Mário júlio de almeida costa



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Direito Português, Coimbra, 1957, págs. 29 e seg.

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CAPÍTULO II



PERÍODO ROMANO

12. A conquista da Península pelos Romanos

Os Romanos tiveram uma longa e muito significativa presença

na nossa península. E corrente cindi-la em duas fases distintas: uma

jase de conquista, que termina em 19 a.C, com o domínio dos terri-

tórios cantábricos e astures; e uma jase de romanização, quer dizer, de

progressivo conhecimento e assimilação, pelos povos autóctones,

das formas de vida, da cultura e do direito dos Romanos. Esta

última tomou a sua maior ênfase nos dois primeiros séculos da

nossa era.

Durante a rase de conquista, assinala-se aos Romanos a finali-

dade dupla de subjugar os povos locais, em seguida à expulsão dos

Cartagineses, e de extrair o máximo possível de riqueza das suces-

sivas regiões anexadas. Na fase de romanização, pelo contrário, os

Romanos tiveram a preocupação de fazer participar os habitantes

da Península da sua civilização, das suas instituições políticas e

administrativas e, de um modo geral, do seu direito.

Não se deve encarar, todavia, a referida divisão em termos

absolutos. E que, já ao longo da primeira fase, os povos indígenas

começaram, naturalmente, a adaptar-se à civilização romana,

embora numa medida reduzida. Assim como, na segunda fase, os

Romanos não abandonaram as preocupações económicas e

militares.

A conquista da Península demorou dois acidentados séculos.

Teve início com a II Guerra Púnica, em 218 a.C, quando as legiões

romanas desembarcaram em Ampúrias, no extremo norte da Cata-

lunha, ao mesmo tempo que os exércitos cartagineses, comandados

por Aníbal, passavam os Alpes e invadiam a Itália. Atacado o seu

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



próprio território, os Romanos procuraram defender-se abrindo

uma outra frente na Hispânia, sob dominação dos Cartagineses, a

quem, desse modo, cortavam, pela rectaguarda, os apoios logís-

ticos.


Desceram as legiões romanas, ao longo da costa, até à zona

meridional da Península. Entretanto, sofreram aí, em 212 a.C, uma

grande derrota, que comprometeu momentaneamente a sorte das

áreas ocupadas.

A reconquista inicia-se no ano de 209 a.C, tendo o seu desfe-

cho em 202, com a vitória da II Guerra Púnica e consequente

expulsão definitiva dos Cartagineses da Península. Os Romanos,

porém, não ficaram logo senhores de toda a Península Ibérica:

apenas eliminaram um concorrente à sua ocupação. A conquista das

zonas interiores mostrou-se difícil e vagarosa. Lembremos, por

exemplo, que os Lusitanos só foram subjugados em 137 a.C, na

sequência de uma expedição que os Romanos não levaram a eteito

antes de conseguir o assassínio de Viriato.

Quando das lutas civis entre Mário e Sila, tiveram também os

Romanos de fazer face a várias revoltas locais, porque algumas

tribos aproveitaram o ensejo da confusão que se verificava em

Roma para lutar de novo pela independência. Foi o caso da suble-

vação dos Lusitanos, sob o comando de Sertório, general do partido

de Mário que abandonou Roma após a vitória de Sila. Com o

assassínio de Sertório, em 72 a.C, a Península passou a aceitar paci-

ficamente o jugo romano, excepção feita aos povos cantábricos e

astures, que, como se indicou, só foram plenamente vencidos por

Augusto, entre os anos 29 e 19 a.C.

13. A romanização da Península


Terminada a fase de conquista, inicia-se a de romanização.

Tal não significa, conforme observámos, que, naquele primeiro

ciclo, os povos peninsulares permanecessem de todo alheios à cul-

tura e à civilização bem superiores dos Romanos.

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PERÍODO ROMANO



Sem dúvida, à medida que a conquista avançava, as popula-

ções peninsulares, mercê da simples convivência com os ocupantes,

começaram a adoptar muitos dos seus hábitos e costumes. No

entanto, a romanização metódica e intensiva só principiou depois

de plenamente dominado e pacificado o território cispirenaico.

Devemos considerar a romanização da Península como o pro-

duto de três elementos: a assimilação lenta da cultura e da civiliza-

ção dos Romanos pelos povos autóctones; a concessão da latinidade

aos habitantes da Península, devida a Vespasiano (73/74 d.C); e a

concessão da cidadania romana aos súbditos do Império em geral,

no tempo de Caracala (212 d.C). Os dois últimos aspectos

referem-se directamente à esfera jurídica (l).

