indispensáveis para o rigoroso conhecimento histórico do direito e
da sociedade que o pratica (2).
19.1. Fontes de direito
a) Carácter exclusivamente consuetudinário do primitivo direito germânico.
Redução desse direito a escrito após as grandes invasões
Quanto ao seu modo de formação e revelação, basta esclare-
cer que, até ao século V, o direito germânico foi apenas consuetu-
(') Ver, infra, págs. 203 e segs.
(2) As fontes normativas dos Estados germânicos, assim como os docu-
108
PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO
dinário; e, daí em diante, continuou também a sê-lo predominan-
temente. As compilações organizadas a partir dessa época não dei-
xam de apresentar um acentuado carácter consuetudinário: repro-
duzem, via de regra, antigos preceitos jurídicos costumeiros, a que
poucas disposições inovadoras se acrescentam.
É entre os séculos V e IX que o direito dos Estados germâni-
cos começa a integrar-se em monumentos escritos, de conteúdo,
extensão e importância muito desiguais. Este movimento codifi-
cador constitui, sem dúvida, um reflexo do contacto estabelecido
pelos Germanos com a civilização romana e cristã.
Conserva-se, do referido período, um número apreciável de
textos que contêm normas jurídicas dos Estados germânicos. Podem
classificar-se em três categorias: leis populares ou leis dos bárbaros
("leges barbarorum"), leis romanas dos bárbaros ("leges romanae bar-
barorum") e capitulares. Analisaremos brevemente cada uma de tais
modalidades de fontes (!).
b) Leis dos bárbaros ou leis populares
O nome de leis ("leges") dado a estas codificações é inexacto e
pode levar a equívocos. A terminologia encontra-se consagrada.
Observemos, contudo, que não constituem autênticas leis, no sen-
tido técnico-jurídico romano e também moderno, quer dizer,
diplomas destinados a criar preceitos novos e produto de um órgão
dotado de especial competência para o efeito.
Quando se atribui às colectâneas germânicas a denominação
de "leges", ou as equivalentes de "Ewa' e "Edicta", apenas se
mentos da prática jurídica respectiva, podem cônsultar-se, basicamente, nos
vários tomos dos "Monumenta Germaniae Histórica", editados na Alemanha,
desde 1902, em que Karl Zeumer teve um papel significativo.
(') São valiosas as considerações de Giulio Vismara, in Scritti di Storia Giu-
ridica, vol. 1 —Fonti dei diritto nei regni germanici, Milano, 1987.
109
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
pretende significar que elas representam um conjunto de normas
reduzidas a escrito. Já salientámos que essas normas são, fundamen-
talmente, preceitos jurídicos consuetudinários, com uma existência
de séculos, que se compilaram para não continuarem sujeitos às
naturais deformações da sua transmissão oral de geração em
geração.
Incluem-se, por vezes, alguns dispositivos inovadores. Nestes
se faz sentir, em maior ou menor grau, a influência do direito
romano.
Comummente, designam-se as "leges barbarorum" por leis
populares e, em paralelo, as normas jurídicas aí contidas por direito
popular ("VolksrecHt" ou "Stammesrecht"). A nomenclatura tem
certa justificação, visto que o povo, além de constituir a genuína
fonte das regras consuetudinárias nelas condensadas, teve sempre
uma participação directa ou indirecta na organização dessas
codificações.
De facto, algumas "leges barbarorum" foram redigidas com a
colaboração activa das assembleias populares — que, de resto, nas
originárias concepções germânicas, não assumiam propriamente a
função de criar direito, mas a de definir, em face de problemas
determinados, qual a solução mais adequada, segundo o costume ou
a consciência do povo. Quando essas colectâneas resultaram de ini-
ciativa régia, houve, pelo menos, a aprovação da assembleia popu-
lar. Além de que nenhuma das suas disposições podia ser alterada
sem consentimento deste órgão.
