Mário júlio de almeida costa



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direito nacional e da sua história, bem como o do direito compa-

rado e de outras disciplinas que proporcionem ao jurisconsulto uma

concepção viva da realidade social, com destaque para a economia

e a ciência política.

O espírito reformador insuflado pela acrimónia e admoestação

do "Frade Barbadinho" — tal o pseudónimo de Verney — atingiu a

legislação, a prática juridico-científica e o ensino do direito, mas só

veio a frutificar decorrido cerca de um quarto de século.

Conhecem-se os trâmites (]): em 1770, uma Junta de Providência

Literária recebe o encargo de examinar as causas da "decadência"

e da "ruína" da Universidade e de indicar os remédios eficazes para

lhes pôr cobro; e, logo no ano imediato, os resultados a que se

chega são reunidos no Compêndio Histórico (2). Como corolário

lógico deste minucioso relatório, os Estatutos Novos, de 1772, intro-

duziram disposições que operaram uma transformação poderosa no

ensino universitário, designadamente no sector jurídico: cria-se uma

cadeira de "direito natural e das gentes" e manda-se ensinar o

(') Para um primeiro contacto com a reforma pombalina, podem ver-se

Mário Brandão/M. Lopes de Almeida, A Universidade de Coimbra. Esboço da sua

História, Coimbra, 1937 (parte II, págs. 63 e segs., da autoria de Lopes de

Almeida). Consultar, também, José Antunes, Notas sobre o sentido ideológico da

rejorma pombalina. A propósito de alguns documentos da Imprensa da Universidade, in "O

Marquês de Pombal e o seu tempo" (número especial da "Revista de História

das Ideias"), tomo II, Coimbra, 1982/1983, págs. 143 e segs.

(2) A Carta de Lei de 23 de Dezembro de 1770, que cria a Junta de

Providência Literária, pode ler-se no início do Compêndio Histórico do estado da

Universidade de Coimbra, etc, Lisboa, 1771 (reedição, Coimbra, 1972).

46

INTRODUÇÃO



direito pátrio e a respectiva história; o direito romano passa a ser

ministrado apenas segundo o "uso moderno" e o método sintético-

-compendiário substitui o analítico em todas as disciplinas do curso,

à excepção de duas, onde ele continuava a justificar-se como exer-

cício de exegese dos textos legais.

Observemos que os Estatutos não se limitaram a determinar,

pela primeira vez, o ensino da história do direito pátrio. Fixaram

mesmo o programa, devendo o professor começar "pela Historia das

Leis, Usos, e Costumes legítimos da Nação Portugueza: Passando depois á

Historia da Jurisprudência Theoretica, ou da Sciencia das Leis de Portu-

gal: E concluindo com a Historia da Jurisprudência Prática, ou do Exer-

cício das Leis; e do modo de obrar, e expedir as causas, e negócios

nos Auditórios, Relações, e Tribunaes destes Reinos'^1). A fim de

que tais propósitos tivessem uma adequada execução, estabeleceu-

-se que o professor da cadeira seria obrigado à redacção de um

compêndio elementar dessa disciplina ( ). Aparece, assim, a Historiae

iuris ciuilis lusitani liber singularis, de Pascoal José de Mello Freire dos

Reis, editada em 1788, por iniciativa da Academia Real das Ciên-

cias, e que foi, mais tarde, aprovada oficialmente para o ensino.

Com razão se considera Mello Freire o "fundador da história do

direito português" (3).

(') Estatutos da Universidade de Coimbra, ele, Lisboa, 1772, liv. II, tít. 3, cap.

9, §§ 1 e 2 (na reedição, Coimbra, 1972, págs. 357 e segs.).