13.1. Assimilação lenta da cultura e da civilização dos Romanos pelos

povos autóctones


As formas de vida, as práticas, as ideias, as atitudes mentais e

a própria língua, em suma, tudo o que integrava a cultura e a

civilização dos Romanos só paulatinamente foi absorvido pelos

povos peninsulares. Esse processo verificou-se através de uma série

de factores que se tornaria difícil enumerar de maneira exaustiva,

pois muitos deles escapam à análise mais cuidada. Indicamos apenas

alguns com especial importância.
I. Acção das legiões romanas — Cabe mencionar, antes de mais, a

acção dos militares romanos. O carácter insubmisso da população

indígena exigiu a permanência prolongada de legiões romanas em

inúmeros pontos do território, onde os legionários desempenharam

(') Sobre o tema, ver, por ex., J. M. BlAzquez, Causas de la romanización

de Hispânia, in "Hispânia — Revista Espanola de Historia", tomo XXIV, Madrid,

1964, págs. 5 e segs., 165 e segs., 325 e segs., e 485 e segs., e Jesus J. Urruela

Quesada, Romanidad e indigenismo en el Norte Peninsular a finales dei Alto Império. Un

punto de vista critico, Madrid, 1981.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



também o papel de autênticos colonos. Não raros desses acampa-

mentos foram a base de povoações florescentes e, algumas vezes,

até originaram, com o decurso do tempo, grandes cidades.

A fixação de legionários em determinados locais levava a que

a população aí radicada tivesse com eles contactos frequentes e

duradouros. Estabeleciam-se relações mercantis, não raros autóctones

eram chamados a prestar-lhes serviços nos trabalhos agrícolas ou

industriais — e, deste modo, iam aprendendo a língua e os hábitos

dos invasores.
II. Acção dos funcionários administrativos e dos colonos — Aos solda-

dos, seguiam-se os funcionários administrativos, assim como nume-

rosos colonos, que vinham de Roma e do resto da Itália atraídos

pela fama das riquezas peninsulares. Aqui permaneciam, com fre-

quência, na mira de rápida fortuna. É evidente que a sua presença

representou um poderoso veículo de romanização dos povos locais.


III. Abertura de estradas — Esse acréscimo de população romana,

ao mesmo tempo que fomentava a romanização dos indígenas, fazia

progredir, dia após dia, o volume das transacções comerciais entre

Romanos e Peninsulares. Daí a necessidade de uma larga rede de

estradas que facilitasse o transporte das mercadorias e a livre circu-

lação dos comerciantes que, de Roma, vinham efectuar os seus

negócios à Península.

As estradas romanas não tiveram, portanto, o mero alcance

estratégico de proporcionar a rápida movimentação de tropas. Aos

objectivos militares somaram-se vantagens económicas e políticas

relevantes.
IV. Superioridade da técnica romana — Quer na abertura de estra-

das, quer na construção de pontes e viadutos que a mesma exigia,

os indígenas prestavam activa colaboração, tomando um contacto

directo com a técnica dos Romanos. Não foi, de resto, só neste

âmbito que a superioridade técnica dos Romanos contribuiu para

revolucionar os métodos tradicionais de trabalho dos povos aboríge-

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PERÍODO ROMANO



nes, mas em todos os ramos de produção económica: a agricultura,

a indústria e a exploração mineira.

V. Desenvolvimento do regime municipal — Outro aspecto que não

pode ser esquecido consiste na introdução dos sistemas romanos de

administração local, sobretudo do regime municipal. A princípio

limitado a um círculo reduzido de localidades constituídas por

colonos cidadãos romanos, toi-se estendendo, pouco a pouco, às

povoações indígenas.

VI. Culto religioso — Deve salientar-se, ainda, o elemento reli-

gioso, que unificava a população romana e autóctone na observância

dos mesmos preceitos litúrgicos. Às divindades greco-latinas

sucedeu-se a obrigatoriedade do culto ao imperador, introduzido

por Augusto e que se fundiu com o culto a Roma. Viria, depois, o

Cristianismo, que, ao expandir-se, punha termo às diferenças reli-

giosas e, inclusive, proclamava as relações fraternas para além da

raça.


