As muletas e a busca da felicidade
Nadiá Paulo Ferreira
Freud, no texto de 1930, O mal-estar na cultura, retomando
algumas questões, já abordadas em O futuro de uma ilusão, 1927,
ressalta a insistência do homem em alcançar a Felicidade. Esta
obstinação se sustenta na fé de que a busca da felicidade levaria à
evitação da dor e do sofrimento humanos. Sabemos que isto é uma
ilusão. Além das decepções, que todos nós enfrentamos no conví-
vio com nossos semelhantes, o corpo está condenado à decadência
e ao aniquilamento, segundo as palavras do próprio Freud. Do
nascimento à morte, o mundo impõe uma série de sofrimentos,
afastando o homem desta tão decantada Felicidade.
O desconforto do mundo nunca impediu a vivência de momen-
tos felizes, a invenção e a perseverança no fazer. Mas é preciso
não renunciar a uma posição desejante, o que coloca o sujeito cara
a cara com sua verdade que, como toda verdade, nunca se revela
por inteiro. A cada desejo realizado, alguma coisa falta, relançando
o desejo a um mais ainda que só termina quando a morte vem.
Mas, se o homem abre mão de se colocar como desejante, matan-
do o tempo, esquecendo o que não pode ser esquecido, que é ter a
morte como destino, restam algumas saídas: o sentimento de cul-
pa ou a necessidade de usar muletas.
O sentimento de culpa é um dos sintomas que caracterizam o
mal-estar do homem. A culpa é um afeto que não mente. Não há
remorso sem que o sujeito não se veja de alguma forma implicado.
Mas o recurso das muletas faz com que a culpa seja retirada do
sujeito e deslocada para um outro.
As múltiplas faces do Outro aliviam o sintoma. O sujeito, sem
implicação subjetiva, não faz outra coisa senão se queixar do Outro.
A cada lamento, uma satisfação com seu sintoma e com o descon-
certo do mundo. O gozo com a degradação da renúncia ao desejo
vela o horror do enigma, que causa o próprio sintoma do homem.
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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