Mário júlio de almeida costa



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"lex locationis". O seu texto mostra-se gravado, com algumas variantes, no

anverso e no reverso do bronze.

95

HISTORIA DO DIREITO PORTUGUÊS



Escasseiam, aliás, os estudos monográficos sobre a matéria, o

que se compreende em virtude da grande falta de fontes históricas.

Existe um conhecimento reduzido do direito romano geral aplicado

à Península e também do direito romano-hispânico, quer dizer, das

normas específicas que os dominadores criaram para esta parte do

Império. Mas uma conclusão se afigura incontroversa: nem aqui,

nem nas outras províncias, o direito romano puro foi integralmente

recebido e aplicado, mesmo depois de generalizada a cidadania. Os

habitantes dos centros urbanos revelavam uma compreensível maior

receptividade ao romanismo do que as populações rurais.

O sistema jurídico hispânico, nas vésperas das invasões germâ-

nicas, encontrava-se longe da perfeição do direito romano clássico.

Vigorava o chamado direito romano vulgar ("Vulgarrecht"), que pos-

suía uma estrutura menos complexa e cuja disciplina resultava da

interferência de elementos autóctones. Era o reflexo do quadro

social, económico, cultural e jurídico da Península.

Relativamente a esse processo de "vulgarização" do direito

romano, ou "vulgarismo", continuam a levantar-se problemas con-

troversos, tais como: o da delimitação dos seus contornos; o da

diferenciação entre o direito pós-clássico e o direito vulgar; o de

saber se este último constituía, como parece, um movimento de

todo o Império, embora com intensidade e evolução distintas, ou

apenas da sua parte ocidental — que põe a questão conexa de

distingui-lo de um direito propriamente popular ("Volksrecht") das

províncias orientais; o dos vectores que nele influíram (1). Tem-se

(') Existe uma larga bibliografia sobre o tema. Destacam-se os consagra-

dos estudos de E. Levy, Westen und Osten in der nachklassischen Entwicklung des

romischen Rechts, in "Zeitschrift der Savigny-Stiftung fiir Rechtsgeschichte", rom.

Abt., vol. XLIX, Weimar, 1929, págs. 230 e segs., Zum Wesen des westrbmischen

Vulgarrechts, in "Atti dei Congresso Internazionale di Diritto Romano", vol. II,

Pavia, 1935, págs. 29 e segs. e West Roman Vulgar Law. The Law of Property,

Philadelphia, 1951, e F. Wieacker, Vulgarismus und Klassizismus im romischen Recht

der ausgehenden Antike, in "Studi in Onore di Pietro de Francisci", vol. III, Milano,

1956, págs. 117 e segs., e Nochmals uber Vulgarismus (Ein Diskussionsbeitrag), in

"Studi in Onore di Emilio Betti", vol. IV, Milano, 1962, págs. 509 e segs. Ver,

96

PERÍODO ROMANO



salientado que não se tratou de um aspecto típico ou exclusivo da

esfera do direito, mas de um fenómeno cultural generalizado.

Manifestações análogas se verificaram a partir de um classicismo da

arte e da língua. Por exemplo, ao latim clássico correspondia o

latim vulgar, falado pelo comum das pessoas.

As referidas transformações e adaptações jurídicas não se

apresentaram uniformes, mercê da variação das circunstâncias e

dos elementos consuetudinários intervenientes. Portanto, em vez de

um único, detectam-se diversos direitos romano-vulgares, que

denunciam diferenças espaciais e temporais, até dentro da mesma

província, mas sem se excluirem semelhanças apreciáveis. Seria essa

a realidade Hispânica.

Múltiplos factores estão na génese do direito romano vulgar.

Podem, contudo, reconduzir-se a dois parâmetros básicos: a desca-

racterização do sistema romano clássico e a persistência ou revitali-

zação de direitos locais ou regionais.

Nunca terá havido na Hispânia jurisconsultos e órgãos judi-

ciais que pudessem assegurar uma aplicação sistemática do direito

romano em toda a sua pureza. A extensão da latinidade e da cida-

dania abrira esse ordenamento a um grande número de pessoas

impreparadas para conhecer as respectivas regras e por estas inte-

gralmente se disciplinarem. Além disso, a vida peninsular colocava

a tal direito, nascido tora dela, peculiares solicitações de tutela.