11.2. Romanização jurídica
Salientaram-se vários factores que levaram os povos penin-

sulares a participar dos benefícios da cultura e da civilização dos

Romanos. Foi já um passo importante para a romanização, que

ocorreu de forma mais rápida e eficaz nas zonas do Sul do que nas

do Norte, em consequência de maiores dificuldades das comunica-

ções e da própria natureza dos seus habitantes. De qualquer modo,

faltavam os vectores jurídicos, pois, com ressalva de alguns centros

populacionais e de pessoas a quem a latinidade ou a cidadania

tinham sido concedidas isoladamente, os povos da Península conti-

nuavam a reger-se pelas instituições primitivas e não gozavam das

liberdades e regalias políticas dos cidadãos romanos. Eis o que

importava superar.

Ora, essa romanização jurídica operou-se mediante as duas

providências que acima indicámos: a concessão da latinidade e a

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



concessão da cidadania romana. Mais de um século medeia entre

ambas.


a) A concessão da latinidade
No ano de 73 ou 74, o imperador Vespasiano outorgou o direito

latino ou latinidade ("ius latii") aos habitantes da Hispânia. Para apre-

ciarmos o significado deste privilégio, torna-se necessário averiguar

exactamente em que consistia.


I. Distinção entre cidadãos, latinos e peregrinos — As pessoas livres

classificavam-se, pelo direito romano, em três categorias: cidadãos,

latinos e peregrinos. Vejamos as diferenças que existiam.

O cidadão romano tinha uma capacidade jurídica plena em face

do "ius civile": no âmbito privatístico, gozava, não só do direito de

contrair matrimónio e constituir família legítima ("ius connubii"

ou "connubium"), mas também do direito de celebrar validamente

negócios jurídicos de conteúdo patrimonial ("ius commercii" ou

"commercium"); quanto à esfera publicística, possuía o direito de

votar nos comícios ("ius suffragii") e o direito de ascender às

magistraturas do Estado ("ius honorum"). Relacionado com estes

direitos, cabia-lhe também a faculdade de alistamento nas legiões

do exército ("ius militiae").

Diametralmente oposta se revelava a situação dos peregrinos,

habitantes das províncias submetidas ao domínio romano, que não

dispunham de nenhum dos privilégios acabados de apontar. Antes

de subjugados, tinham sido considerados "hostes", estrangeiros ou

inimigos, não podendo desfrutar de qualquer protecção jurídica por

parte do direito romano. Depois de submetidos, reconhecia-se-lhes

a liberdade pessoal e a faculdade de se regerem pelos seus direitos

nacionais. Além disso, como máxima regalia, admitia-se que se

subordinassem às normas do "ius gentium", quer nas relações entre

si, quer nas relações com os cidadãos romanos.

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PERÍODO ROMANO



Numa posição intermédia encontravam-se os latinos. Estes, por

sua vez, subdividiram-se em latinos antigos ("latini veteres" ou

"prisci"), latinos coloniais ou coloniários ("latini coloniarii") e latinos

junianos ("latini iuniani").

Os latinos antigos eram os primitivos habitantes do Lácio e os

membros de outras cidades equiparadas, em qualidade, às da velha

liga latina. Tinham o "ius connubii" e o "ius commercii", tal como

os cidadãos romanos. Mas, no campo do direito público, só pos-

suíam o "ius suffragii". Cabia-lhes, além disso, uma regalia impor-

tante: a de adquirirem automaticamente a cidadania romana, se

vissem a fixar em Roma residência definitiva.

Consideravam-se latinos coloniais os habitantes das províncias, a

quem a latinidade fora concedida como privilégio. Na esfera do

direito público, a sua situação mostrava-se idêntica à dos latinos

antigos, gozando apenas do "ius suffragii". Pelo que tocava ao

direito privado, todavia, estavam menos favorecidos do que aque-

les, pois só desfrutavam do "ius commercii".

Tanto os latinos antigos como os latinos coloniais passariam à

categoria de cidadãos romanos quando desempenhassem certos car-

gos públicos da terra a que pertenciam. Gaio menciona, a propó-

sito, uma distinção entre latinidade maior ("ius latii maius") e latini-

dade menor ("ius latii minus"): no primeiro caso, para que o latino

ascendesse à categoria de cidadão romano bastava que tivesse feito

parte do senado local ou cúria, quer dizer, que tivesse sido decu-

rião; no segundo caso, a aquisição da cidadania romana pressupunha

o exercício de alguma das magistraturas locais.

