. Acesso em: 9 abr. 2016.
▸ De acordo com esse trecho, o que é uma obra literária composta como rapsódia?
▸ E o que Mário de Andrade procura valorizar da identidade nacional ao escrever Macunaíma?
▸ Em sua opinião, ao destacar as características de seu personagem, Mário de Andrade ajuda o leitor a refletir sobre a identidade cultural brasileira? Explique.
Texto 3
“Cidade prevista” é um poema formado por 45 versos com sete sílabas métricas (heptassílabos ou redondilha maior) organizados em uma única estrofe. Nele, a visão heroica atribuída ao indígena nos demais textos deste capítulo ganha outra dimensão.
Nesta composição, o eu lírico revela-se ciente da importância de uma identidade realizadora, mas também revela sua impossibilidade de, sozinho, produzir algo comparável ao que gostaria de fazer — a escrita de uma epopeia. Por isso recorre a outros representantes do fazer poético para alongar seus versos e expressar suas ideias. Leia com atenção o poema e procure perceber como isso se constrói no texto e o que é proposto pelo eu lírico.
epopeia: poema extenso que narra as ações, os feitos memoráveis de um herói histórico ou lendário que representa uma coletividade;
poema épico.
Cidade prevista
Carlos Drummond de Andrade
Guardei-me para a epopeia
que jamais escreverei.
Poetas de Minas Gerais
e bardos do Alto Araguaia,
5 vagos cantores tupis,
recolhei meu pobre acervo,
alongai meu sentimento.
O que eu escrevi não conta.
O que desejei é tudo.
10 Retomai minhas palavras,
meus bens, minha inquietação,
fazei o canto ardoroso,
cheio de antigo mistério
mas límpido e resplendente.
15 Cantai esse verso puro,
Que se ouvirá no Amazonas,
na choça do sertanejo,
no subúrbio carioca,
no mato, na vila X,
20 no colégio, na oficina,
no território de homens livres
que será nosso país
e será a pátria de todos.
Irmãos, cantai esse mundo
25 que não verei, mas virá
um dia, dentro em mil anos,
talvez mais... não tenho pressa.
Um mundo enfim ordenado,
uma pátria sem fronteiras,
30 sem leis e regulamentos,
uma terra sem bandeiras,
sem igrejas nem quartéis,
sem dor, sem febre, sem ouro,
um jeito só de viver,
35 mas nesse jeito a variedade,
a multiplicidade toda
que há dentro de cada um.
Uma cidade sem portas,
de casas sem armadilha,
40 um país de riso e glória
como nunca houve nenhum.
Este país não é meu
Nem vosso ainda, poetas.
Mas ele será um dia
45 O país de todo homem.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião: 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. p. 130.
Walter Vasconcelos/Arquivo da editora
bardo: pessoa que compõe ou recita poemas épicos.
Alto Araguaia: município do estado de Mato Grosso. Inicialmente chamava-se Santa Rita do Araguaia, em homenagem à santa de devoção e ao rio Araguaia, que margeia a sede municipal e serve de marco divisório com o estado de Goiás, onde havia uma povoação com o mesmo nome. Em 1921, foi criado o município em meio a conflitos de garimpeiros. Em sua divisa foi fundada a cidade de Santa Rita do Araguaia, pertencente ao estado de Goiás. No Brasil colônia, essa região foi conquistada pelos bandeirantes, que desrespeitaram o Tratado de Tordesilhas, garantindo ao Brasil esse e outros territórios até então pertencentes à Espanha.
O autor
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), poeta, cronista e contista, natural de Itabira (MG). Trata-se de um dos grandes nomes da literatura brasileira produzida no século XX.
O poema "Cidade prevista" foi publicado no livro A rosa do povo, escrito por Carlos Drummond de Andrade entre os anos 1943 e 1945, época em que o Brasil estava sob o governo de Getúlio Vargas e as nações em geral enfrentavam a Segunda Guerra Mundial. Tratava-se de um momento sombrio, angustiante. Segundo estudiosos, o livro de Drummond, formado por 55 poemas, expressa implícita ou diretamente angústias e inquietações desse momento histórico.
D.A Press/Arquivo DP
A década de 1940
O fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) levou as nações europeias a firmarem tratados de paz que desagradaram algumas dessas
nações. As insatisfações e os conflitos gerados então provocaram a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Esta dividiu a maioria das nações
em duas grandes coalizões militares:
os Aliados, liderados por Estados
Unidos, Inglaterra, França e União Soviética; e o Eixo, composto por
Itália, Alemanha e Japão.
