A presença fenícia na Península entrou numa fase regressiva
durante o século VII a.C, acelerada com a queda de Tiro. Conhe-
ceu o epílogo na centúria imediata.
II. Gregos — Aos Fenícios, sucederam-se os Gregos focenses,
assim chamados por terem como metrópole a cidade jónica de
Foceia, na Ásia Menor. Os seus primeiros contactos com a Penín-
sula recuam ao século vil a.C. Também vieram movidos por objec-
tivos comerciais. Criaram algumas colónias na Andaluzia oriental e
expandiram-se, depois, para o Norte, ao longo da costa, com a
ocupação das Ilhas Baleares e a fundação de Marselha.
Quando os Persas conquistaram Foceia, em meados do século
VI a.C, Marselha passou a constituir o centro de onde irradiou
toda a colonização dos gregos focenses no Mediterrâneo.
III. Cartagineses — Entretanto, Cartago, antiga colónia fenícia,
tornou-se uma das mais fortes e ricas cidades da época, que procu-
rava disputar aos Focenses a supremacia política e económica no
71
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
Mediterrâneo ocidental. Esforço desenvolvido pela luta armada e
através da fundação de colónias.
As relações comerciais dos Cartagineses com a Península
vinham de longe. Já no século VI a.C. se estabeleceram em Ibiza.
Todavia, a sua presença aumentou após a destruição de Tiro, visto
que, dando-se como continuadores dos Fenícios, se mostraram inte-
ressados em manter o domínio sobre as colónias que estes tinham
fundado na Hispânia. Depois de uma grande vitória naval sobre os
Focenses, ocuparam a Sardenha e, seguidamente, começaram a
deslocar-se para o Sul da Península. A cidade de Cartagena (Nova
Cartago) foi o seu pólo de irradiação.
Deve salientar-se uma diferença relativamente às colonizações
anteriores da Península. E que os Fenícios e os Gregos sempre se
centraram na costa mediterrânica. A mesma característica teve, de
início, a ocupação dos Cartagineses. Mas, a breve trecho,
transformou-se em verdadeira conquista territorial e penetração
nas zonas interiores, envolvendo lutas com os povos indígenas e as
colónias gregas.
Sabe-se que a II Guerra Púnica interrompeu o domínio carta-
ginês. A Península Hispânica passou então a fazer parte do mundo
romano.
10. Organização política e social
10.1. Organização política
a) Os Estados peninsulares. Regimes políticos
Chama-se a atenção para o facto, inicialmente salientado, de
que a Península estava longe de constituir uma unidade política.
Existiam na primitiva Hispânia múltiplos Estados, inclusive dentro
do mesmo grupo étnico, com dimensões mais ou menos reduzidas.
Além disso, neles se adoptaram modelos diversos de organização
interna, em que se reflectiam o grau de evolução política e algumas
possíveis influências dos povos colonizadores.
72
PERÍODO PRIMITIVO
Discute-se, à partida, sobre se a unidade estadual seria consti-
tuída pela tribo ou pela cidade. De acordo com a opinião que se
afigura preferível, não houve um modelo uniforme: o Estado-tribo,
quer dizer, de natureza territorial, terá prevalecido entre os Celtas,
os Celtiberos e, de um modo geral, nas regiões ocidentais, ao passo
que no Sul predominaria o Estado-cidade, correspondente à "polis"
típica da Antiguidade mediterrânica. Atendendo ao conjunto da
Península, parece de concluir que a maioria dos Estados primitivos
assentava na tribo.
Essas unidades políticas eram integradas por clãs ou gentilida-
des e por grupos locais ou povoados, que se mantinham, uns relati-
vamente aos outros, como círculos fechados, em princípio, e
gozando de considerável autonomia. Os povoados radicavam na
comunidade de vida local, enquanto os clãs se baseavam num vín-
culo familiar. Estes últimos, como as "gentes" da antiga organiza-
ção social romana, consistiam em conjuntos de famílias descenden-
tes de um mesmo tronco, identificadas no culto religioso e na che-
fia política, e que tinham o seu direito próprio. A indicada auto-
nomia dos clãs e dos povoados, dentro das unidades políticas em
que se incluíam, afectava, evidentemente, a coesão estadual.
O carácter fechado desses grupos apresentava atenuações.
Uma delas resultava dos acordos de clientela, pelos quais se podia
estender a protecção visada a membros de comunidades diversas.
Paralelamente, praticaram-se acordos de hospitalidade, que diferiam
pelo facto de serem convencionados num plano igualitário e não
envolverem o vínculo de subordinação característico da clientela.