A extensão e o conteúdo das "leges barbarorum" apresenta-
vam-se bastante variáveis. Disciplinavam, principalmente, o direito
e o processo criminal, a ponto de constituírem, não raro, verdadei-
ras tabelas de crimes e das composições pecuniárias que lhes cor-
respondiam ("compositio", "Wergeld") ('). Isso se verifica, por
( ) Os autores têm dedicado particular atenção ao direito penal dos povos
germânicos. Assinalam-se, na sua linha evolutiva, três ciclos essenciais: um pri-
meiro, em que prevalecia a perda da paz ("Friedlosigkeit"); um segundo, onde
predominavam as sanções pecuniárias de natureza privada ("Busssystem"); e um
110
PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO
exemplo, com a arcaica Lei Sálica e a Lei Ripuária que a segue de
perto. Diversamente, as leis dos Visigodos e dos Burgúndios
referem-se, sobretudo, ao direito civil e ao processo. Quanto ao seu
aspecto formal, as leis bárbaras encontram-se com frequência ela-
boradas sem qualquer espécie de ordem ou método e redigidas no
latim corrente da época.
Uma particularidade importante convém ter presente para a
interpretação e compreensão das disposições destas leis populares.
A de que todas elas foram elaboradas depois da conversão dos res-
pectivos povos ao Cristianismo.
Estabelecem-se vários grupos de "leges barbarorum", con-
soante as afinidades que entre si manifestam ou a identidade étnica
dos povos a que dizem respeito. Os mais importantes desses grupos
são o franco, o suevo, o gótico, o saxónico e o lombardo ( ).
c) Leis romanas dos bárbaros
Pertencem à categoria das "leges romanae barbarorum" as
colectâneas de textos de direito romano ("iura" e "leges") organi-
zadas nos Estados germânicos com finalidades diversas. Também
interessa fazer aqui uma advertência, pois não estamos diante de
colectâneas apenas dirigidas à população germânica, como o nome,
de certo modo, inculca.
terceiro, correspondente à publicização do direito penal, isto é, ao acréscimo das
penas públicas, não só das penas corporais e de morte, mas também das penas
pecuniárias públicas (ver, por ex., W. E. Wilda, Das Strafrecht der Germanen,
Halle, 1842, págs. 264 e segs., e 480 e segs.). Ora, as "leges barbarorum" situam-
-se na passagem da segunda para a terceira das fases indicadas (ver R. V. HlPPEL,
Deutsches Strafrecht, vol. I, Berlin, 1925, págs. 409 e 467, e P. Del Giudice, Diritto
penale germânico rispetto alVltalia, in Enrico Pessina, "Enciclopédia dei Diritto Penale
Italiano", vol. I, Milano, 1905, pág. 448). Para uma perspectiva de conjunto do
sentido da punição penal nesta época, ver, entre nós, António Manuel de
Almeida Costa, O Registo Criminal—História. Direito Comparado. Análise politico-
-criminal do instituto, Coimbra, 1985, págs. 14 e segs., e 50 e segs.
(') Ver as exposições desenvolvidas de Manuel Torres, Lecciones, cit.,
vol. II, págs. 58 e segs., e Braga da Cruz, Hist. do Dir. Port., cit., págs. 136 e
segs.
111
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
Na verdade, ao aludir-se a leis romanas dos bárbaros, não se pre-
tende tomar partido antecipado sobre o âmbito de aplicação de tais
codificações de direito romano. E um problema discutido em face
de cada uma das fontes deste tipo.
Existem grandes discrepâncias sobre o tema. Atendendo ao
conjunto das opiniões dos investigadores, nem todas sustentadas
com igual fundamento, pode-se conjecturar que: umas se destina-
ram tanto à população romana como à germânica; outras foram
privativas da população romana; ainda outras tiveram natureza sub-
sidiária ou didascálica. Neste último grupo parece incluir-se a "Lex
Romana Visigothorum" ou Breviário de Alarico(').
d) Capitulares
As capitulares eram normas jurídicas avulsas promulgadas pelos
reis germânicos. O seu nome deriva da divisão em capítulos.
