Português 8º ano


O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA



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O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

1. Concepção de linguagem

Nesta coleção, a linguagem verbal é compreendida como processo de interação que se realiza nas práticas sociais. Estas são múltiplas e apresentam características variadas, definidas pelo interlocutor colocado em cada uma das situações comunicativas, pelas finalidades que se pretendem atingir, pelas características do suporte no qual o discurso será tornado público, pelas características específicas do espaço em que esse discurso circulará e pelas especificidades do gênero no qual o discurso será organizado.

Preparar uma exposição oral para participar de um seminário de estudo sobre biomas brasileiros, organizado para os alunos de 6º ano, por exemplo, não é o mesmo que participar de um debate sobre a maioridade penal, organizado em um fórum do site da escola, do qual participa toda a comunidade escolar. Enquanto uma situação busca apresentar determinado saber para um grupo de pessoas, a outra procura formar opinião de toda uma comunidade a respeito de diferentes possibilidades de posicionamento diante da questão. Se um discurso será orientado para um público bastante definido, o outro visará uma comunidade mais ampliada. Se um será produzido oralmente, ainda que conte com apoio escrito e visual (esquemas, mapas, gráficos, fotografias, por exemplo), o outro será produzido por escrito, por meio de uma ferramenta eletrônica, e não em tempo real.

Por isso, pode-se dizer que participar de diferentes situações de comunicação — sejam elas orais ou escritas — implica a constituição e o uso de diferentes conhecimentos. E são esses conhecimentos que, nas situações de ensino, devem ser tomados como objeto de estudo.

Hoje, a escola tem como finalidade a formação do cidadão crítico e efetivamente participativo. Essa proficiência requer, então, que o sujeito constitua os saberes necessários a essa participação, de modo que possa interagir verbalmente, de maneira cada vez mais eficiente.

Considerando a enorme variedade de situações comunicativas que se realizam nas diferentes esferas — escolar, científica, literária, jornalística, entre outras —, as quais devem ser estudadas e conhecidas, cabe à escola priorizar quais situações tomará como objeto de ensino.

Em Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação, J. W. Geraldi (2009) recomenda que sejam priorizadas as situações comunicativas que se relacionam com as instâncias públicas de linguagem.
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É essa a orientação desta coleção: tomar como objeto de ensino os conhecimentos com os quais se opera em algumas situações comunicativas presentes nas instâncias públicas de linguagem: de leitura e escuta, de produção de textos orais e escritos. Entre esses conhecimentos estão os relativos às características do contexto de produção dos textos, os que se referem às características dos textos propriamente (relativos à coesão e coerência) e dos gêneros nos quais estes se organizam, e os conhecimentos gramaticais (de sintaxe, ortografia, morfologia, acentuação, estilística).

Nessa perspectiva, o trabalho desta coleção tem como objetivos fundamentais a constituição de três competências dos alunos: a competência discursiva, linguística e estilística, compreendendo, tal como nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, que:

a. a competência discursiva se refere à “capacidade de se produzir discursos — orais ou escritos — adequados às situações enunciativas em questão, considerando todos os aspectos e decisões envolvidos nesse processo” (Brasil, 1997:29);

b. a competência linguística “refere-se aos saberes que o falante/intérprete possui sobre a língua de sua comunidade e utiliza para construção das expressões que compõem os seus textos, orais e escritos, formais ou informais, independentemente de norma-padrão, escolar ou culta” (Brasil, 1998:23);

c. a competência estilística “é a capacidade de o sujeito escolher, dentre os recursos expressivos da língua, os que mais convêm às condições de produção, à destinação, finalidades e objetivos do texto e ao gênero e suporte” (Brasil, 1998:23).



2. Leitura

Nesta coleção, a leitura é compreendida como processo de significação para o qual é imprescindível a interação entre os interlocutores. É processo simultaneamente individual, único e interpessoal, prevendo “um exercício dialógico ímpar, pois entre leitor e texto desencadeia-se um processo discursivo de decifração, interpretação, reflexão e reavaliação de conceitos absolutamente renovados a cada leitura. Nenhuma atividade humana permite, até hoje, a espécie de diálogo atemporal que a leitura proporciona” (Garcez, 2012:5).

A construção dos sentidos do texto, no entanto, não acontece de maneira natural e espontânea. É trabalho realizado pelo leitor que, enquanto decifra a materialidade textual, vai contrapondo os sentidos que construiu ao longo de sua experiência vivida àqueles do texto. Durante esse trabalho, são mobilizados vários conhecimentos, os quais são considerados por Délia Lerner, em Ler e escrever na escola (2002), comportamentos leitores de dimensão social e de dimensão psicológica.

Os primeiros, segundo essa autora, referem-se à capacidade de “comentar ou recomendar o que se leu, compartilhar a leitura, confrontar com outros leitores as interpretações geradas por um livro ou uma notícia, discutir sobre as intenções implícitas nas manchetes de certo jornal...”.

Os segundos, por outro lado, implicam a capacidade de “antecipar o que se segue no texto, reler um fragmento anterior para verificar o que se compreendeu, quando se detecta uma incongruência, saltar o que não se entende ou não interessa e avançar para compreender melhor, identificar-se com o autor ou distanciar-se dele assumindo uma posição crítica, adequar a modalidade de leitura — exploratória ou exaustiva, pausada ou rápida, cuidadosa ou descompromissada... — aos propósitos que se perseguem e ao texto que se está lendo...“.