(2) "E porque entre os muitos Systemas, Compêndios, e Summas da Histo-

ria do Direito Romano, não ha algum, que seja accommodado para o uso das Lições

desta Cadeira; não só por não haver alguma, em que se ache escrita a Historia do

Direito Portuguez; mas também porque igualmente não ha algum, que compre-

henda todos três objectos próprios, e isseparaveis da dita Historia que versam

sobre ellas: Será o Professor obrigado a formar hum Compendio Elementar da

dita Historia do Direito, e de todas as suas partes, próprio, e accommodado para

as Lições annuaes desta Cadeira" (Estatutos, liv. II, tít. 3, cap. 9, § 14 — na reed.,

cit., pág. 364).

(3) Paulo Merêa, De André de Resende a Herculano, cit., in "Est. da Hist. do

Dir.", pág. 28. Pode ver-se, também, M. J. Almeida Costa, in "Temas de

História do Direito", cit., págs. 16 e segs. A referida obra de Mello Freire

encontra-se traduzida sob o título de História do Direito Civil Português, in "Boi. do

Min. da Just.", cit., n.os 173/175. Aliás, nesse mesmo "Boletim", estão traduzi-

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



Segue-se um período muito fecundo para a nossa historiogra-

fia jurídica. Os esforços polarizam-se em torno da Academia Real

das Ciências, criada em 1779, e da Universidade de Coimbra.

Aquela merece, em todo o caso, um particular destaque.

Recordemos alguns nomes de entre os colaboradores das

publicações da Academia: António Caetano do Amaral, que realizou

uma primeira tentativa de estudo sistemático das instituições ( ),

desempenhando "na evolução da nossa disciplina um papel compa-

rável ao do grande Martínez Marina na história do direito caste-

lhano'^2); Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, autor do bem

apreciado Elucidário Q), que constitui auxiliar valioso para o estudo

das antiguidades do nosso direito; José Anastásio de Figueiredo,

cuja obra versa relevantes problemas histórico-jurídicos, como a

origem dos juízes de fora, o sentido da palavra "façanha", as

beetrias e a sua distinção dos coutos e honras, a época da introdu-

ção do direito justinianeu em Portugal (4), e que, além disso, publi-

das as suas Instituições de Direito Criminal Português (n.os 155/156) e Instituições de

Direito Civil Português — Tanto Público como Particular (n.os 161/166, 168 e 170/171).

Tais versões portuguesas são da autoria de Miguel Pinto de Meneses.

Não deve esquecer-se, contudo, que, já décadas antes da Historia de Mello

Freire, existiu uma exposição impressa da evolução do direito português, embora

sucinta e sem grandes apuros científicos. Trata-se da obra atribuída a Gerardo

Ernesto de Frankenau, De Lusitanorum Legibus, Hannoverae, 1703 (secção XII

dos Sacra Themidis Hispanae Arcana), que se encontra vertida para a nossa língua,

com o título Das leis dos Portugueses, igualmente por Miguel Pinto de Meneses, in

"Rev. da Fac. de Dir. da Univ. de Lisb.", cit., vol. XXVI, págs. 567 e segs.

Sobre esta obra e as controvérsias a respeito da identificação do seu autor, veja-

-se Martim de Albuquerque, ibid., págs. 563 e segs.

( ) Memorias para a Historia da Legislação, e Costumes de Portugal, in "Memo-

rias de Litteratura Portugueza", tomos I, II, VI e VII, Lisboa, 1792/1806.

(2) Paulo Merêa, De André de Resende a Herculano, cit., in "Est. de Hist. do

Dir.", pág. 32, que recorda (ibid., nota 2) observação semelhante de Alexandre

Herculano, in "Opúsculos", vol. V, pág. 192.

(3) Elucidário das Palavras, Termos e Frases, etc, ed. crítica, Porto/Lisboa,

1965/1966 (a 1.» ed. é de 1798/1799 e a 2.a ed. de 1865).

(4) Ver "Mem. de Lit. Port.", cit., tomo I, respectivamente, págs. 31 e

segs., págs. 61 e segs., págs. 98 e segs., e págs. 258 e segs.