A guerra terminou com a vitória dos Aliados em 1945, alterando significativamente o alinhamento político e o jogo de forças mundial. Ganharam destaque duas potências: a União Soviética e os Estados Unidos, que se estabeleceram então como rivais poderosos.
Dava-se início à chamada Guerra Fria (1945-1991): por se sentirem ameaçadas pela possibilidade de um novo conflito de grandes proporções, as demais nações foram levadas a se aliar a uma dessas duas potências.
No Brasil, as inquietações
provocadas pelo conflito mundial refletiam-se nas dificuldades nacionais do período conhecido como Era
Vargas (1930-1945), em que o país
ficou sob o comando de um só governante, Getúlio Vargas, especialmente entre 1937 e 1945.
Em 1937, Vargas anunciou o fechamento do Congresso Nacional e impôs ao país nova Constituição, pois, segundo ele, estava em andamento um plano comunista de tomada de poder no país. O Golpe de Getúlio Vargas, organizado junto aos militares, teve o apoio de grande parcela da sociedade.
Em seguida, o então presidente impôs a censura aos meios de comunicação, reprimiu a atividade política, adotou medidas econômicas nacionalizantes e
deu continuidade a sua política trabalhista com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), entre outras medidas.
A literatura brasileira da época expressa a angústia desse período: estar no mundo, viver, é um sentimento percebido como inquietante.
1. Logo no início do poema de Drummond, o eu lírico, à semelhança de um orador, ergue-se e convoca poetas de Minas Gerais, bardos do Alto Araguaia e cantores tupis a compor uma epopeia.
a) Em sua opinião, o que impede o eu lírico de elaborar uma obra desse porte? Por que delega a outros tal missão?
b) Utilizando o repertório de informações desta unidade e realizando pesquisas em outras fontes, procure responder à seguinte pergunta: por que, entre os escolhidos pelo eu lírico, ele menciona poetas de Minas Gerais, do Alto Araguaia e cantores tupis?
c) Quais são os recursos linguísticos utilizados para convocar os poetas?
d) Como deverão ser os cantos que vão compor essa epopeia?
2. O título do poema nos remete ao futuro. Nesse caso, o eu lírico mais que um poeta se torna um profeta.
a) O eu lírico não fala do mundo atual, mas por oposição àquilo que é desejado por ele. Como podemos descrever esse lugar?
b) Que termos resumem o título e a descrição da “cidade prevista”? Copie-os no caderno.
▸ resistência
▸ tensão
▸ sonho
▸ reação
▸ idealização
c) Copie do poema versos que justificam a escolha feita anteriormente.
3. Releia estes versos:
“Cantai esse verso puro,
Que se ouvirá no Amazonas,
na choça do sertanejo,
no subúrbio carioca,
no mato, na vila X,
no colégio, na oficina,
no território de homens livres
que será nosso país
e será a pátria de todos.”
Copie no caderno o complemento adequado: esses versos enfatizam que a epopeia a ser escrita pelos poetas convocados:
a) cantará o povo brasileiro e não os poetas de Minas Gerais, do Alto Araguaia que a escreveram.
b) será reconhecida pelas pessoas de todas as origens e classes sociais, assim como por todos os lugares do Brasil.
c) servirá para mostrar as diferenças de classes e lugares que remetem às raízes do povo brasileiro.
d) será usada para mostrar o Brasil para os estrangeiros.
e) será ouvida e cantada neste país, mas apenas por aqueles que forem considerados cidadãos.
4. Copie no caderno a resposta adequada: o que sugerem os quatro versos finais do poema?
“Este país não é meu
Nem vosso ainda, poetas.
Mas ele será um dia
O país de todo homem.”
a) A nova identidade do povo brasileiro.
b) O egoísmo de alguns e a bondade de outros.
c) A superação do presente e a possibilidade de perfeição futura. X
d) O eu lírico não se reconhece neste país.
e) O interlocutor do eu lírico não participará do Brasil do futuro.
5. Releia os seguintes versos, em que o eu lírico convoca os cantores tupis para a tarefa de “alongamento” de seu sentimento:
“Guardei-me para a epopeia
que jamais escreverei.
Poetas de Minas Gerais
e bardos do Alto Araguaia,
vagos cantores tupis,
recolhei meu pobre acervo,
alongai meu sentimento.”
a) Nesse trecho, que sentimento em relação a sua escrita o eu lírico parece experimentar? Por quê?
b) O que ele orienta então outros a fazer?