São esses comportamentos que, na escola, devem ser tomados como conteúdos de ensino e que, nesta coleção, são tematizados nas atividades de leitura. Dessa maneira, as questões propostas vão propiciar aos leitores a mobilização de procedimentos e estratégias que utilizam para construir o sentido do texto antes e depois da leitura.

Há conhecimentos, no entanto, que devem ser mobilizados durante o processo de leitura, no momento mesmo da reconstrução dos sentidos do texto. Estes devem ser trabalhados pelo professor em atividades de leitura compartilhada, nas quais os professores realizam um estudo conjunto do texto a partir de pautas previamente organizadas. Essas pautas devem apresentar aos alunos questões que os levem a explicitar recursos e procedimentos, assim como pistas linguísticas, utilizados por eles no processo de decifração do enunciado.

Para trabalhar com a biblioteca da escola

O professor pode selecionar livros que fazem parte do acervo do PNBE para ampliar os conteúdos trabalhados nos capítulos do livro didático, tendo como base os seguintes critérios: o gênero (romance de aventura, diário íntimo, conto psicológico, crônicas, poemas, etc.) ou o tema (música, cinema, uso da água, papel da mulher, consumo, etc.).

Outra possibilidade está relacionada a uma leitura que auxilie na formação do leitor literário. Para isso, o aluno pode escolher um livro a partir de um critério pessoal: autor, tema, gênero, ilustrações, sugestões dos colegas, etc.

Ao final de cada capítulo dessa coleção, o professor encontrará sugestões relacionadas a gêneros ou a temas específicos. Os livros sugeridos, que fazem parte do acervo PNBE, estão indicados com um selo.

Além dessas recomendações de leitura, há no material uma indicação, com o mesmo selo, dos textos utilizados ao londo dos capítulos que também fazem parte do acervo PNBE.
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3. Produção de texto

No processo de produção de textos — orais ou escritos —, o texto é considerado unidade de ensino, sendo compreendido como a materialidade de um enunciado verbal, seja essa materialidade fônica (textos falados) ou gráfica (textos grafados).

Segundo Mikhail Bakhtin (2011), todo texto é organizado em gênero. Gêneros são formas relativamente estáveis de textos, disponíveis na cultura em diferentes momentos históricos, caracterizados por possuírem:

a. um conteúdo temático específico: tudo aquilo que é dizível pelo gênero, seus conteúdos típicos;

b. uma organização composicional característica: configurações específicas de unidades de linguagem, traços da posição enunciativa do enunciador, conjuntos particulares de sequências textuais e de tipos discursivos que organizam o texto internamente;

c. recursos estilísticos próprios: recursos da língua (lexicais, fraseológicos, gramaticais); marcas linguísticas recorrentes dos textos organizados no gênero.

Considerando a diversidade presente nas situações públicas de comunicação verbal, o trabalho apresentado nesta coleção prioriza textos organizados em diferentes gêneros, procurando considerar tanto as diferentes esferas e situações comunicativas nas quais circulam e em que se realizam, quanto as capacidades linguísticas que envolvem sua leitura/escuta ou produção, como as características tipológicas dos textos: narrar, argumentar, instruir ou prescrever, expor, relatar.

Além disso, as atividades propostas procuram orientar quanto aos procedimentos de planejamento, revisão, refação e autoavaliação das produções textuais dos alunos, considerando sua adequação tanto ao contexto de produção, quanto às respectivas características tipológicas.

Por adotar essa concepção de gêneros textuais e a concepção de linguagem como prática social, não serão encontradas no material propostas de leitura/escuta e de produção de textos segundo critérios exclusivamente tipológicos como narração, descrição e dissertação. Compreendemos, tal como Schneuwly e outros (1997), que esses critérios são criações exclusivas da escola, independentes das práticas sociais existentes fora dela, constituindo-se como modelos de textos “ideais”, sem contextualização nas práticas sociais de referência, a serem reproduzidos à perfeição.

Isso não significa desconsiderar os aspectos tipológicos dos textos organizados nos diferentes gêneros, ou suas sequências textuais constitutivas, que implicam a mobilização de determinadas capacidades linguísticas. Estas serão trabalhadas quando se tomarem como objeto de estudo os gêneros cujos textos forem constituídos por tais características.

Assim, para trabalhar com a capacidade de narrar, podem ser tomados textos organizados em gêneros, como crônica, conto social, entre outros. Para tematizar a capacidade de expor, podem ser focalizados textos de gêneros como artigo de divulgação científica, exposição oral, entre outros. Para tomar como foco a capacidade de argumentar, pode-se trabalhar com gêneros como artigo de opinião, debate, entre outros.

O quadro apresentado a seguir ilustra essa posição.



