semiótica Soviética
Notas
(1) M. K. Trofimov, aExtractos dos manuscritos de Nag-Ham-
mandi», em A Antiguidade e o Mundo Contemporâneo. Para o 80.°
aniversário de F. A. Petróvski. Moscovo, 1972, p. 377.
Dostları ilə paylaş: |