Destacam-se as dos monarcas francos. Ao contrário das "leges bar-
barorum", constituíam autênticos diplomas legislativos.
Quanto ao conteúdo, deve salientar-se que as capitulares ver-
savam predominantemente direito público. Não raro se ocupavam,
inclusive, de assuntos eclesiásticos.
19.2. Documentos de aplicação do direito.
Os formulários e os textos de actos jurídicos
Encerra-se o estudo da presente matéria com uma referência
aos documentos de aplicação do direito que ficaram dessa época.
Bem sabemos que tais documentos, quer dizer, os formulários e os
textos que contêm actos jurídicos, possuem enorme significado para a
reconstituição do direito vivido. Completam as fontes normati-
vas ( ). Além de que, dado o carácter lacónico ou rudimentar des-
(') Ver, infra, págs. 129 e seg., e 136 e segs.
(2) Consultar Giulio Vismaka, Scritti di Storia Giundica, cit., vol. 2 — Im vita
dei diritto negli atti privati medievali, Milano, 1987.
112
PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO
tas, a praxe documental representa um meio valioso do conheci-
mento de certas instituições jurídicas dos Estados germânicos.
Os formulários, como o nome indica, são colectâneas de fór-
mulas destinadas à celebração de contratos e outros actos jurídicos.
Chegaram até nós, da época germânica, cerca de vinte formulários,
via de regra, sem indicação de autor. O que mais interessa à histó-
ria do direito peninsular é conhecido pela denominação de Fórmulas
Visigóticas, adiante objecto, de especial atenção(l). Dos restantes,
sobressaem as Fórmulas Andecavenses e as Fórmulas de Marculfo, que
pertenceram à monarquia franca.
Todos estes formulários patenteiam uma grande influência do
direito romano vulgar, pois os Germanos não tinham tradições
tabeliónicas. Adoptaram, por isso, o sistema documental romano.
A respeito dos documentos de actos jurídicos concretos (diplo-
mas e cartas) (2), ou seja, que efectivamente tiveram lugar, observa-
-se que existem muito poucos relativos à Península. A invasão
muçulmana provocou a sua destruição, apenas subsistindo escassos
documentos do período visigótico, cuja fidedignidade de alguns,
aliás, se discute (3). Quanto à época da Reconquista, os que se con-
servam do século VIII são também poucos. Só desde o século IX a
documentação conhecida aumenta progressivamente (4).
Não sucede o mesmo com os outros Estados bárbaros. Da
monarquia franca, designadamente, existe vasta documentação a
partir do século VI.
(') Ver, infra, págs. 144 e seg.
(2) Com frequência, designam-se por diplomas os documentos que contêm
determinados actos solenes emanados do soberano ou de outra entidade pública e
por cartas os documentos que atestam actos de conteúdo diverso, como doações,
vendas, contratos agrários. Mas também, não raro, se alude a diplomas ou a cartas,
num sentido amplo, quer dizer, abrangendo as duas referidas espécies de docu-
mentos de actos jurídicos. Então, distingue-se entre documentos régios e documentos
particulares.
(3) Ver García-Gallo, Los documentos y los jormularios, cit., in "Est. de
Hist. dei Der. Priv.", págs. 362 e segs.
(4) Ver García-Gallo, Los documentos y los Jormularios, cit., in "Est. de
Hist. dei Der. Priv.", págs. 384 e segs.
113
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
Acrescente-se que os documentos foram quase sempre conser-
vados através dos cartulários, ou livros equivalentes, maxime de ins-
tituições eclesiásticas, como os mosteiros e as sés. Neles se copia-
vam os textos avulsos que corriam o risco de perder-se.