GÊNEROS

Domínios sociais de comunicação Aspectos tipológicos Capacidades de linguagem dominantes

Exemplos de gêneros orais e escritos

Cultura literária ficcional|

Narrar


MÍMESIS DA AÇÃO ATRAVÉS DA CRIAÇÃO DA INTRIGA NO DOMÍNIO DO VEROSSÍMIL


conto maravilhoso

conto de fadas

fábula

lenda


narrativa de aventura

narrativa de ficção científica

narrativa de enigma

narrativa mítica

esquete ou história engraçada


biografia romanceada

romance


romance histórico

novela fantástica

conto

crônica literária



adivinha

piada



Documentação e memorização das ações humanas

Relatar


REPRESENTAÇÃO PELO DISCURSO DE EXPERIÊNCIAS VIVIDAS, SITUADAS NO TEMPO


relato de experiência vivida

relato de viagem

diário íntimo

testemunho

anedota ou caso

autobiografia



curriculum vitae

...



notícia

reportagem

crônica social

crônica esportiva

...

histórico



relato histórico

ensaio ou perfil biográfico

biografia

...




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GÊNEROS

Domínios sociais de comunicação

Aspectos tipológicos

Capacidades de linguagem dominantes

Exemplos de gêneros orais e escritos

Transmissão e construção de saberes

Expor


APRESENTAÇÃO TEXTUAL DE DIFERENTES FORMAS DOS SABERES


texto expositivo (em livro

didático ou paradidático)

exposição oral

seminário

conferência

comunicação oral

palestra

entrevista de especialista

verbete


artigo enciclopédico

texto explicativo

tomada de notas

resumo de textos expositivos

e explicativos

resenha


relatório científico

relatório oral de experiência

...


Instruções e prescrições

Descrever ações



REGULAÇÃO MÚTUA DE COMPORTAMENTOS


instruções de montagem

receita


regulamento

regras de jogo




instruções de uso

comandos diversos

textos prescritivos

...



Fonte: SHNEUWLY, B.; DOLZ, J. e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004. p. 51-52

Para definir os conteúdos de ensino para a produção de texto, esta coleção baseou-se em Delia Lerner (2002), que descreveu os seguintes comportamentos escritores:

• Tomar notas para registrar informações a que mais tarde se recorrerá.

• Escrever para cumprir diversos propósitos (convencer, reclamar, mostrar...).

• Planejar o que se vai escrever e modificar, se necessário, o plano enquanto se está escrevendo.

• Planejar, textualizar, revisar mais de uma vez.

• Levar em conta os conhecimentos do destinatário para decidir que informações se incluem e quais se podem omitir no texto que se está produzindo.

• Fazer modificações no texto, se pertinentes.

• Quando o escrito é em grupo, debater para que sejam tomadas decisões consensuais acerca dos múltiplos problemas que a escrita apresenta.

• Ter presente o ponto de vista dos futuros leitores.

• Discutir com outros qual é o efeito que se busca produzir nos destinatários por meio do texto.

4. Reflexão linguística

O ensino de Língua Portuguesa deve prever a reflexão sobre os usos da língua e da linguagem, assim como a reflexão sobre os conhecimentos linguísticos como um todo, sejam eles discursivos, textuais, gramaticais ou notacionais.

Dessa forma, as atividades de ensino de linguagem verbal devem prever momentos nos quais se tome como objeto de reflexão tanto os usos dos recursos linguísticos utilizados pelos produtores na elaboração de textos e os efeitos de sentido provocados por esse uso, quanto os fatos da linguagem já organizados em categorias pelos gramáticos, assim como as regularidades a eles subjacentes.

O importante, nesse processo, é que — ainda que haja a necessidade de sistematização e utilização de metalinguagem — seja possibilitada ao aluno a reflexão acerca desse conhecimento, e uma condição parece fundamental para que isso aconteça: analisar os aspectos da linguagem na materialidade linguística, ou seja, nos textos. Por isso, esta coleção procura desenvolver o trabalho com gramática sempre a partir do uso dos recursos em textos, o que não significa tomar o texto como pretexto apenas para essa finalidade, mas estudar os sentidos e o uso dos recursos na produção desses sentidos.



5. O trabalho com a linguagem oral

O trabalho com a linguagem oral nesta obra preocupa-se com dois aspectos fundamentais: por um lado, remete-se à oralidade — strictu sensu — considerando aspectos como entonação, pronúncia de palavras, prosódia, gestualidade e recursos que podem ser utilizados em atividades de oralização ao longo dos livros da coleção — contação de histórias, leitura oral dramatizada, declamação de poemas, etc.

Por outro lado, o material apresenta, na seção Oralidade, um trabalho com gêneros específicos dessa modalidade, os formais públicos, de maneira mais sistemática e ampla, como o debate regrado e a mesa-redonda, mas também os informais, com esfera de circulação mais restrita e familiar, como a conversa. Para a realização das atividades da seção, propõe-se a análise da materialidade linguística de discursos organizados nesses gêneros, além de dar todo o passo a passo para os alunos produzirem textos de diversos gêneros orais: qual texto vai produzir e como prepará-lo, elaborá-lo, apresentá-lo e avaliá-lo.
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Além disso, também é foco dessa obra a discussão sobre os gêneros da tradição oral, ainda que hoje circulem mais por meio de registros escritos do que oralmente.