48

INTRODUÇÃO



cou valiosíssima lista de leis portuguesas anteriores às Ordenações

Filipinas, de 1603 (*); J oão Pedro Ribeiro, o ilustre paleógrafo e

diplomatista a que se ficaram devendo duas importantes monogra-

fias sobre as fontes do Código Filipino e sobre a época da introdu-

ção das Decretais em Portugal (2), ao lado de outros assinaláveis

contributos contidos nas suas conhecidas obras Reflexões Históricas,

Dissertações Chronologicas e Criticas, Observações Diplomáticas e índice

Chronologico e remissivo da legislação portugueza (3); e o 2.° Visconde de

Santarém, que se dedicou ao estudo das Cortes (4).

Por seu turno, a Universidade de Coimbra promoveu a publi-

cação, na respectiva imprensa, de uma colectânea de fontes (5),

abrangendo as Ordenações Afonsinas, nunca antes dadas à estampa,

as Ordenações Manuelinas, a Colecção das Leis Extravagantes de

Duarte Nunes do Lião, as Ordenações Filipinas e uma compilação

cronológica de assentos de tribunais superiores, isto é, da Casa da

Suplicação e da Casa do Cível. Ao mesmo tempo, alguns mestres

da Universidade iam também favorecendo o progresso dos estudos

histórico-jurídicos. Lembremos: Luís Joaquim Correia da Silva,

(') Synopsis Chronologica, Lisboa, 1790, tomo I (desde 1143 até 1549) e tomo

II (desde 1550 até 1603). Recorde-se, ainda, a sua Nova Historia da Militar Ordem de

Malta e dos Senhores Grão-Priores Delia, em Portugal, Lisboa 1800, partes I, II e III

(refundida sobre a l.a ed., de 1793).

(2) Memorias sobre as Fontes do Código Philippino e Qual seja a Época da introduc-

ção do Direito das Decretaes em Portugal, e o influxo que o mesmo teve na Legislação

Portugueza, in "Mem. de Lit. Port.", cit., repectivamente, tomo II, págs. 46 e

segs., e tomo VI, págs. 5 e segs.

(3) Esta última obra (6 tomos em 7 volumes; Lisboa 1805/1807, 1818 e

1820) constitui uma continuação da Synopsis Chronologica de J. AnastAsio de

Figueiredo. Ver, também, de JoAo Pedro Ribeiro os Additamentos e Retoques á

Synopse Chronologica, Lisboa, 1829.

(4) Memorias para a Historia, e Theoria das Cortes Geraes que em Portugal se

celebrarão pelos Três Estados do Reino, Lisboa 1828 (parte l.a e parte 2.a). Há uma

nova edição desta obra, Lisboa, 1924, precedida de um estudo de António

Sardinha.

(5) Trata-se da "Collecção da Legislação Antiga e Moderna do Reino de

Portugal".

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



erudito prefaciador da edição impressa das Ordenações Afonsi-

nas ('); Ricardo Raimundo Nogueira, autor de importantes prelec-

ções que resultaram do seu ensino como catedrático de direito

pátrio (2); António Ribeiro dos Santos, a quem se devem estudos de

grande interesse para a história do direito público e das doutrinas

políticas (3); Coelho da Rocha, que igualmente elaborou um com-

pêndio para a cadeira de história do direito pátrio e que fez acom-

panhar a sua produção civilística de inúmeras notas históricas de

considerável mérito (4).

c) Consolidação da história do direito português como disciplina científica


Neste contexto se insere a obra científica de Alexandre Her-

culano e a influência que ela exerceu sobre o espírito e a cultura

portuguesa, mormente nos domínios historiográficos. Herculano

não foi um historiador do direito no sentido mais técnico e com-

prometido da designação. Contudo, desempenhou papel de relevo

(') Ver, infra, págs. 275 e seg., e a breve referência de Paulo Merêa,

Notas sobre alguns lentes de Direito Pátrio no período 1772-1804, in "Boi. da Fac. de

Dir.", cit., vol. XXXVI, pág. 326.