Tais acordos tinham, por vezes, natureza colectiva, isto é,
estabeleciam-se entre clãs ou povoados (').
Refira-se, ainda, que o número de Estados, na acepção acima
indicada, variava de povo para povo. Os autores latinos informam
(') Sobre os vários aspectos referidos, ver, por todos, Valdeavellano,
Curso, cit., págs. 115 e segs.
73
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
que os Lusitanos, por exemplo, se encontravam divididos em trinta
tribos, o que equivalia a outros tantos Estados independentes.
No que toca aos regimes políticos, infere-se que predomina-
vam as monarquias, hereditárias ou vitalícias. Quando se adoptava
o sistema republicano, este assumia uma feição aristocrática, pois a
eleição dos magistrados ou chefes políticos temporários e o exercí-
cio dos respectivos cargos estavam reservados a certos privilegia-
dos, como sejam os representantes dos grupos sociais.
Aventa-se que tenha desempenhado papel importante uma
assembleia de tipo "aristocrático. Ao lado desta, existiria uma
assembleia popular, de que faziam parte todos os homens livres da
comunidade. Também aqui se mostra muito inadequada qualquer
generalização.
b) Confederações e subordinações de Estados
Resulta do exposto que, em rigor, não se poderá falar, a res-
peito desta época, de um verdadeiro Estado no sentido moderno.
Ao. invés, a realidade era antes a da coexistência básica de numero-
sos grupos mais ou menos isolados e autónomos, tanto economica-
mente, como sob os aspectos políticos e ético-jurídicos.
Neste contexto, o elemento aglutinador revelava-se, sobre-
tudo, externo, não só ao nível das comunidades estaduais, mas
ainda das supra-estaduais. Recorde-se a frequente confederação de
tribos ou de cidades, sempre que algum invasor estrangeiro punha
em risco a sua segurança. Tinham, portanto, carácter transitório e
objectivos político-militares. As tribos lusitanas, por exemplo, ape-
sar da independência de umas em relação às outras e das lutas que,
não raro, travavam entre si, recorreram a esse sistema. Ficaram
célebres as confederações levadas a efeito no tempo de Viriato e de
Sertório.
Havia, também, situações de domínio e anexação de Estados.
E o caso frisante do Império Tartéssio, formado pela subordinação
de vários Estados à cidade-metrópole de Tartessos.
74
PERÍODO PRIMITIVO
10.2. Classes sociais
Analisamos mais um aspecto em que escasseiam informações.
Conjectura-se, todavia, que os povos da Hispânia pré-romana tive-
ram a estrutura social peculiar do mundo antigo. Basicamente,
distinguiram-se os homens livres dos servos ou escravos. Os primeiros
tinham personalidade jurídica, enquanto os segundos eram conside-
rados coisas e, assim, objectos de direitos.
Entre os homens livres havia uma classe privilegiada, uma espé-
cie de nobreza, que os autores latinos designam como "nobilies",
"príncipes", "primores" e "maximi natu". Dela faziam parte as
pessoas mais poderosas, embora se discuta se a diferenciação resul-
tava da linhagem, da riqueza, da força militar ou, inclusive, do
desempenho de cargos públicos.
Em posição inferior estava a maioria da população livre. A condi-
ção social e económica desta classe variava, naturalmente, de caso
para caso. Os Lusitanos concediam um tratamento especial aos
anciãos, que, portanto, representavam também uma classe privile-
giada, dentro dos plebeus ou homens do povo.
As dificuldades de vida, designadamente económicas, levavam
muitos homens livres a acolherem-se ao amparo dos poderosos,
através de uma relação de clientela. Consistia num vínculo em que o
patrono dispensava protecção económica e pessoal ao cliente, que,
por seu turno, se obrigava a absoluta fidelidade e submissão ao
patrono. Os clientes constituíam, deste modo, uma classe caracteri-
zada pela forte limitação da liberdade pessoal resultante da referida
dependência.
Forma específica de clientela, originária da Hispânia primi-
tiva, era a devotio, que os Iberos praticaram com frequência.
Tratava-se de uma variante da clientela militar, tipificada pela
intervenção de um elemento religioso. O cliente, que tomava o
nome de "devotus" ou "soldurius", além de ficar adstrito a seguir
o patrono na guerra, consagrava a sua vida a uma divindade para
que esta a aceitasse em troca da vida do patrono. Se o patrono
morria no combate, o soldúrio deveria suicidar-se, porque isso sig-
75
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
nificava que a divindade não aceitara o sacrifício e que, consequen-
temente, a sua vida se tornou ilícita (i).