6. Os jogos e a aprendizagem

Para começar uma reflexão

É importante refletir sobre a importância da apropriação do jogo e do design de jogos no processo de aprendizagem dos alunos, bem como sobre de que maneira eles desenvolvem aptidões físicas, cognitivas e emocionais com os jogos, além de encontrarem motivação para ressignificar a necessidade de aprender.

Sabemos que o uso de jogos como recurso didático ainda é pouco frequente, predominando entre os docentes a visão de não seriedade em relação ao seu caráter educativo. Afinal, o jogo como recurso educativo é diversão ou é coisa séria?

A palavra jogo vem do latim jocus, que significa brinquedo, divertimento, passatempo sujeito a regras (FORTUNA, 2013). Embora, com frequência, sejam considerados similares, os termos “brincadeira” e “jogo” não têm o mesmo significado:

Ao contrário, referem-se a estágios claramente distintos do desenvolvimento, sendo “brincadeira” relacionada a um estágio primitivo e “jogo”, a uma fase mais amadurecida. Em termos gerais, “brincadeira” refere-se às atividades da criança pequena, caracterizada por uma liberdade total de regras, excetuando-se as impostas pelo próprio indivíduo que brinca [...]. Os “jogos”, por outro lado, são, em geral, competitivos e caracterizam-se por regras de consenso (Bettelhem, 1987:181).

É possível considerar, de acordo com Fortuna, que brincar é aprender. Explica esse autor:

Mais do que ser um instrumento de aprendizagem, a brincadeira é aprendizagem propriamente dita: ela não apenas contribui para a construção das estruturas de conhecimento, ou, eventualmente, leva à aprendizagem de conteúdos específicos; ela é, ela mesma, aprendizagem, porque a ação é o que a define, e a ação é a unidade mínima tanto do desenvolvimento, quanto da aprendizagem. (2013:80).

Apesar das diferenças conceituais, na escola a brincadeira e o jogo têm praticamente o mesmo propósito, que é possibilitar o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos, principalmente, por meio de uma prática pedagógica problematizadora e desafiadora. Tendo isso em vista, a prática tanto da criação de jogos quanto do uso de jogos na educação está intimamente relacionada ao desenvolvimento e à aprendizagem dos alunos.

Segundo Brian Waniewski (2013)1, um jogo nada mais é do que um espaço interessante de problematização. Nele, coloca-se um jogador que precisa encontrar uma solução para algum desafio, e se colocam, também, regras e um objetivo muito claro. Para esse professor, “jogos e ambientes de múltiplos jogadores convidam as pessoas a colaborarem na resolução de problemas difíceis e funcionam muito bem como ambiente de aprendizagem”.

Por essa abordagem, assume-se “[...] que não existe fracasso. As pessoas jogam, jogam e jogam, erram, erram e erram, e não há problema, não tem a ver com fracasso” (Waniewski, 2013).

Ainda de acordo com Waniewski (2013):

Todo aprendizado na escola é desenvolvido com o objetivo de despertar nos alunos o que chamamos de “necessidade de aprender”. Não queremos alunos aprendendo coisas só porque dizemos que eles deveriam aprender. Queremos criar um espaço ou contexto para disponibilizar o conteúdo que nós acreditamos que seja importante para eles. [...] que permita que eles próprios ativem seus próprios interesses, suas próprias paixões para tornar o aprendizado significativo no contexto de seu mundo e suas vidas.

Em relação à avaliação, nesse tipo de proposta, durante o aprendizado solicita-se aos alunos a produção de video games, blogs, tutoriais, modelos físicos, que servirão de evidências sobre o nível de aprendizado dos alunos. Além disso, no final de um período, os alunos são convocados a resolver um grande desafio de maneira colaborativa. Nesse momento, a comunidade, pais, instituições poderão ser convidados para acompanhar o processo avaliativo.

E o que se avalia? Segundo Waniewski (2013), por meio das avaliações se verifica a aprendizagem de competências importantes para o desenvolvimento das crianças, bem como o aprendizado socioemocional, a capacidade de trabalhar em grupos, de autocontrole, de empatia, de agir de maneira produtiva na comunidade. Avalia-se também outro grupo de competências, baseadas no raciocínio, na resolução de problemas complexos, na construção de hipóteses e na capacidade de refletir durante o processo.

Assim, ocorrem incontáveis transformações na forma de pensar dos alunos, no seu engajamento, no aumento da motivação e na formação de um pensamento independente, resultando no redesenho da aprendizagem.
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Além disso, o jogo como prática cultural é um elemento potencializador que

[...] pressupõe a interação social [...] na escola, justamente pela capacidade de criar vínculos entre os pares (jovens estudantes, dos pares com os mestres – adultos professores) e de ambos com os saberes e fazeres que circulam dentro e fora da sala de aula. (Meinerz, 2013:102;105).

Dessa maneira, a aplicação de jogos no ambiente escolar resulta uma variedade de possibilidades abertas a uma aprendizagem significativa. Ou seja, resulta não só em informação, mas também em reflexão, emoção, sentimento e afetividade.