6. O poema traduz uma sensação de estar no mundo e no Brasil na década de 1940 que parece desfavorável ao eu lírico e seus sonhos. Entretanto, a julgar pelas orientações entusiasmadas feitas pelo eu lírico, responda:
a) De acordo com a perspectiva do eu lírico, que espaço terão os povos indígenas nessa cidade futura?
b) O eu lírico parece acreditar que o que não é possível nesse momento poderá se tornar real um dia? Explique com base no poema.
Sobre indígenas e heróis
Nos estudos propostos neste capítulo, procuramos chamar sua atenção para o fato de que nossa literatura nos aponta alguns caminhos para compreender de que maneira os indígenas foram e são vistos pela sociedade miscigenada característica de nosso país.
Os textos aqui estudados mostram o ponto de vista de escritores distintos de uma mesma época (José de Alencar e Gonçalves Dias) em relação aos povos indígenas e sua condição na sociedade brasileira: se na realidade colonial eram aprisionados e escravizados, a literatura do século XIX elevou-os à categoria de primeiros heróis nacionais, mas calou-se a respeito das peculiaridades de cada povo, de cada cultura. Assim como os modelos europeus que seguiam, nossos escritores da época buscavam valorizar o passado nacional, mas também queriam, levando em conta o momento histórico, encontrar para a nação independente um passado do qual se orgulhar, reconstruindo para isso a imagem da memória nacional.
Por sua vez, nas primeiras décadas do século XX, a imagem do indígena ganhou aspectos de anti-herói na literatura de Mário de Andrade, entre outros, uma vez que se pretendia levar os brasileiros a refletir sobre o que deveria ser valorizado nestas terras, numa tentativa de não mais seguir padrões de outros países, ou seja, buscando a valorização do que é nacional de acordo com critérios coerentes com nossa história e nossas condições de vida. Para isso, os escritores envolvidos nesse projeto se valeram da ironia, chocaram a burguesia mais tradicional e propuseram, sobretudo, assumir nossos possíveis defeitos como qualidades.
No século XX, a literatura nos apresenta então a figura do indígena de outro modo, em uma reflexão sobre as origens do povo brasileiro, assumindo que este é um país de multiplicidade étnica e cultural, que nos marca de maneira digna, e propondo uma reflexão sobre a identidade nacional: qual é nosso caráter? O que se deve simplesmente aceitar e o que não é mais possível tolerar? O que não se pode ignorar?
Assim, a geração de Mário de Andrade procurou levar seu público a refletir sobre nossos costumes ou sobre aquilo que se imagina serem nossos costumes. Por exemplo, ao evidenciar a preguiça do personagem Macunaíma — essa mesma preguiça de que os indígenas eram acusados, no tempo do Brasil colônia, quando obrigados pelos portugueses a cumprir tarefas que não condiziam com seu modo de viver e que, muitas vezes, eram impostas com violência —, o escritor aponta para a necessidade de se reverem interpretações sobre o caráter nacional marcadas pelo preconceito e pelo viés da exploração. Por outro lado, se a preguiça em si é condenável, sobretudo num mundo em que se valoriza a mão de obra produtora, não se pode dizer que momentos de ócio não são fundamentais para o descanso e mesmo para a produção mais criativa, que pede certo distanciamento do mundo automatizado do trabalho mecânico.
Por sua vez, em seu poema, Carlos Drummond de Andrade nos apresenta um sonho de Brasil, uma expectativa de um futuro melhor, em que o indígena não é visto em seu exotismo nem como herói de um passado distante, mas como um dos participantes dignos da nação, um dos possíveis compositores de sua epopeia.
Ao estudar o texto de José de Alencar, pudemos perceber em Peri a imagem de um herói de força incrível e servil, que contrasta com a bravura mais cotidiana de outro indígena no trecho da narrativa de Daniel
Munduruku. Indígena de nosso tempo, Munduruku escreve sobre os costumes de seu povo, possibilitando aos brasileiros em geral conhecer um pouco dessa cultura pela voz de um de seus representantes. Pode-se notar, no episódio do barco e da Mãe-d’água, que o mistério das lendas é questionado pelo garoto da cidade, mas que esse mistério ajuda os Munduruku, que convivem com a natureza de maneira muito mais íntima, a compreender seu mundo e a lidar com essa natureza que os envolve e da qual eles dependem.
Essa narrativa, escrita e publicada por Daniel Munduruku, tem origem oral. As lendas e os mitos das culturas indígenas têm raízes na oralidade, no contar histórias no fim do dia, na vida em grupo em que se compartilham experiências, alegrias, medos e mistérios. E quem não dedica um tempo para contar um episódio de seu dia?