20. Traços gerais da história política da Península desde as
invasões germânicas até à queda do Estado Visigótico
Faremos uma breve referência à história política da Península
no período que decorre entre as invasões germânicas e a chegada
dos Muçulmanos ('). Portanto, dos começos do século v aos come-
ços do século viu.
Observe-se que, dos povos germânicos que estiveram na
Península, apenas os Suevos pertenciam ao grupo dos Germanos
Ocidentais. Os restantes, a saber, os Alanos, os Vândalos e os Visi-
godos, integravam-se nos Germanos Orientais, embora se acentue a
raiz asiática dos primeiros.
a) Estabelecimento, na Península, dos Alanos, Vândalos e Suevos
Os Germanos que mais cedo invadiram a Hispânia foram os
Alanos, os Vândalos, subdivididos em Asdingos e Silingos, e os
Suevos. Conjuntamente, no Outono de 409, vindos das Gálias, estes
bárbaros transpuseram os Pirenéus. Não seriam muito numerosos,
mas a sua chegada apresenta duas características: por um lado,
constituíam povos inteiros, com todos os seus elementos populacio-
nais, a sua estrutura, os seus órgãos políticos, e não apenas tropas
militares; por outro lado, irromperam dentro das fronteiras do
Império sem indícios de contactos anteriores com os Romanos.
Durante os dois primeiros anos, não tiveram assentamento
determinado, percorrendo e devastando o solo peninsular numa
completa libertinagem. Os Vândalos, sobretudo, cometeram as
maiores atrocidades.
(') Consultar as indicações de Emílio SAez, La dominación germânica en His-
pânia. Perfil histórico e bibliografia, Barcelona, 1980.
114
PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO
A este período sucedeu-se uma relativa acalmia. Com efeito,
em 411, chegaram a um acordo sobre a ocupação da Península,
talvez com participação de Roma: os Suevos e os Vândalos Asdin-
gos estabeleceram-se na Galécia, os Alanos na Lusitânia e na parte
ocidental da Cartaginense, enquanto os Vândalos Silingos se fixa-
ram na Bética. O domínio romano continuou apenas nas regiões
mediterrânicas da Tarraconense e da zona oriental da Cartagi-
nense, que foram, assim, as que menos sofreram as consequências
da invasão.
Algum tempo depois, em 429, os Vândalos Asdingos, com
incorporação do que restava dos Alanos e dos Silingos — estes já
antes destroçados por um incursão dos Visigodos—, mudaram-se
para o Norte de África, onde fundaram um Reino de duração efé-
mera. No ano de 533, foi conquistado pelos generais de Justiniano,
imperador romano do Oriente.
b) O Reino Suevo (409/585). A figura de S. Martinho de Dume na história
sueva
Como consequência da passagem dos Alanos e dos Vândalos a
África, os Suevos, que se mantinham estabelecidos no Noroeste da
Península — Minho e Galiza actuais —, conseguiram estender a sua
hegemonia para Sul, através da Bética, Lusitânia e Cartaginense.
Porém, a velha província da "Gallaecia" conservava-se como cen-
tro da monarquia sueva: nas restantes zonas da Península, então
ocupadas, encontravam-se eles em manifesta minoria relativamente
aos Hispano-Romanos.
Os dados disponíveis permitem fazer uma ideia dos aspectos
políticos e sociais da história da monarquia sueva. Torna-se mesmo
possível considerar alguns períodos na sua evolução. Um facto sig-
nificativo na vida deste Estado foi a crise de independência que
atravessou nos meados do século v. Em 456, os Visigodos, vindos da
Gália como aliados dos Romanos, lançaram uma forte ofensiva con-
tra os Suevos, de que sairam vitoriosos. Apesar disso, retiraram-se
115
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
de novo para a Gália e a independência sueva continuou ainda por
mais um século.