Sobre planejamento, aplicação e avaliação

Pode-se ver que a aplicação de jogos na escola e a criação de jogos para a escola são coisas muito sérias. E, como tal, necessitam ser planejadas. É importante salientar que não se propõe, com isso, didatizar o jogo

[...] no sentido de pensá-lo como técnica única ou método capaz de garantir melhores resultados em relação aos vividos em nosso cotidiano como professores [...] [mas] sim as potencialidades dessa prática que compreendemos ainda pouco explorada [...].

A aula [...] é assim compreendida como espaço de interação e de experimentação, lugar pensado e organizado para a realização de múltiplas e diferenciadas aprendizagens, em que o jogo é admitido e valorizado (Meinerz, 2013:102;103).

Nesse sentido, um jogo pode ser criado e aplicado com base em estratégias como a criação de ambientes de estudo individuais e grupais, a organização propositiva de ambientes interativos com previsão do exercício do escutar/compreender e do falar/argumentar, o desenvolvimento de lideranças e de regramentos, a proposição de recortes temáticos e conceituais, dentre outras (Meinerz, 2013:115).

Para pensar o planejamento e a criação de jogos, ajudam os critérios defendidos por Fernando Seffner:

••A escolha de uma temática concebida dentro do contexto de estudo e dos conteúdos planejados pelo professor.

••A coerência com a idade dos alunos, suas experiências culturais e os temas já estudados.

••A operação com os conceitos.

••A apresentação de uma abordagem interdisciplinar.

••A articulação com o presente ou com a identidade cultural dos alunos, com as culturas juvenis ou com cenários futuros de vida dos alunos.

••A recepção e a curiosidade por parte dos alunos.

••O reconhecimento e a valorização do saber que os alunos já possuem.

••A oportunidade de os alunos perceberem que seu presente está relacionado com o passado e em seus projetos de futuro.

••A produção autoral e autônoma dos alunos.

••A problematização e a situação em diferentes espaços e tempo.

••A conexão com uma diversidade de fontes (jornais, vídeos, sites, livro didático, música, gravura e outras).

••A argumentação e a confrontação de ponto de vista.

••A estruturação baseada em critérios e regras bem definidos.

••O trabalho com várias informações, ou seja, de modo complexo, orientando os alunos a verificarem recorrências, mudanças e permanências dentro de cada situação estudada.

••A contribuição para que os alunos expressem sua alegria por uma descoberta, por ter dado uma opinião e por ter se manifestado diante do grupo de maneira correta.

••O estímulo ao uso das novas linguagens e tecnologias.

••A oportunidade de o aluno se interrogar sobre sua própria historicidade.

••A busca pelo desenvolvimento de competências e habilidades, abrindo possibilidades para novas aprendizagens no sentido estrito (2003:48-62).

Além disso, na criação de um jogo não se pode deixar de pensar em sua arquitetura, de acordo com Salen e outros (2011). Nessa arquitetura, articulam-se (INSTITUTE OF PLAY, 2012):

Objetivos de aprendizagem: o que o jogador ou a equipe vão aprender com o jogo ou que conhecimentos serão retomados ou aplicados no jogo?

Objetivo(s) do jogo: o que o jogador ou a equipe precisa fazer para vencer o jogo? O que se quer alcançar/realizar, e que, no caso dos jogos educacionais, está intrinsecamente relacionado com o(s) objetivo(s) de aprendizagem?

Desafio: que obstáculos estão postos para que cada jogador ou equipe atinja o(s) objetivo(s) de modo prazeroso e divertido?

Mecânica: que ações ou movimentos o jogador ou a equipe devem ter para jogar?

Componentes: que peças compõem o jogo?

Regras: a que restrições o jogador ou a equipe estará sujeito(a)?

Espaço: onde o jogo será realizado?


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É imprescindível ter claro cada um desses elementos tanto quando se pretenda criar ou aplicar um jogo no ambiente escolar.

Finalmente, como avaliar a eficiência de um jogo? Os critérios apresentados por Lino de Macedo, no livro Ensaios construtivistas (1994), podem nos ajudar:

••a observação das regras e da dinâmica do jogo e as composições de articulação pelos participantes, as estratégias e as possibilidades de atuação;

••a reconstituição dos conceitos, dados e fatos elaborados; a comparação de informações e articulação com os saberes já construídos;

••a antecipação das jogadas a partir da interação entre os participantes; e

••a necessidade de justificar o ponto de vista pelos alunos, a tomada de decisões, o respeito às normas ou a revisão dos contratos estabelecidos.

Para concluir

Vê-se que não se deve limitar os objetivos da criação e da aplicação de jogos à aprendizagem de conteúdos, pois isso seria reduzir o seu potencial. Sem dúvida, os alunos colocados diante de situações lúdicas e desafiadoras ampliam o conteúdo estudado e desenvolvem aptidões cognitivas, físicas, mentais e emocionais, além de encontrarem motivação para um desempenho mais significativo, permeado pela aprendizagem e pela socialização. Eles são, em outras palavras, impulsionados a ressignificar sua postura diante dos desafios do mundo.

Nesse contexto, cabe questionar: Qual é o lugar do livro didático no contexto da criação e aplicação de jogos no ambiente escolar? A proposta aqui apresentada baseia-se na associação do uso de jogos ao uso crítico do livro didático. Ora, ambos são recursos indispensáveis à aprendizagem, principalmente se pensarmos em uma gradação sistemática sobre a compreensão de conceitos e apreensão de habilidades.