Desfavorável à difusão do direito romano puro mostrou-se,

ainda, a decadência do Império, desde o século III. A debilitação do

entre nós, Paulo Merêa, no "Prefácio" dos "Estudos de Direito Visigótico",

Coimbra, 1948, págs. VII e segs., e A tradição romana no nosso direito medieval, in

"Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. LVIII, tomo III, págs. 41 e segs., Braga da

Cruz, Direito romano vulgar ocidental, in "Obras Esparsas", vol. I — "Estudos de

História do Direito. Direito Antigo", l.a parte, Coimbra, 1979, págs. 317 e segs.,

Raul Ventura, Manual de Direito Romano, Lisboa, 1964, págs. 265 e segs., Sebas-

tião Cruz, Da "Solutio", vol. II—1 —Época Post-Clássica Ocidental. "Solutio" e "Vul-

garrecht", Coimbra, 1974, págs. 17 e segs., e Teresa Luso Soares, Em torno do

Direito Romano Vulgar, in "Revista Jurídica" (nova série), n.° 5, Lisboa, Janeiro/

/Março, 1986, págs. 119 e segs.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



poder central levou a que as instituições romanas vigentes nas pro-

víncias fossem deixadas, pouco a pouco, entregues a si próprias.

Passaram a ter o destino que a marcha dos acontecimentos históri-

cos locais lhes determinava.

A falta de cultura jurídica dos povos das províncias e a ausên-

cia de jurisconsultos especializados que pudessem atingir a subtileza

das doutrinas romanas e facilitar a respectiva aplicação prática

conduziram à sua incompreensão. Assim, as obras do direito clás-

sico deixaram de ser utilizadas directamente e viam-se substituídas

por comentários, resumos ou antalogias que delas faziam juristas

mais ou menos hábeis e preparados.

Acompanhando a transformação local do direito romano, em

face de condicionalismos diversos, produziu-se um vagaroso recru-

descimento de instituições e princípios jurídicos provinciais, maxime

de índole popular e consuetudinária. Como resultado da conjugação

dos dois aspectos convergentes e interligados, as regras jurídicas

vividas na Península, ao tempo da chegada dos povos germânicos,

posto que continuassem a possuir fundo romano, não diferiam radi-

calmente das que os invasores traziam consigo. Daí o significado e

o alcance que teve para futuro o direito romano vulgar.

Não oferece dúvida que este se distanciou muitíssimo da estru-

tura e do apuro dogmático do direito romano clássico: designada-

mente, quanto às formulações, aos esquemas processuais de base e à

conceitualização das figuras jurídicas, sobretudo em matéria de

contratos. Satisfez, todavia, as exigências da época. A simplificação

verificada, por exemplo, na redução dos princípios e dos institutos

ao essencial, traduziu o sentido pragmático com que a ordem jurí-

dica deve adaptar-se às realidades sociais. O fenómeno do "vulga-

rismo" tornou possível conformar o direito romano às novas situa-

ções. Facilitou, deste modo, o encontro com o direito germânico e

a continuidade de expressivos elementos romanísticos nos séculos

posteriores. Inclusive, através da legislação visigótica.

98

)-

s.



-

CAPÍTULO III

PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO

16. Razão de ordem

Passamos a um novo ciclo da história do direito peninsular: o

da dominação germânica. Designa-se por período germânico ou período

visigótico, em virtude do contributo de longe mais relevante devido

aos Visigodos.

Isso não significa que tenha sido o único povo germânico com

presença valiosa na Península. Os Suevos, especialmente, consegui-

ram manter a independência do seu Reino ao longo de cerca de

cento e cinquenta anos. Alguns historiadores chegam mesmo a fun-

damentar a separação do Condado Portucalense num sentimento de

autonomia que subsistira durante o domínio visigótico. Não exis-

tem, contudo, elementos que permitam a reconstituição segura, ao

menos nos seus traços gerais, do sistema jurídico dos Suevos.

Para compreendermos a história do direito hispânico neste

período, importa consagrar previamente alguma atenção, quer à

cultura, quer às instituições políticas e jurídicas, dos povos germâ-

nicos em geral, antes das grandes invasões e na época imediata.

Far-se-á uma rápida síntese.

17. Os Germanos antes das invasões


a) Assentamento primitivo. Grupos em que se subdividiram
Os Germanos eram um povo de raça indo-europeia, vindo da

Ásia e da Europa central, que se fixou, ainda em tempos pré-

-históricos, pelas margens do Mar Báltico, aproximadamente na

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

Dinamarca, no Sul da Suécia e na região alemã do Schleswig-

-Holstein. Seguir-se-iam as correntes migratórias que deram lugar

a subdivisões étnicas e linguísticas do povo germânico. Essas deslo-

cações deveram-se a vários factores, como as lutas que travaram

entre si e a procura de recursos económicos.