(2) As lições que fez na docência dessa disciplina foram primeiramente

publicadas in "Jornal de Jurisprudência" (vol. III) e in "O Instituto" (vols. VI,

VII, VIII e XII), mais tarde reeditadas, em parte, sob os títulos de Prelecções de

Direito Público, Coimbra, 1858, e Prelecções de História de Direito Pátrio, Coimbra,

1866. Sobre a obra de Raimundo Nogueira, ver Paulo Merêa, Notas sobre alguns

lentes de Direito Pátrio no período 1772-1804, cit., in "Boi. da Fac. de Dir.", vol.

XXXVI, págs. 323 e segs.

(3) Ver a sua obra Notas ao Plano do Novo Código de Direito Publico de Portu-

gal, do Doutor Paschoal José de Mello, feitas e appresentadas na Junta da Censura e Revisão

pelo Doutor António Ribeiro em 1789, Coimbra, 1844. Sobre este autor, cônsul te-se a

bibliografia indicada por Paulo Merêa, De André de Resende a Herculano, cit., in

"Est. da Hist. do Dir.", pág. 34, nota 1, e José Esteves Pereira, O pensamento

político em Portugal no século XVIII: António Ribeiro dos Santos, Lisboa, 1983.

(4) Manuel A. Coelho da Rocha, Ensaio sobre a Historia do Governo e da

Legislação de Portugal, etc, 7.a ed., Coimbra, 1896, e Instituições de Direito Civil Portu-

guez, 4.a ed., Coimbra, 1857.

50

INTRODUÇÃO



no desenvolvimento desta disciplina, sob um duplo aspecto: pelos

progressos introduzidos na ciência geral da história e pelo estudo de

alguns importantes temas histórico-jurídicos.

Constitui Herculano um expoente decisivo na evolução da

historiografia portuguesa. Por muito que os seus posicionamentos

filosóficos e métodos de investigação tenham sofrido a inclemente

superação do tempo e de novos conceitos, entretanto, surgidos ou

desenvolvidos, por muito que as conclusões a que chegou hajam

sido sujeitas a revisão, sempre deveremos considerá-lo como um

modelo, um daqueles raros homens de génio que inauguram

épocas.

Não cabe insistir aqui em aspectos gerais. Limitamo-nos a



breves considerações a respeito do que Herculano trouxe para a

historiografia jurídica nacional.

O século xix, como é por demais sabido, marca o encontro

dos cânones historiográficos românticos, predominantes na sua pri-

meira metade e que envolviam uma vinculação ao presente e à

literatura, com o novo espírito científico. Este, postulando rigor e

objectividade, apontava para o império do estrito conteúdo das fon-

tes e para a compreensão dos acontecimentos através de leis ou

causas gerais. Mas que posição teve Alexandre Herculano entre a

historiografia romântica e a historiografia científica?

Talvez se possa dizer dele que foi, simultaneamente, ainda um

ponto de chegada e. já um ponto de partida dos novos rumos. Existe

em Herculano, sob este ângulo, como que uma bivalência.