Só em 576 é que os Visigodos, ao tempo já radicados definiti-
vamente na Península, levaram a efeito uma campanha destinada a
alargar os seus domínios às regiões ocupadas pelos Suevos. Essa
campanha, iniciada pelo rei Leovigildo, terminou em 585, com a
completa anexação da Monarquia Sueva (').
Onde os elementos mais escasseiam é no capítulo das fontes e
instituições jurídicas. Neste âmbito, muito pouco ao certo se
conhece.
Deve sahentar-se que os Suevos, ainda antes de invadirem a
Península, já haviam aceitado o Cristianismo, sob a forma herética
ariana. Mas, algum tempo após, em 448, no início do reinado de
Requiário, converteram-se ao Catolicismo. Salienta-se que os Visi-
godos apenas realizaram esta conversão cerca de cento e cinquenta
anos depois, ou seja, em 589, no tempo de Recaredo I (2).
A identificação religiosa com a população hispano-romana
facilitava e traduzia, manifestamente, uma paralela assimilação das
suas instituições jurídicas. Todavia, nada de concreto se pode afir-
mar a respeito do encontro do direito tradicional dos Suevos com o
direito romano, inclusive sobre a adopção do princípio da persona-
lidade ou da territorialidade da ordem jurídica.
Tenha-se presente que os Suevos — estimados, em cálculo
muito optimista, à volta de cinquenta mil pessoas, mas que,
segundo outras opiniões, não passavam de trinta a trinta e cinco
mil — constituíam um grupo étnico reduzido. Em todo o caso, che-
garam à Península bastante menos romanizados do que os Visigo-
dos. E natural, portanto, que tenham trazido instituições e costumes
(') Consultar, entre outros, Rfinhart, Historia General dei Reino Hispânico de
los Suevos, Madrid, 1952.
(2) Os Suevos seguiram uma trajectória religiosa em que foram: pagãos,
católicos, arianos e de novo católicos. Os Visigodos, pelo contrário, afirmaram-
-se, sucessivamente: pagãos, arianos e católicos.
116
PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO
germânicos em estado de maior pureza. Afigura-se provável que
esses costumes bárbaros se difundissem logo que surgiu o ambiente
propício com a decadência da romanização. Porém, tudo são conjectu-
ras, mais ou menos verosímeis.
Importa recordar, numa fase avançada, a influência de S.
Martinho de Dume, homem dotado de vasta cultura, que veio para
a Península, como missionário, a solicitação dos reis suevos, a fim
de combater as heresias que novamente se difundiam entre o seu
povo. Tendo chegado à Galécia pelo ano de 550, tornou-se bispo de
Dume e de Braga. Foi, sem dúvida, o grande conselheiro dos
monarcas suevos católicos, encontrando-se na base da reorganiza-
ção política do seu Reino, além de ter estruturado a província ecle-
siástica de Braga. Tomou parte relevante nos dois primeiros Concí-
lios de Braga, realizados em 561 e 572, ao segundo dos quais
presidiu. As obras que deixou escritas dividem-se em ascético-
-morais, canónicas e mesmo poéticas. Interessa aqui salientar, espe-
cialmente, a produção relativa ao direito canónico (').
c) Ocupação da Península pelos Visigodos
Entre os povos germânicos que invadiram a Península,
apresenta-se o dos Visigodos como aquele que maiores contactos
havia tido com os Romanos e que se iniciaram já antes do seu
( ) Foi autor dos Capitula Martini, uma colecção de 84 cânones de concílios
orientais, italianos, africanos e gauleses, que traduziu e completou, em 563. Ver
G. Braga da Cruz, A obra de S. Martinho de Dume e a legislação visigótica, in "Obras
Esparsas", vol. 1, cit., 2.a parte, págs. 1 e segs., Luís Ribeiro Soares, A Linhagem
Cultural de S. Martinho de Dume, Lisboa, 1963, Avelino i>e Jesus da Costa, Marti-
nho de Dume ou Bracarense, in "Dic. de Hist. de Port.", cit., vol. II, Lisboa, 1965,
págs. 957 e segs., c G. Martínez Díez, La colección canónica de la iglesia sueva los
capitula martini, m "Bracara Augusta", cit., vol. XXI, págs. 224 e segs. Sobre S.