A associação dos jogos ao ambiente escolar possibilita aos estudantes uma nova relação com o conhecimento. Os alunos podem jogar na sala de aula utilizando livros, planilhas, pesquisas e computadores. Isso gera um movimento diferente na sala de aula — um envolvimento maior com a própria aprendizagem: os alunos fazem uma apresentação interativa, agrupam-se em equipes, utilizam livros diversos, fazem perguntas sobre o que estão aprendendo aos colegas e aos professores. Essa movimentação cria uma ligação entre o conhecimento e a experiência de aprender.

A criação e a aplicação de jogos na escola podem contribuir para que os alunos se envolvam e aprendam de maneira divertida, prazerosa e transformadora, o que proporciona a eles desenvolver suas diversas potencialidades, como a criatividade, o prazer, a interação entre as pessoas, a cooperação. Enfim, oferece aos alunos a oportunidade de uma releitura da própria experiência de aprendizagem.

7. Avaliação

Nesta coleção, concebe-se a avaliação como formativa, tal como discute Antoni Zabala, em A prática educativa (1998). Segundo ele, avaliar compreende vários momentos:

a. a avaliação inicial, cuja finalidade é identificar o que os alunos já sabem sobre o que será tratado, visando subsidiar o planejamento do trabalho;

b. a avaliação reguladora, cujo objetivo é acompanhar as aprendizagens que vão sendo efetivadas pelos alunos, para que se possa ir ajustando as atividades às suas necessidades e possibilidades;

c. a avaliação somativa, cuja intenção é sintetizar as aprendizagens realizadas pelos alunos ao término de um período;

d. a avaliação integradora, momento em que a finalidade é analisar todo o percurso do aluno, nos mais diferentes aspectos: realização das atividades nos prazos acordados; disponibilidade para revisão de textos e para trabalhos em parceria, entre outros aspectos.

A avaliação — e o respectivo registro — é compreendida, portanto, como recurso indispensável tanto para permitir ao professor identificar as aprendizagens realizadas, quanto para uma análise da qualidade da prática pedagógica.

A avaliação na produção de textos

A competência do aluno para produzir textos — sejam eles orais ou escritos — precisa ser avaliada em relação à constituição dos comportamentos escritores (e de falante) já mencionados. Dessa forma, tome-se como critérios fundamentais:

a. A disponibilidade do aluno para planejar, revisar e reescrever o texto em função do contexto de produção definido.

b. A adequação do texto às características do contexto de produção definido, analisando se:

• o que foi escrito está adequado às finalidades colocadas para a produção;

• a linguagem utilizada e o tratamento do tema possibilitam ao leitor compreender o que se quis dizer;

• a extensão do texto — e outras características, como recursos gráficos — está adequada ao suporte;

• o texto foi elaborado de acordo com as características do gênero.

c. A adequação do texto em relação ao estabelecimento da coesão e da coerência, considerando, por exemplo, se:

• os articuladores textuais utilizados são apropriados às relações que se quiseram estabelecer;


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• não há ausência de informações importantes para a compreensão do texto;

• o tempo verbal utilizado é apropriado às características do gênero;

• os parágrafos foram organizados de acordo com critérios adequados e coerentes do ponto de vista semântico e em relação às características do gênero.

d. A correção do texto em relação aos conhecimentos tematizados ao longo do trabalho, verificando, por exemplo, se:

• há correção ortográfica e gramatical de modo que não prejudique a compreensão do texto;

• o texto foi pontuado adequadamente.

e. O texto é legível (a letra está clara, o texto está limpo e bem formatado, por exemplo).



A avaliação do processo de leitura

No processo de avaliação de leitura, é importante verificar quais comportamentos leitores foram, efetivamente, constituídos pelos alunos. Assim, deve-se considerar, além das capacidades mobilizadas no desenvolvimento das atividades apresentadas, se os alunos:

a. comentam com os colegas o que estão lendo, compartilhando leituras realizadas;

b. recomendam material de leitura a outros leitores;

c. comparam as obras lidas do mesmo leitor ou de leitores diferentes, explicitando apreciações estéticas a respeito delas;

d. comparam informações de diferentes fontes sobre um tema de interesse, discutindo interpretações de diferentes leitores;

e. arriscam-se a ler textos difíceis;

f. realizam antecipações sobre o sentido do texto que lerão, a partir de seu conhecimento do assunto, do gênero, do suporte e do veículo, verificando-as depois da leitura;

g. ajustam a modalidade de leitura — exploratória ou exaustiva, pausada ou rápida, cuidadosa ou descompromissada... — aos propósitos que se perseguem e ao texto que se está lendo, entre outros aspectos.

TEXTOS TEÓRICOS DE APOIO

Sobre concepção de linguagem

Uma questão prévia: a opção política e a sala de aula

Antes de qualquer consideração específica sobre a atividade de sala de aula, é preciso que se tenha presente que toda e qualquer metodologia de ensino articula uma opção política – que envolve uma teoria de compreensão e interpretação da realidade – com os mecanismos utilizados em sala de aula.