A primeira grande migração produziu-se em direcção ao

Norte, sendo ocupada toda a Península da Escandinávia. Daí partiu

outra migração para a Europa Oriental. E nasceu, assim, a diferen-

ciação dos povos de raça germânica em Germanos Antigos ou Ociden-

tais, Germanos do Norte e Germanos Orientais.

Portanto, os Germanos Orientais surgiram de um desmem-

bramento dos Germanos do Norte. Tal como estes tinham resul-

tado de uma separação dos primitivos Germanos.

Pertenciam aos Germanos Antigos ou Ocidentais, que forma-

vam o grupo mais numeroso, os Francos, os Suevos, os Bávaros, os

Alamanos, os Turíngios, os Címbrios, os Teutões, os Anglos, os

Varnos, os Saxões e os Frísios. Nos Germanos do Norte integra-

ram-se os Suecos, os Noruegueses, os Dinamarqueses e os Islandeses.

Finalmente, faziam parte dos Germanos Orientais, entre outros

grupos de menor importância, os Alanos, os Vândalos, os Bergún-

dios e os Godos; estes últimos, por sua vez, repartidos em Ostrogo-

dos e Visigodos (!). Os Lombardos, mercê das suas afinidades com

os Germanos Ocidentais e Orientais, são de difícil classificação,

mas, geralmente, atribui-se-lhes a categoria de Germanos Antigos.

Alguns dos referidos grupos étnicos estavam autonomizados

antes das invasões: é o caso dos Visigodos e dos Ostrogodos. Outros

houve, porém, sobretudo entre os Germanos Ocidentais, que só

mais tarde se individualizaram, depois de ultrapassarem as frontei-

ras do Império Romano e de aí formarem Estados independentes.

(') Sobre o não relacionamento das designações de Ostrogodos (Godos

brilhantes) e Visigodos (Godos sábios) com uma localização geográfica oriental e

ocidental, cfr. Manuel Torres, Lecciones, cit., vol. II, pág. 68.

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PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO

b) Cultura, religião e direito


As informações contidas nas obras de César (Commentarii de

Bello Gallico) e de Tácito (De origine et situ Germanorum) são quase as

últimas que possuímos a respeito dos povos germânicos. Todavia,

ao aquilatar-se do valor de tais elementos, devemos ter presente

que César escreveu no século I a.C. e Tácito em fins do século I da

nossa era. Entretanto, desde essa época até ao início das grandes

invasões e, designadamente, até à sua chegada à Península Hispâ-

nica, no século v, os Germanos progrediram muito sob o aspecto

cultural — de modo particular os que se encontravam junto das

fronteiras do Império Romano, como sucedeu com os Visigodos.

Acresce que as obras daqueles dois autores constituem relatos de

estrangeiros que nem sempre oferecem uma visão rigorosa das ins-

tituições germânicas ('). É o que acontece, por exemplo, acerca do

"mundium" ou poder paternal germânico, que os autores romanos,

numa transposição de esquemas, tendem a identificar com a "pátria

potestas" do seu direito.

Também não podemos esquecer o facto de alguns grupos étni-

cos germânicos, ainda antes das invasões, terem adoptado o Cris-

tianismo, que exerceu influência sobre a sua índole e as suas con-

cepções. Foi o caso dos Visigodos, que estavam situados na zona do

baixo Danúbio e que se converteram ao Arianismo, forma herética

da religião cristã. Em suma, já não se apresentavam, ao tempo das

invasões, como os Germanos de costumes rudes e primitivos que

César e Tácito descreveram. Haviam ultrapassado essa fase.

Apesar de tudo, mesmo os mais avançados encontravam-se

num grau de civilização e de cultura bastante inferior ao dos

Romanos. Essa diferença tornava-se notória, precisamente, na

esfera jurídica. O direito romano vulgar, que regia os habitantes

das províncias, embora sem as soluções e a técnica do sistema da

(') Cabe aqui uma consideração paralela à que se faz a respeito dos escri-

tores gregos e latinos que analisam as instituições dos primitivos povos peninsula-

res (cfr., supra, pág. 68).

103

HISTÓRIA IDO DIREITO PORTUGUÊS



época clássica, oferecia uma estrutura muito mais evoluída do que

o trazido pelos invasores (').

Salientemos que se alude, relativamente aos povos germânicos

e às respectivas leis, a Monarquias ou Estados "bárbaros" e a

leis romanas dos "bárbaros" ou a leis dos "bárbaros". Trata-se de

designações tradicionais, porquanto os Romanos qualificavam de

bárbaros ("barbari") — como que estrangeiros no sentido actual—os

povos estranhos ao Império e à sua cultura, com os quais existia

constante hostilidade, ao menos em potência (2).