O último estrato social compreendia os servos ou escravos.
Tem-se sustentado a existência de servos pertencentes a particula-
res c de servos públicos, cuja propriedade cabia a comunidades
políticas.
11. Direito peninsular pré-románo
Chegamos ao ponto fundamental da nossa exposição sobre
este período. Verifica-se, porém, a falta já assinalada de elementos
que permitam a reconstituição histórica.
Na sequência do que se observou, deve chamar-se a atenção
para o íacto de não ter existido um direito único, que vigorasse
uniformemente em todo o território, mas sim múltiplos ordena-
mentos jurídicos. Deste modo, quando se utilizam as expressões
"direito dos povos indígenas" ou "direito primitivo", intenta-se
com elas abranger o conjunto dos sistemas jurídicos que regeram os
primitivos povos peninsulares, em contraposição aos dos coloniza-
dores.
E manifesto, por outro lado, que, ao aludir-se a "direito
peninsular pré-romano", não se pretende significar que se trate de
sistemas jurídicos que desapareceram com o advento dos Romanos.
Os direitos primitivos prolongaram a sua vigência para além desse
facto histórico. Apreciaremos a medida em que o direito romano
foi abarcando, pouco a pouco, a população peninsular. De resto,
admite-se comummente a persistência, durante séculos, de institui-
ções e princípios de raiz pré-romana, até reforçados, porventura,
na época medieval.
(') A respeito da "devotio", ver o estudo clássico de J. M. Ramos y Los-
certales, La "devotio" ibérica. Los Soldurios, in "An. de Hist. dei Der. Esp.", cit.,
tomo I, págs. 7 e segs.
76
PERÍODO PRIMITIVO
11.1. Direito dos povos autóctones
Vejamos o que se mostra possível admitir com alguma segu-
rança quanto ao direito dos povos indígenas. Consideram-se, em
separado, o problema das fontes de direito, designadamente o dos
modos de formação e revelação das normas jurídicas, e o problema
do conteúdo destas, ou seja, das instituições. Constituem, como
sabemos, os aspectos externo e interno do direito.
a) Fontes de direito
Não oferece dúvida que o direito primitivo teve exclusiva ou
predominante natureza consuetudinária na generalidade do territó-
rio peninsular. A grande maioria dos povos autóctones conheceu
como fonte de direito apenas o costume: as normas jurídicas surgi-
ram pela prática reiterada das mesmas condutas, perante os vários
problemas e situações sociais, acompanhada da convicção ou cons-
ciência da sua obrigatoriedade.
O monopólio do costume ter-se-ia atenuado, em certos povos,
mercê dos pactos de hospitalidade celebrados pelos diversos grupos
sociais que os integravam. Nesses acordos, uma comunidade conce-
dia equiparação de direitos a todos ou a parte dos membros de
outra e, algumas vezes, estabeleciam-se ainda normas para as rela-
ções jurídicas entre os grupos que os firmavam. Mais tarde, tam-
bém se convencionaram pactos de aliança ou amizade com os
Romanos.
Uma excepção que se aponta, alicerçada em indícios e refe-
rências de autores antigos, encontrar-se-ia no Sul e no Levante da
Península. Nessas zonas, social e culturalmente mais adiantadas,
existiriam autênticas leis, que não chegaram até nós. Reíere-se,
sobretudo, o caso dos Turdetanos, a respeito dos quais há testemu-
nho de que o seu ordenamento se compunha, não só de preceitos
consuetudinários, mas também de normas resultantes de actos
legislativos.
77
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
Assim depõe Estrabão, ao asseverar que esse povo possuiu leis
escritas em verso, com seis mil anos de antiguidade ('). Não se
conhecem tais leis e os autores divergem quanto ao seu conteúdo.
A redacção versificada de preceitos jurídicos era frequente nos
povos antigos e destinava-se a facilitar a sua memorização ( ).
Também não pode esquece r-se que as regiões meridionais e orien-
tais da Península sofreram grande influência dos colonizadores
estrangeiros, que, ao menos nas suas comunidades de origem, se
regiam por leis.
Continuamos, todavia, no plano impreciso da dedução histó-
rica. Daí que a opinião mais divulgada propenda para considerar
que não se trataria de leis no sentido rigoroso da palavra, mas de
preceitos consuetudinários, transmitidos por via oral durante várias
gerações, que algum monarca mandou reduzir a escrito a fim de
lhes dar maior fixidez e publicidade, com eventual acrescento de
um ou outro preceito novo.