Assim, os conteúdos ensinados, o enfoque que se dá a eles, as estratégias de trabalho com os alunos, a bibliografia utilizada, o sistema de avaliação, o relacionamento com os alunos, tudo corresponderá, nas nossas atividades concretas de sala de aula, ao caminho por que optamos. Em geral, quando se fala em ensino, uma questão prévia – para que ensinamos o que ensinamos?, e sua correlata: para que as crianças aprendem o que aprendem? – é esquecida em benefício de discussões sobre o como ensinar, o quando ensinar, o que ensinar, etc. Parece-me, no entanto, que a resposta ao “para que” dará efetivamente as diretrizes básicas das respostas.

Ora, no caso do ensino da língua portuguesa, uma resposta ao “para que” envolve tanto uma concepção de linguagem quanto uma postura relativamente à educação. Uma e outra se fazem presentes na articulação metodológica. Por isso são questões prévias. Atenho-me, aqui, a considerar a questão da concepção de linguagem, apesar dos riscos da generalização apressada.



Concepções de linguagem

Fundamentalmente, três concepções podem ser apontadas:



1. A linguagem é a expressão do pensamento: essa concepção ilumina, basicamente, os estudos tradicionais. Se concebemos a linguagem como tal, somos levados a afirmações – correntes – de que pessoas que não conseguem se expressar não pensam.

2. A linguagem é instrumento de comunicação: essa concepção está ligada à teoria da comunicação e vê a língua como código (conjunto de signos que se combinam segundo regras) capaz de transmitir ao receptor certa mensagem. Em livros didáticos, é a concepção confessada nas instruções ao professor, nas introduções, nos títulos, embora em geral seja abandonada nos exercícios gramaticais2.

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3. A linguagem é uma forma de interação: mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação humana. Por meio dela, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à fala.

Grosso modo, essas três concepções correspondem às três grandes correntes dos estudos linguísticos:

••a gramática tradicional;

••o estruturalismo e o transformacionalismo;

••a linguística da enunciação.

[...]

GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2011. p. 41.

Sinalizações de pontos de partida

[...]


Focalizar a linguagem a partir do processo interlocutivo e com este olhar pensar o processo educacional exige instaurá-lo sobre a singularidade dos sujeitos em contínua constituição e sobre a precariedade da própria temporalidade, que o específico do momento implica. Focalizar a interação verbal como o lugar da produção da linguagem e dos sujeitos que, neste processo, se constituem pela linguagem significa admitir:

a. que a língua (no sentido sociolinguístico do termo) não está de antemão pronta, dada como um sistema de que o sujeito se apropria para usá-la segundo suas necessidades específicas do momento de interação, mas que o próprio processo interlocutivo, na atividade de linguagem, a cada vez a (re)constrói;

b. que os sujeitos se constituem como tais à medida que interagem com os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como “produto” deste mesmo processo. Neste sentido, o sujeito é social já que a linguagem não é o trabalho de um artesão, mas trabalho social e histórico seu e dos outros e é para os outros e com os outros que ela se constitui. Também não há um sujeito dado, pronto, que entra na interação, mas um sujeito se completando e se construindo nas suas falas;

c. que as interações não se dão fora de um contexto social e histórico mais amplo; na verdade, elas se tornam possíveis enquanto acontecimentos singulares, no interior e nos limites de uma determinada formação social, sofrendo as interferências, os controles e as seleções impostas por esta. Também não são, em relação a estas condições, inocentes. São produtivas e históricas e como tais, acontecendo no interior e nos limites do social, constroem por sua vez limites novos.

[...]

GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 5-6.

Sobre gêneros

Gêneros textuais: definição e funcionalidades

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Para uma maior compreensão do problema da distinção entre gêneros e tipos textuais sem grande complicação técnica, trazemos a seguir uma definição que permite entender as diferenças com certa facilidade. Essa distinção é fundamental em todo trabalho com a produção e a compreensão textual. Entre os autores que defendem uma posição similar à aqui exposta estão Douglas Biber (1988), John Swales (1990), Jean-Michel Adam (1990), Jean-Paul Bronckart (1999). Vejamos uma breve definição das duas noções:

a. Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.

b. Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante. [...]

Em geral, a expressão “tipo de texto”, muito usada nos livros didáticos e no nosso dia a dia, é equivocadamente empregada e não designa


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um tipo, mas sim um gênero de texto. Quando alguém diz, por exemplo, “a carta pessoal é um tipo de texto informal”, ele não está empregando o termo “tipo de texto” de maneira correta e deveria evitar essa forma de falar. Uma carta pessoal que você escreve para sua mãe é um gênero textual, assim como um editorial, horóscopo, receita médica, bula de remédio, poema, piada, conversação casual, entrevista jornalística, artigo científico, resumo de um artigo, prefácio de um livro. É evidente que em todos estes gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral tipologicamente variado (heterogêneo). Veja-se o caso da carta pessoal, que pode conter uma sequência narrativa (conta uma historinha), uma argumentação (argumenta em função de algo), uma descrição (descreve uma situação) e assim por diante. [...]



MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A. P. et al. (Org.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. p. 22-23; 25.