18. As invasões germânicas


Também se afigura dispensável entrar em pormenores quanto

às invasões propriamente ditas (3). Apenas nos limitamos a algumas

referências sumárias.
a) Natureza e causas determinantes
Acentua-se, antes de mais, que as invasões germânicas não

foram um processo brusco, mas uma infiltração lenta. A ocupação

do Império Romano pelos Bárbaros fez-se, muitas vezes, de uma

maneira quase insensível e prolongou-se por largo período. Conse-

quentemente, não houve uma verdadeira solução de continuidade

entre a Idade Antiga e a Idade Média. Nessa transformação, que se

iniciou nos começos do século m da nossa era e que levou centos de

(') Quanto ao direito romano vulgar, cfr., supra, págs. 95 e segs.

(2) Acerca da utilização da palavra "bárbaros", ver as considerações de

Hans Tmif.mf, l!nidad y pluralidad en la historia dei Derecho europeo, in "Revista de

Derecho Privado", tomo XL1X, Madrid, 1965, págs. 691 e seg. (trad. de Antó-

nio QuiNTANO RlPOLLÉs).

(3) Ver, por ex., o conhecido estudo de Lucien Musset, Les lnvasions: les

vagues germaniques, colecção "Nouvelle Clio", n.° 12, Paris, 1965 (trad. para

castelhano — Las invasiones, Barcelona, 1967).

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PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO

anos a consumar-se, as invasões constituíram meros episódios.

Mesmo sem elas, por certo, a Idade Média teria existido. Pode

dizer-se que este período da história começa com o descalabro de

Roma e do seu império, que então se verificou. O mundo clássico

chegava irreversivelmente ao crepúsculo (*).

As causas que contribuíram para as invasões, ou, talvez

melhor, para essa "barbarização" do Império Romano, foram de

múltipla natureza. Repetem-se, em grande parte, os factores que

muito antes determinaram as migrações germânicas para o Norte e

para o Oriente da Europa (2). Devem destacar-se:

1.° — Motivos de carácter económico. Ou seja, o acréscimo

da população germânica e a falta de meios de subsistência, para o

que concorreria o esgotamento do solo ocupado.

2.° — O carácter guerreiro e aventureiro dos povos germâni-

cos. Inclusive, as constantes lutas em que se envolviam os seus dife-

rentes grupos.

3.° — A própria decadência económica, institucional e política

do Império Romano. As invasões não teriam sido possíveis, pelo

menos à data e do modo como decorreram, se uma tal crise não se

houvesse verificado. Foi uma decadência que facilitou a instalação

dos Germanos nas várias províncias do Império. Basta lembrar que,

muitas vezes, essa instalação se fez sem luta, amigavelmente, sendo

os Germanos recebidos como aliados de Roma ou como soldados

mercenários para a defesa do Império contra a invasão de outros

ramos étnicos do povo germânico.


b) Formação dos novos Estados germânicos

Os Germanos, na época dos seus primeiros contactos com o

universo romano, não eram nómadas, posto que tivessem uma ten-

dência migratória. Crê-se que, predominantemente, se agrupavam

em povoados, assentando cada um deles numa comunidade
(') Ver F. Lor, Lajin du monde antique et le début du Moyen Age, Paris, 1951.

( ) Cfr., supra, págs. 101 e seg.

105

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



económico-agrária — a marca ("Mark"). Todavia, avançava-se para

um sistema de propriedade privada. Os componentes da mesma

família ou estirpe ("Sippe") formavam uma unidade com grande

significado social e jurídico.

A organização política aparece denominada pelos autores lati-

nos de "civitas". Umas vezes, tinha à sua frente um rei e, outras

vezes, um conselho de "príncipes" dos diversos grupos que a com-

punham. Em qualquer dos casos, os poderes supremos residiam

numa assembleia popular, integrada pelos homens livres da comu-

nidade com capacidade para o exercício das armas.

Só depois das invasões nasceram os verdadeiros Estados germâ-

nicos, regra geral monarquias electivas. Na sua maioria, ficaram

instalados dentro das antigas províncias romanas, constituindo, por

assim dizer, os germes dos actuais Estados europeus. Alguns,

porém, estabeleceram-sem em regiões nunca ocupadas pelos Roma-

nos.


c) Persistência do direito romano nos Estados germânicos

Existem discrepâncias expressivas a respeito do tema agora

versado. E, contudo, opinião generalizada que os Germanos,

durante o ciclo de migração através do Império, conservaram os

seus costumes jurídicos. Mas, por outro lado, também se sustenta

que não os tenham imposto às populações romanizadas, muito mais

numerosas, em que se enquadraram. A situação correspondia, pois,

ao princípio da personalidade ou da nacionalidade do direito, quer dizer, à

coexistência de sistemas jurídicos diversos dentro do mesmo terri-

tório, devendo cada pessoa reger-se pelo direito da sua raça. Este

princípio contrapõe-se ao da territorialidade do direito, que consiste na

aplicação de um único ordenamento a todas as pessoas que habitam

o mesmo território (!).