Além disso, não se exclui que houvesse disposições emanadas
dos órgãos políticos estaduais. Essas disposições, se de facto existi-
ram, devem ter assumido mais a natureza de simples ordens execu-
tivas do que a de verdadeiras leis.
Concluímos, em síntese, que o direito dos povos peninsulares
autóctones foi indubitavelmente de base consuetudinária. Saliente-
-se que, não havendo uma separação nítida entre o jurídico e o
ético-religioso, parece de admitir que a mitologia constituísse o
veículo de transmissão e de sedimentação do costume, como suce-
deu na generalidade dos povos arcaicos.
( ) A difícil leitura do texto do famoso geógrafo grego, que se encontra
incompleto, permite também a interpretação alternativa de que se faz referência
a leis contidas em seis mil versos (ver, por ex., García-Gallo, Los documentos y
los formulários jurídicos, cit., in "Estúdios de Historia dei Derecho Privado", pág.
347, nota 6).
(2) Cfr., entre outros, Eduardo de Hinojosa, Poesia y Derecho, in "Obras",
tomo III — "Estúdios de Sintesis", Madrid, 1974, págs. 435 e segs., e Mircea
Eliade, Histoire des croyances et des idées religieuses, vol. II — De Gautama Bouddha au
triomphe du christianisme, Paris, 1984, pág. 139.
78
PERÍODO PRIMITIVO
Porém, torna-se difícil não aceitar a existência de casos em
que, sobre o lastro consuetudinário, ocorressem manifestações de
tipo legislativo. Mas estas devem sempre considerar-se localizadas e
raras.
b) Instituições jurídicas
Idênticas ou ainda maiores incertezas se encontram na recons-
tituição das instituições jurídicas da Hispânia primitiva. A falta de
fontes históricas imediatas, junta-se a escassez das fontes mediatas
ou indirectas.
Vários investigadores têm lançado mão de dois métodos para
suprir essa ausência de elementos: o comparativo e o das sobrevi-
vências. Ambos conduzem, todavia, às dificuldades próprias da
dedução em história.
O método comparativo serve a reconstituição das instituições de
uma determinada comunidade primitiva a partir de dados conheci-
dos de outra que apresenta desenvolvimento análogo, mercê das
identidades étnicas, das condições de vida ou das circunstâncias cul-
turais, sociais e económicas. A comunidade tomada como ponto de
referência não tem de ser coetânea da que constitui objecto de
estudo.
Com apoio neste processo, muito utilizado na investigação
antropológica, diversos autores têm chegado a alguns resultados
acerca do direito pré-romano da Península, derivando-os, por
exemplo, das instituições dos Celtas estabelecidos em França e na
Irlanda ou dos Iberos acantonados no Norte de Africa. Mas essas
conclusões apenas se poderão aceitar em termos aproximativos e
prudentes, pois a analogia entre as sociedades comparadas nunca se
apresenta absoluta.
O método das sobrevivências consiste em procurar o conheci-
mento de uma certa época através da pesquisa dos vestígios que
dela se encontram nas épocas posteriores. Tem sido aplicado ao
estudo do direito dos primitivos povos peninsulares, a partir do
sistema jurídico da Reconquista, do modo seguinte: uma vez detec-
79
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
tada a origem romana, germânica, árabe, canónica, etc, das várias
instituições desse ciclo, fica um resto, um resíduo, para que não se
encontra precedente. Logo, tal resíduo constituirá uma sobrevivên-
cia das instituições pré-romanas.
E também manifesta a precariedade desta metodologia.
Exclui-se, por um lado, que estudos ulteriores possam definir a
génese exacta de algumas dessas figuras jurídicas residuais e, por
outro lado, que a Reconquista teve instituições surgidas em virtude
do seu condicionalismo próprio e sem qualquer ligação atávica ao
período primitivo.
As considerações precedentes demonstram que importará
encarar com reserva os resultados conseguidos quanto à pormenori-
zação das instituições jurídicas dos povos peninsulares anteriores aos
Romanos. A indiscutível falta de unidade, para mais, inviabiliza as
generalizações.