Martinho de Dume, consultar, ainda, os estudos publicados nos "Anais da Aca-
demia Portuguesa da História", II série, vol. 28, Lisboa, 1982.
117
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
estabelecimento na Gália ('). Esses contactos foram umas vezes
pacíficos, até baseados em acordos de colaboração militar, e outras
vezes violentos.
Data de 376 a primeira penetração dos Visigodos no Império
Romano. Acossados pelos Hunos, atravessaram o Danúbio e ocu-
param a Trácia. Fizeram-no como aliados dos Romanos, contra os
quais logo se revoltaram, para tornarem a aliar-se e a sublevar-se
em ocasiões sucessivas.
A partir de 390, sob o comando de Alarico I (390/410), que
tinham eleito como chefe supremo, os Visigodos rompem o tratado
com os Romanos ç efectuam incursões pelas zonas orientais do
Império e através da Itália, chegando a ocupar Roma no ano de
410. Durante o tempo de Alarico I e de Ataúlfo (410/415), o rei
que lhe sucedeu, os Visigodos continuam a aparecer-nos, como
anteriormente. Ora se aliavam aos Romanos, ora se revoltavam
contra a supremacia destes.
I — Instalação na Gália
Tal situação só ficou definida quando os Visigodos se fixaram
na Gália, mercê do acordo de hospitalidade militar firmado, em
418, entre delegados do seu rei Valia (415/418) e o general Cons-
tâncio, representante de Honório, imperador do Ocidente. As rega-
lias nesse tratado concedidas pelos Romanos aos Visigodos consti-
(') Quanto à evolução do Reino Visigótico, ver, por ex., a síntese minu-
ciosa de Manuel Torres, Lecciones, cit., vol. II, págs. 68 e segs. Para maiores
desenvolvimentos, consultar, entre outros, Rafael Gibert, El reino visigodo y el
particularismo espáhol, in "Cuadernos dei Instituto Jurídico Espanol", n.° 5
— "Estúdios Visigóticos", vol. I, Roma/Madrid, 1956, págs. 15 e segs., Ramon
de Abadal y de Vinyals, Del Reino de Tolosa ai Reino de Toledo, Madrid, 1960, E.
A. Thompson, The Goths in Spain, Oxford, 1969 (trad. para castelhano — Los
Godos en Espdha, Madrid, 1971), H. Wolfram, Geschichte der Goten, Munchen,
1979, e Ana Maria Jimenez Garnica, Orígenes y desarrollo dei Reno Visigodo de
Tolosa (a. 418-507), Valladolid, 1983.
118
PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO
tuem uma espécie de recompensa pelo facto de terem lutado na
Península, como seus aliados, contra os invasores Alanos e Vândalos
Silingos(1). Aí, no Sul da Gália, encontrou a sua sede, ao longo de
cerca de cinquenta anos, o Estado Visigótico, com capital em
Toulouse.
II — Incursões no território peninsular durante o século V
Nesse espaço de meio século, os Visigodos realizaram frequen-
tes incursões militares nos territórios da Península Ibérica. Estas
não tiveram, porém, um objectivo imediato de ocupação. Os Visi-
godos entravam na Península, saqueavam, devastavam e retiravam-
-se logo em seguida, sem efectuarem ocupações territoriais.
III — Estabelecimento definitivo na Península
Foi no reinado de Eurico (466/484) que os Visigodos iniciaram
a ocupação, em larga escala, do território peninsular. Aproveitou-
-se a desordem causada pela queda do Império Romano do
Ocidente.
Alarico II (484/507), filho e sucessor de Eurico, estendeu o
domínio dos Visigodos a toda a Hispânia, com excepção da parte
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