(') Não falta quem sustente que os Germanos não conheceram, no século

V, o princípio da personalidade do direito, o qual se terá manifestado só mais

tarde, quando os Francos procuraram estruturar a convivência dos vários povos

106

PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO



Até se deu o caso de alguns monarcas germânicos promove-

ram codificações que reflectiam essa dualidade. Ao lado de colectâ-

neas de preceitos germânicos ou romano-vulgares, existiram outras

formadas de "iura" devidos aos juristas clássicos e de "leges" dos

imperadores.

Admite-se, todavia, que não tenha havido um nacionalismo

jurídico em termos rigorosos ou absolutos('). Isto é, a população

germânica e a população romana viviam, cada uma delas, funda-

mentalmente, de acordo com as instituições jurídicas próprias, mui-

tas vezes com vincadas semelhanças, mas, além disso, pautar-se-

-iam, em geral, pelas normas consuetudinárias nascidas da

convivência que, entre si, foram estabelecendo. Daí que as autori-

dades romanas e germânicas, sempre que necessário, criassem dis-

posições aplicáveis a ambos os povos.

A fixação dos Germanos dentro das fronteiras do Império não

implicou, via de regra, na esfera do direito público, mudanças sig-

nificativas da organização vigente. Assim aconteceu, sobretudo,

quando a instalação teve por base um pacto com os Romanos.

Também neste plano se verificou uma dualidade ou coexistência de

organizações político-administrativas. Entretanto, a queda do

Império ocidental, que culminaria em 476, conduziu ao reforço da

autoridade dos monarcas germânicos sobre toda a população.

Deve salientar-se que a persistência do direito romano nos

Estados bárbaros não impediu que fosse avançando uma sua con-

vergência ou fusão com o direito germânico. Desde cedo, começa-

ram os Germanos a adoptar alguns institutos e conceitos jurídicos

de origem romana, desconhecidos do respectivo sistema ou mais

perfeitos — designadamente, no âmbito privatístico, por exemplo,

sob o seu poder (cfr., por todos, Manuf.l Torres, Lecciones, cit., vol. II, 2.a ed.,

Salamanca, 1936, pág. 56, e Giui.io Vismara, Le fonti dei diritto romano nelValto

medioevo secando la piú recente storiografia (1955-Í980), in "Studia et Documenta His-

toriae et Iuris", vol. XLVII, Romae, 1981, pág. 16).

(*) Analisando o problema relativamente aos Visigodos, ver A. García-

-Gai.lo, Consideraciân crítica de los estúdios sobre la legislación y la costumbre visigodos, in

"An. de Hist. dei Der. Esp.", cit., tomo XLIV, págs. 430 e segs.

107


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

sobre a propriedade imobiliária e os contratos; em contrapartida,

o direito romano vulgar ia também assimilando um ou outro prin-

cípio germânico. Operou-se como que um segundo processo de

"vulgarização", caracterizado por soluções empíricas. Sublinhemos

que se assistiu, muitas vezes, a uma evolução concorrente de ambos

os sistemas jurídicos.

Dessa fusão ou interpenetração de elementos romanos e ger-

mânicos, produzida essencialmente a nível popular ou da prática do

direito, mercê, em grande parte, de normas consuetudinárias que

não apresentavam diferenças profundas, surgiu um lastro jurídico

unificado, embora com manifestas variedades locais. Por ele se

regeram os povos da Europa ocidental até ao chamado renasci-

mento do direito romano justinianeu, produzido, sobretudo, a par-

tir do século xiiC).
19. Fontes de direito dos Estados germânicos.

Documentos de aplicação do direito

Convirá fornecer uma visão global das fontes de direito dos

Estados germânicos. A este propósito, tomam-se naturalmente em

conta os modos de formação e revelação das normas jurídicas, os

textos ou monumentos que as continham e os seus órgãos criadores.

Abordaremos, também, os documentos de aplicação do

direito. Compreendem-se neles os formulários e os diplomas refe-

rentes à celebração de actos jurídicos concretos. Uns e outros são


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