Poderá aceitar-se que a organização íamiliar predominante
haja sido de tipo monogâmico e patriarcal. Contudo, tem-se aven-
tado a existência, entre os Cantábricos e, porventura, também nou-
tros povos do Norte da Península, de instituições que denunciam um
sistema de matriarcado, quer dizer, de predomínio familiar e social
da mulher ou, pelo menos, de transição para o sistema patriarcal
mais corrente. Assim: o dote que o marido entregava à esposa; e a
transmissão da herança paterna às filhas, que ficavam obrigadas a
proporcionar aos irmãos varões o necessário para estes dotarem as
suas esposas quando se casassem.
Não falta quem sustente a importância atribuída aos esponsais
no casamento e que a lei do ósculo (') recua ao direito pré-romano,
do mesmo modo que a comunhão geral de bens entre cônjuges (2).
Outros pretendem que os Vaceus, povo celtibérico, ou aproximado,
que habitava o centro da Península, adoptaram um regime de pro-
(') Segundo essa instituição, o beijo dado à noiva exprimia o propósito de
tomá-la como esposa.
(2) Ver as considerações dubitativas de Paulo Merêa, Evolução dos regimes
matrimoniais, vol. I, Coimbra, 1913, págs. 10 e segs.
80
PERÍODO PRIMITIVO
priedade agrária de tipo colectivista. Também se encontra a afir-
mação de que os Tartéssios consagravam o princípio que proibia o
testemunho do mais jovem contra o mais idoso.
Relativamente ao direito penal, não oferece dúvida a rudeza
das sanções. A título exemplificativo, assinale-se que Estrabão
aponta que, entre os povos do Ocidente peninsular, os condenados
à morte eram "lançados do alto dos rochedos" e os parricidas
"apedrejados diante das fronteiras". Justifica-se a conjectura de que
a violência das penas, correspondente à barbaridade dos costumes e
à dureza do homem primitivo, encontrava legitimação, como no
geral das sociedades arcaicas, nos planos mitológico e religioso,
domínios onde se exaltavam a guerra e a vingança.
Em plena época da Reconquista, aparece difundida uma forma
de punição de certos delitos que se designa por "entrar às varas".
Ora, não se exclui que esta modalidade de castigo ou composição
corporal represente a sobrevivência de uma instituição peninsular
pré-romana(1).
A breve resenha feita bastará para corroborar o que de início
se afirmou: não obstante as tentativas realizadas pelos investigado-
res, existe um conhecimento muito incompleto e precário das insti-
tuições jurídicas dos povos peninsulares autóctones.
11.2. Direito dos povos colonizadores
Encontram-se iguais dificuldades para a reconstituição do
direito dos povos colonizadores. Sabe-se que tanto os Fenícios como
os Gregos estabeleceram na Península colónias importantes e que os
Cartagineses levaram a ocupação até às regiões interiores. Porém,
tudo se ignora ao certo sobre o direito por eles aqui adoptado.
(') Ver Paulo Merêa, Composição corporal, in "Estudos de Direito Hispâ-
nico Medieval", tomo II, Coimbra, 1953, págs. 195 e segs., designadamente pág.
205.
Hl
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
Admite-se que haja sido idêntico ao das metrópoles do Medi-
terrâneo oriental, onde esses povos tinham os seus centros de irra-
diação. Portanto, no capítulo das fontes, existiria, ao lado do cos-
tume, uma forte componente legislativa, inclusive de leis locais.
A dominação cartaginesa dos territórios peninsulares deve ter
ocasionado uma dualidade jurídica. Os conquistadores e a organiza-
ção pública, ao menos de cúpula, disciplinar-se-iam pelo direito
cartaginês, enquanto se consentiria aos povos submetidos que conti-
nuassem a observar os seus preceitos tradicionais que não contra-
riassem aquele.
Verificaram-se naturais influências. E crível que algumas insti-
tuições jurídicas dos povos colonizadores se transmitissem ao direito
dos povos peninsulares. Mas quanto se afirma não passa de simples
conjectura. Por exemplo, assim sucede a respeito da enfiteuse, uma
instituição de origem grega e também conhecida dos Romanos.
Todavia, não se pode demonstrar que os aforamentos ou empraza-
mentos, que assumiram grande importância entre os contratos de
exploração agrícola do direito peninsular, desde a Reconquista,
tenham esse antecedente primitivo, originado pelos colonizadores
gregos (').
(') Ver Gama Barros, Hist. da Adm. Púbi, cit., 2.a ed., tomo VII, págs. 69 e
segs., A. Vaz Serra, A Enfiteuse no Direito Romano, Peninsular e Português, vol. II,
Coimbra, 1926, págs. 124 e segs., e M. J. Almeida Costa, Origem da Enfiteuse no
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