O passado é a substância comum aos seus trabalhos de histo-

riografia e de novelística. Mesmo em datas próximas da publicação

das suas novelas saem os volumes da História de Portugal. Todavia, as

duas faces da obra do autor não se confundem. Não se pretende

que pareçam inteiramente nascidas de penas distintas. Pensa-se,

sim, que o historiador do movimento romântico e o historiador de

obediência aos rígidos preconceitos de cientista souberam conviver

nele e completaram o seu espírito criador, a um tempo, empolgado

e sereno. A adesão de Herculano ao tipo novelístico iniciado, na

primeira metade do século, por Walter Scott recusa anacronismo

51

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



quanto à reconstituição do passado em que se movimentam os per-

sonagens; e nem a sua índole e pendor científico comportam oposi-

ção a factos historicamente averiguados, posto que não lhe repug-

nem ficções ou lendas. Escreveu Hernâni Cidade que "Herculano,

artista e poeta, ao realizar o esforço fatigante da heurística dos

documentos, da sua leitura e interpretação, da sua crítica minu-

ciosa, não se contentava com a arte de submeter o material assim

seleccionado ao plano arquitectónico que lhe desse unidade e signi-

ficado político e social: procura imprimir-lhe movimento de

vida" O-


São patentes na obra de Herculano as directrizes do espírito

científico que triunfava. Deste modo, reflecte o conceito historio-

gráfico que aponta para os factos significativos da Nação, para a

obra colectiva realizada no decurso dos séculos e que seria necessá-

rio, portanto, encarar segundo épocas histórico-culturais e não por

reinados. Abandona-se, em resumo, a "crónica dos reis" e passa-se

a uma "história da Nação". Tal conceito não deixou de fazer-se

sentir na historiografia dos períodos seguintes.

Procurou Herculano alicerces para as suas construções em

elementos fornecidos pelas fontes documentais. Teve precursores,

sem dúvida, no alcobacense Frei António Brandão, em António

Caetano do Amaral e no espanhol Martínez Marina, considerados

como "os fundadores da história social dos povos da Península, os

iniciadores de um novo esforço investigativo" (2). Mas o passo que

se deu em frente foi expressivo. Como se sabe, presidiu e dirigiu

efectivamente a comissão da Academia Real das Ciências que des-

ventrou a generalidade dos arquivos nacionais, públicos, eclesiásti-

cos e particulares, e trouxe à luz do dia milhares de documentos

neles esquecidos, coligindo-os e publicando-os depois de análise crí-

tica. Ora, perante as fontes, enquanto puro historiador, Herculano

(') Hernâni Cidade, Portugal Histórico-Cultural, 3.a ed., Lisboa, 1972, pág.

291. É primoroso todo o estudo dedicado a Herculano (ihid., págs. 280 e segs.).

(2) Consultar Hernâni Cidade, oh. cit., págs. 295 e segs. Ver, ainda, supra,

pág. 48, nota 2.

52

INTRODUÇÃO



procurou nunca perder de vista os limites construtivos, as conclu-

sões objectivas que elas consentiam, refreando entusiasmos da ima-

ginação ou excessos devidos a prejuízos do tempo.

Não se duvida do enorme esforço e do escrúpulo postos na

edição dos Portugaliae Monumenta Histórica. Tarefa poderosa que, só

por si, assinala culturalmente uma época e constrói o prestígio de

quem interveio na sua elaboração. Posteriormente, com o progresso

dos estudos paleográficos e diplomáticos, detectaram-se importan-

tes deficiências dessa colectânea. Talvez algumas faltas tivessem

podido evitar-se. Tudo, porém, deve ser visto no tempo e na

dimensão do trabalho empreendido e realizado.

A dispersão em que as fontes se encontravam criava aos estu-

diosos enormes entraves à sua consulta, atendendo a que as comu-

nicações eram difíceis e penosas. Acrescia que a falta de cuidado na

conservação dos diplomas mantidos em arquivos disseminados pelo

País ocasionara a destruição de muitos documentos preciosos e

ameaçava outros que ainda restavam. A organização de edições

críticas de fontes ia-se impondo, aliás, por toda a parte: E o exem-

plo frutificou entre nós. Pode dizer-se que os Portugaliae Monumenta

Histórica não destoam ao lado de colectâneas estrangeiras, como os

Germaniae Monumenta Histórica ou os Documents Inédits concernant l'His-

toire de France.

A outra face do significado de Herculano para a evolução da

ciência da história do direito consiste, como se salientou, no estudo

de matérias especificamente jurídicas. Os temas por ele abordados

neste âmbito referem-se, sobretudo, ao campo publicístico. Não

faltam na sua obra estudos relativos ao direito político e administra-

tivo, ao direito fiscal e financeiro, analisando numerosos impostos e

tributos, e até ao direito penal e processual, designadamente em

matéria probatória. Mas também se encontram aspectos de direito

privado, como o casamento ( ).