Sem interesse específico para o nosso caso se apresentam,

finalmente, os latinos junianos, que derivaram o nome da circunstân-

cia de a respectiva situação jurídica haver sido definida pela "Lex

Iunia Norbana" (19 d.C). Integravam-se nessa categoria os antigos

escravos que alcançassem a liberdade ("status libertatis") desacom-

panhada da cidadania ("status civitatis"); durante a vida, estavam

equiparados aos latinos coloniais, mas morriam como escravos. A

sua condição híbrida envolvia consequências jurídicas importantes,

designadamente no aspecto sucessório.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



II. Alcance da concessão da latinidade aos povos peninsulares — As

considerações precedentes habilitam a compreender a importância

que teve, como factor de romanização, no campo do direito, a

concessão da latinidade aos povos peninsulares. Em virtude de tal

providência, os habitantes da Península adquiriram a situação jurí-

dica de latinos coloniais, com as regalias inerentes.

Claro que, sob o ângulo do direito público, essas regalias eram

pouco expressivas, porque se resumiriam, possivelmente, à prerro-

gativa de votar nos comícios romanos, quando se encontrassem em

Roma à data da sua celebração, coincidência difícil de suceder,

tanto mais que os comícios tinham entrado num franco declínio e

só reuniam raras vezes. Acresce que é discutível se gozavam do

"ius suffragii", merecendo talvez preferência a solução negativa.

Mas, quanto ao direito privado, a concessão da latinidade

assumiu o significado de permitir a substituição dos sistemas jurídi-

cos indígenas pelo sistema jurídico romano. Na verdade, os povos

peninsulares, como latinos coloniais, adquiriram o "ius commercii" e,

assim, ficaram com a possibilidade de aplicar o direito romano a

todas as suas relações jurídicas de conteúdo patrimonial. Quer

dizer, passavam a regular-se por esse ordenamento em matéria de

obrigações ou direitos de crédito, de direitos reais e de direito

sucessório, gozando, além disso, da faculdade de litigar perante os

tribunais romanos.

A sua esfera jurídico-privada só ficava diminuída, em face dos

cidadãos romanos, no que concerne aos direitos de família, porque

não gozavam do "ius connubii". Estava-lhes vedado, portanto, con-

trair casamento e constituir família nos moldes do "ius civile".

Nessas matérias continuavam submetidos ao seu direito tradicional.

A latinidade tinha ainda o alcance, como vimos, de facilitar a

obtenção da cidadania romana. Foi a latinidade menor que Vespasiano

concedeu aos povos peninsulares. Logo, todo aquele que desempe-

nhasse uma magistratura local ascendia automaticamente à quali-

dade de cidadão romano, abrangendo-se nesse privilégio a sua

mulher, os seus pais e os seus filhos e netos por linha masculina.

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período romano



b) A concessão da cidadania
Desta forma, a cidadania romana ia-se estendendo a um largo

número de Peninsulares. Além de que a sua concessão isolada a

indivíduos que prestavam serviço no exército, ou a cidades inteiras

que tinham ajudado a acção política e administrativa de Roma,

aumentava de dia para dia. Consequentemente, quando Caracala,

no ano de 212, generalizou a cidadania a todos os habitantes do

Império, de condição livre, os povos peninsulares encontravam-se

preparados para receber o novo estatuto jurídico.

Calcula-se que cerca de metade da população peninsular devia

possuir, nessa data, em virtude dos factos apontados, o direito de

cidadania. E a outra metade, beneficiando, há mais de um século,

da latinidade, recebia o privilégio da cidadania como um mero

complemento das regalias anteriormente obtidas. Podemos afirmar,

portanto, que a constituição de Caracala, se foi, em relação ao

conjunto do Império, um dos factores de romanização de maior

relevo, quanto à Península, significou apenas o coroamento de uma

evolução que estava prestes a consumar-se e cujo passo decisivo

tinha sido dado por Vespasiano com a concessão do "ius latii".

14. Fontes de direito romano relativas à Península
Intere-se das considerações precedentes que, em princípio,

tenderiam a vigorar na Hispânia todas as fontes de direito romano

de aplicação geral. Uma vigência, seguramente, mais teórica ou

restrita do que efectiva, dada a distância de Roma e dos seus juris-

consultos. Como quer que fosse, existiram, ao lado delas, fontes

peculiares desta parte do Império ( ).

( ) Ver as exposições desenvolvidas de Manuel Torres, Lecciones, cit.,

vol. I, págs. 250 e segs., e Braça da Cruz, História do Direito Português (lições

policopiâdas, coligidas por A. Barbosa de Melo), Coimbra, 1955, págs. 106 e

segs.


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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

Os estudos arqueológicos permitem concluir que a Península

Hispânica e, sobretudo, a sua antiga província da Bética, que

abrangia a região ao Sul do rio Guadiana, ou seja, mais ou menos, a

Andaluzia, se mostram bastante ricas em inscrições romanas. Pre-

dominam as leis relativas à fundação de colónias e de municí-

pios (l). Estes últimos conheceram um grande incremento após a

concessão da latinidade por Vespasiano e seguiam um modelo basi-

camente uniforme (2).