Sobre variação linguística e ensino

"O português são dois"

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Se a sintaxe brasileira vem se definindo desde, pelo menos, o século passado, e hoje tais mudanças se encontram difundidas e são as que marcam as falas correntes de brasileiros, mesmo dos de escolaridade alta em situações informais, tornar-se-á muito difícil pelo treinamento escolar – ainda mais pela desqualificação da escola e do percentual de brasileiros que a ela têm acesso – reverter esse conjunto de mudanças inter-relacionadas e consistentes, divergentes da norma-padrão, fundada na gramática do português europeu. É por isso que Mary Kato (1993:20) afirma:

O Brasil apresenta assim um caso extremo de “diglossia” entre a fala do aluno que entra para a escola e o padrão que ele deve adquiriar.

Se a criança desenvolve uma gramática consistente no processo de aquisição da sua língua materna, só pode adquirir a nova gramática da escola como se fosse uma língua estrangeira. Isso poderia ter sucesso, se o ensino da língua portuguesa estivesse em outro nível de qualidade, permitindo que a grande maioria dos professores, tal como seus estudantes, substituísse o seu vernáculo familiar pelo português escolar.

Nesse sentido, pode-se postular, pensando no futuro, que o português brasileiro, decorrente dos fatores sócio-históricos do passado e do presente já expostos e da gramática brasileira disso decorrente, muda livre do controle de uma normativização que o faz divergir do português europeu. Aproxima-os, contudo, o uso formal culto brasileiro, sobretudo escrito, daqueles poucos que possam alcançar uma escolaridade de muito boa qualidade, orientada para a aquisição do padrão tradicional. Se mudarem os fatores, ou se outros fatores entrarem nesse processo, o destino do português brasileiro e do português europeu poderá vir a ser outro.



MATTOS E SILVA, R. V. Variação, mudança, norma e a questão do ensino do português no Brasil. In: ________. “O português são dois”... Novas fronteiras, velhos problemas. São Paulo: Parábola, 2004. p. 142-143.

Nada na língua é por acaso: ciência e senso comum na educação em língua materna

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Diante de tudo o que se argumentou até agora, como devemos tratar os fenômenos de variação e mudança na educação em língua materna? Existem três respostas possíveis:

a. desconsiderar as contribuições da ciência linguística e levar adiante a noção de “erro”, insistindo no ensino da gramática normativa e da norma-padrão tradicional como única forma “certa” de uso da língua;

b. aceitar as contribuições da ciência linguística e desprezar totalmente a antiga noção de “erro”, substituindo-a pelos conceitos de variação e mudança;

c. reconhecer que a escola é o lugar de interseção inevitável entre o saber erudito-científico e o senso comum, e que isso deve ser empregado em favor do aluno e da formação de sua cidadania.

A opção (a), embora apareça quase diariamente na mídia, defendida pelos atuais “defensores” da língua que se apoderaram dos meios de comunicação, tem de ser veementemente rejeitada por causa de seu caráter obscurantista, autoritário e, muitas vezes, irracional.

A opção (b), apesar de sua aparência de postura inovadora e progressista, na verdade despreza uma análise da dinâmica social e da complexidade das relações entre as pessoas por meio da linguagem.

Acreditamos que a opção (c) é aquela que melhor nos orienta para um tratamento sereno e equilibrado do intrincado relacionamento entre linguagem-sociedade-ensino. Esta opção nos ajuda a compreender a “dupla face” do que se chama, no senso comum, de “erro de português”.
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Qualquer análise que desconsidere um desses pontos de vista – o científico e o do senso comum – será, fatalmente, incompleta e não permitirá uma reflexão que permita analisar a realidade linguístico-social nem a elaboração de políticas que auxiliem na constituição de um ensino verdadeiramente democrático e formador de cidadãos.

A escola não pode desconsiderar um fato incontornável: os comportamentos sociais não são ditados pelo conhecimento científico, mas por outra ordem de saberes (representações, ideologias, preconceitos, mitos, superstições, crenças tradicionais, folclore, etc.). Essa outra ordem de saberes pode sofrer influência dos avanços científicos, mas quase sempre essa influência se faz de forma parcial, redutora e distorcida. Querer fazer ciência a todo custo sem levar em conta a dinâmica social, com suas demandas e seus conflitos, é uma luta fadada ao fracasso.

A sociolinguística nos ensina que onde tem variação (linguística) sempre tem avaliação (social). Nossa sociedade é profundamente hierarquizada e, consequentemente, todos os valores culturais e simbólicos que nela circulam também estão dispostos em categorias hierárquicas que vão do “bom” ao “ruim”, do “certo” ao “errado”, do “feio” ao “bonito”, etc. E entre esses valores culturais e simbólicos está a língua, certamente o mais importante deles. Por mais que os linguistas rejeitem a norma-padrão tradicional, por não corresponder às realidades de uso da língua, eles não podem desprezar o fato de que, como bem simbólico, existe uma demanda social por essa “língua certa”, identificada como um instrumento que permite acesso ao círculo dos poderosos, dos que gozam de prestígio na sociedade. [...]

Uma das tarefas do ensino de língua na escola seria, portanto, discutir criticamente os valores sociais atribuídos a cada variante3 linguística, chamando a atenção para a carga de discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de que sua produção linguística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa.

[...]


BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: ciência e senso comum na educação em língua materna. Disponível em:
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