\ ) Sobre alguns 'importantes temas Vistónco-juríàicos àboraados por Her-

culano, pode ver-se o já cit. estudo de M. J. Almeida Costa, Significado de Ale-

xandre Herculano na evolução da historiografia jurídica, in "A Historiografia Portuguesa

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



Os resultados da investigação de Alexandre Herculano, posto

que assinaláveis, afiguram-se de relevância menor para a historio-

grafia jurídica do que os métodos, os pontos de partida, as concep-

ções de crítica histórica e de crítica filosófica da história que trouxe

à luz da ribalta. De então para diante, nenhum historiador

— qualquer que fosse a área em que se movesse — poderia desco-

nhecer ou esquecer a existência de tais problemas e a necessidade

de os enfrentar liminarmente. Terminara, em definitivo, a época

das puras antiguidades, da erudição, da história pseudo-científica ao

serviço da literatura.

d) Individualização da historiografia jurídica portuguesa

Verificaram-se os grandes progressos salientados. A ciência da

história do direito português consolidara-se. Faltava, porém, o sen-

tido de uma teoria historiológica específica da esfera do direito.

Não se alcançara, ainda, que a história jurídica, como a história

política, ou a económica, ou qualquer outra, possui os seus concei-

tos, os seus esquemas ou formas mentais, o seu discurso analítico, as

suas intencionalidades, as suas conexões determinantes, que postu-

lam métodos de investigação peculiares.

Essa individualização científica seria realizada por Gama Bar-

ros, nos fins do século passado e começos do actual. Até aí não se

vislumbra uma diferença clara entre a historiografia do direito

devida a investigadores que tivessem ou não formação jurídica de

base. O que se relaciona, de algum modo, com o facto de os temas

então predominantes serem a história externa ou das fontes de

direito e a biobibliografia de antigos jurisconsultos,. Pouco de inves-

tigação histórica das instituições e nada de verdadeira história da

ciência do direito e do pensamento jurídico.

de Herculano a 1950 — Actas do Colóquio da Academia Portuguesa da Histó-

ria", págs. 252 e segs. Consultar, também, Martim de Albuquerque, A Formação

Jurídica de Herculano: Fontes e Limites, in "Alexandre Herculano à Luz do nosso

Tempo — Ciclo de Conferências da Academia Portuguesa da História", Lisboa,

1977, págs. 341 e segs.

54

INTRODUÇÃO



Muito mudou com Gama Barros. A publicação da sua História

da Administração Pública em Portugal nos Séculos XII a XV(l) trouxe um

estudo minucioso das instituições publicísticas e privatísticas, desde

o período visigótico. Não existirão nesta obra as sínteses brilhantes

de Herculano ou as audácias sugestivas e belas de Oliveira Martins,

mas os problemas são cuidadosamente analisados e as conclusões

docilmente apoiadas em vasta documentação e amplas leituras.

Organizou uma biblioteca excepcional. Além disso, a formação

jurídica do autor permitiu-lhe, não raro, um enfoque mais rigoroso

dos problemas desta natureza.

Estava individualizada a historiografia jurídica portuguesa.

Gama Barros não foi professor universitário. Contudo, entre nós,

realizou como ninguém, quanto à história do direito, os ideais da

pedagogia jurídica do tempo, que as reformas de 1901 e de 1911

reflectiram. Pode ver-se na obra de Gama Barros a confluência da

Escola Histórica de Savigny e do positivismo então dominante.

e) Renovação moderna da ciência da história do direito português
Na actualidade, a investigação histórico-jurídica tem sido,

entre nós, quase só cultivada por alguns especialistas ligados ao

ensino universitário. Devem salientar-se, todavia, os progressos

alcançados. Ei>auló Merêa (1889/1977) constitui, a diversos títulos,

uma figura paradigmática (2).

(l) A primeira edição saiu em quatro tomos, entre 1885 e 1922. Na

segunda edição, publicada de 1945 a 1954, a matéria foi distribuída por onze

tomos, contendo numerosas e importantes notas de Torquato de Sousa Soares,


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