Particular importância, para nós, apresentam as chamadas

Tábuas de Aljustrel, cuja designação decorre de haverem sido des-

cobertas nessa região mineira do Alentejo, correspondente às anti-

gas minas romanas de Vipasca. Trata-se de duas tábuas de bronze

( ) Pertenciam à categoria das "leges datae", que os magistrados outorga-

vam no uso de poderes especiais que o povo expressamente neles delegava para esse

efeito. As "leges dictae", pelo contrário, eram proferidas no exercício dos pode-

res genéricos conferidos aos magistrados quando da sua eleição.

(") Os municípios tiveram uma difusão muito maior do que as colónias.

Isso explicará que chegasse até nós um único exemplar da lei colonial: a "Lex

Ursonensis" ou "Lex Coloniae Genitivae Iuliae", referente à cidade de Urso ou

Ossuna, situada na região de Sevilha. Em contraste, conhecem-se diversos frag-

mentos de leis municipais, como os da "Lex Salpensana", da "Lex Malacitana" e

da "Lex Irnitana". Ver, sobre o tema, Álvaro D'Ors, Epigrafia Jurídica de la

Esparta Romana, Madrid, 1953, La nueva copia Imitaria de la "Lex Flavia Municipalis" e

La Ley Flavia Municipalis, iti "An. de Hist. dei Der. Esp.", cit., respectivamente,

tomo LIII, págs. 6 e segs., e tomo LIV, págs. 535 e segs., JuliAn GonzAlez,

Inscriptiones romanas de la provinda de Cádiz, Cádiz, 1982 (onde se reúnem todas as

inscrições encontradas nessa província, em número de 545), Teresa Giménez-

-Candela, La "Lex Irnitana". Une nouvelle loi municipale de la Bétique, in "Révue

Internationale des Droits de 1'Antiquité", 3.a série, tomo XXX, Bruxelles, 1983,

págs. 125 e segs., e Fernando Betancourt, Noticias Jurídicas de la "Reunión sobre

Epigrafia hispânica de época romana-republicana", in "An. de Hist. dei Der. Esp.", cit.,

tomo LIV, págs. 575 e segs. Não deve esquecer-se a colectânea de fontes organi-

zada pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, sob o título

"Colecção de Textos de Direito Peninsular", vol. I — "Leis Romanas", Coim-

bra, 1912. Quanto a um aspecto aflorado na "Lex Ursonensis", ver A. Santos

Justo, A situação jurídica dos escravos em Roma (Um breve estudo a propósito duma

inscrição de Urso), in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. LIX, págs. 129 e segs.

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período romano



do tempo de Adriano (117/138), embora não da mesma data. Repro-

duzem, fragmentariamente, dois textos legais que se afiguram

complementares (*).

Um dos bronzes diz respeito à organização administrativa da

região mineira de Vipasca, seguindo o modelo comum a todas as

minas do fisco imperial, que divergia, em parte, do regime muni-

cipal ordinário. Dá a conhecer normas relativas à exploração do

solo, sob os aspectos jurídico e técnico (2). O outro bronze refere-se

ao sistema de concessão das minas de Vipasca, que não eram explo-

radas directamente pelo fisco (3). Mas também daqui se podem tirar

conclusões gerais.

Há, ainda, notícia de diversas fontes de direito romano só

respeitantes à Península, como éditos e decretos de magistrados,

senastusconsultos e constituições imperiais. Algumas destas fontes

são conhecidas na íntegra, ao passo que outras se encontram incom-

pletas.


15. Direito vigente na Península ao tempo das invasões germâ-

nicas. O direito romano vulgar


Não caberia, dentro dos limites que temos em vista, analisar

as instituições jurídicas que vigoraram na Península pelos fins do

período romano. Isto é, o direito que passou à época subsequente.

(') O original de uma das tábuas encontra-se no Museu Nacional de

Arqueologia e Etnologia de Lisboa e o da outra nos Serviços Geológicos de

Lisboa. Consultar, por ex., Álvaro D'Ors, Epigrafia Jurídica, cit., págs. 71 e segs.,

com extensa análise e largas indicações bibliográficas.

(2) Bronze descoberto em 1906, que constitui parte de uma "lex dieta"

geral ("lex metallis dieta") para todas as minas do fisco. Estas eram administra-

das por um "procurator metallorum".

(3) Esta tábua foi descoberta em 1876 e apresenta as características de uma


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