A literatura escrita torna-se, em alguma medida, o lugar para o registro da memória dessa ancestralidade oral. O texto literário revela o olhar de um povo sobre si, de um povo sobre o outro, ou de um tempo sobre outro, captando as formas de apreensão da realidade possíveis para uma época e para determinada sociedade.
Daí os diferentes modos de olhar e de compreender os indígenas ao longo do tempo: Alencar e Gonçalves Dias, que buscam construir, por meio da figura de um indígena heroico, um digno passado para a nação independente; e o contraponto na frustração do eu lírico de Drummond, que se vê impossibilitado de escrever a epopeia que imaginava poder compor numa época privada de idealizações.
Uma epopeia é criada para ressaltar os feitos de uma nação, tendo como centro a figura de um herói nacional. E qual seria a verdadeira aventura do brasileiro de hoje? Que feitos valorizar de nosso passado e como? Qual o papel dos povos fundadores e de outros que, ao longo do tempo, construíram sua vida aqui, integraram-se e foram enriquecendo nossa identidade e nossa cultura? Não procuramos uma resposta, e sim lançamos a você, estudante, essa pergunta, sobre a qual pode refletir, quem sabe, em seu momento de ócio.
D.A Press/CB/Zuleika de Souza
O carnavalesco Joãosinho Trinta (1933-2011) ladeado pelo tenor Maurizio Graziani e a soprano Anita Selvaggio, todos envolvidos na montagem da ópera O Guarani, de Antônio Carlos Gomes, inspirada no romance homônimo de José de Alencar. Brasília, 1996.
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Reúna-se com alguns colegas e conversem sobre a origem de vocês e de sua região:
a) De onde são seus pais e avós? Que costumes familiares são influenciados por essa ascendência ou por antepassados de vocês?
b) A região em que vivem tem a predominância de alguma etnia que influencia os hábitos e a cultura dos que vivem nessa região? Em caso positivo, quais?
Para ler outras linguagens
Pintura
Observe as imagens abaixo procurando identificar a relação entre as reflexões desenvolvidas ao longo
do capítulo.
Adriana Varejão/Galeria Fortes Vilaça, são paulo
Adriana Varejão. Autorretrato indígena II a partir de Codina, 2012. Óleo sobre tela. Dimensões: 68 cm × 60 cm.
Fundação Biblioteca Nacional, rio de janeiro
Índia Jurupixuna, retrato do século XVIII (artista não identificado).
Adriana Varejão (1964-), artista plástica, nasceu no Rio de Janeiro. Sua obra tem como base o período colonial brasileiro. Adriana Varejão é atualmente uma das figuras mais importantes da arte contemporânea. Participou de mais de 70 exposições em diversos países e, em 2008, ganhou um pavilhão dedicado à sua obra no Centro Inhotim de Arte Contemporânea, em Brumadinho (MG).
a) Descreva brevemente a imagem 1.
b) A imagem 2 é releitura da 1? Identifique os elementos que justificam sua resposta.
c) Em 2014, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, foi organizada uma exposição intitulada “Histórias Mestiças”. A ideia era difundir o tema da mestiçagem no Brasil, muitas vezes, segundo os organizadores da mostra, restrito à academia. Na capa da antologia de textos publicada por ocasião dessa exposição foi colocado o Autorretrato Indígena, de Adriana Varejão. Em sua opinião, por que esse autorretrato é representativo do tema da mestiçagem no Brasil?
d) A imagem da índia Jurupixuna está em consonância com as imagens de índios representadas nos textos 1 e 2 deste capítulo? Comente.
E por falar em...
Heróis
1. Leia os textos transcritos nesta seção e responda, no caderno, às questões propostas na sequência.
Texto 1
http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/giro-sustentavel/trabalhos-do-heroi-do-cotidiano
Trabalhos do herói do cotidiano
Lala Deheinzelin
Agência de Noticias Gazeta do Povo/Andre Rodrigues
Somos heróis do cotidiano, mas geralmente achamos que os outros é que são felizes e especiais. Tendemos a achar que nosso universo, vida e trabalho são coisa pouca, não têm valor ou graça.
Pois é o contrário. Herói não é aquela criatura inventada que está nas revistas ou no cinema, mas somos nós, criaturas de verdade, que a cada hora do dia construímos nossa vida aprendendo a lidar com graus cada vez maiores de complexidade.
Em cada momento, no trabalho ou em casa, estamos lidando com tarefas difíceis e que nos aprimoram dia a dia. [...]
Centro de Curitiba (PR), em foto de 2014.
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