Samantha James Alana, a Bruxa



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Capítulo IX

Ví a morte. Vi as trevas... Vi você...

— Você ergueu sua espada — ela relatou, trêmula. Ergueu a espada para... me matar.

— Que bobagem é essa, saxã? — Merrick indagou, impa­ciente. — Não preciso de espada para submetê-la. E, embora eu já tenha pensado em matá-la, nunca feri mulheres inde­fesas.

Mas Alana continuava a encará-lo como se ele fosse a mais repugnante das criaturas.

Pensativo, lembrou-se do momento em que a vira pela primeira vez na floresta. Ela o fitara com o semblante páli­do, assustado e quase aterrorizado. Foi então que a desco­berta o atingiu como um golpe repentino no estômago. Alana estava com medo dele desde aquele dia.

— Quando nos encontramos na floresta — Merrick dis­se —, você me olhou como se eu fosse uma aparição do inferno.

Ainda trêmula, Alana respirou fundo para angariar coragem.

— É verdade — murmurou. — Eu já tinha visto seu ros­to antes.

— Não pode ser — Merrick irritou-se.

— Juro por tudo que é mais sagrado! Eu já tinha visto você.

— Onde? Nesse sonho?

Os vestígios do sonho começavam a se dissipar. O cora­ção de Alana também se acalmou. Merrick lá estava, arro­gante como sempre. A realidade se instalava.

-— Sim — ela respondeu. — Você zombou do fato de os aldeões me chamarem de bruxa. Mas a verdade é que acreditam mesmo que eu seja amaldiçoada.

— E você é?

As emoções eram uma turbulência só. Alana abaixou a cabeça, grata pelos cabelos ocultarem seu rosto. Mas a ver­gonha a fez chorar.

— Eu não sei.

Merrick nada disse. Mas Alana sentia que ele a observa­va intensamente.

— Eu não deveria estar aqui. Preciso ver Simon.

— A febre de Simon se foi e ele está bem. Meu sobri­nho pode passar a noite sem você — Merrick praticamente ordenou.

Alana engoliu em seco e ergueu os olhos. Que erro cras­so! Deparou-se com a visão de um peito musculoso, nu e viril. Ele nem sequer lhe deu atenção quando apagou a vela e se deitou.

Ansiosa, Alana fez o mesmo. Ela e Merrick não se toca­vam, mas era possível sentir o calor que emanava do corpo moreno. A certeza de que o homem estava nu a apavorava. Porém, à medida que o tempo passava e ele nada fazia para tocá-la, Alana se deu conta de que Merrick não representa­va uma ameaça.

— Esse sonho surge com freqüência, saxã? — ele inda­gou, de repente.

— Não. Tive esse sonho duas vezes até agora.

— Já sonhou com outras coisas?

Oh, Merrick era esperto mesmo!

— Já — Alana respondeu de pronto.

— Há quanto tempo tem esses sonhos?

— Não me lembro. Ele persistiu.

— É por isso que os aldeões a chamam de bruxa? Por cau­sa dos sonhos?

Embora desejasse negar, ela não ousou.

— É.

— Acho que sei qual é a natureza desses sonhos, saxã. Ele prevêem o futuro?



Ela o encarou, hesitante.

— Às vezes.

— E essas visões se tornam realidade?

Uma avalanche de lembranças que ela preferia esquecer a assolou.

— Sim, algumas.

Merrick mudou de posição para melhor observá-la. Alana enrijeceu.

— Fale-me dessas experiências.

Já o conhecia o suficiente para saber que ele não a dei­xaria esquivar-se. Logo, Alana não tinha escolha a não ser contar sua história.

— Certa vez, sonhei com a esposa do leiteiro, que daria à luz em breve. No meu sonho, o bebê nasceu com os pés vol­tados para dentro.

— E foi o que aconteceu? Ela assentiu.

— Havia um fazendeiro escocês que morou algum tem­po na aldeia. Sonhei que seu filho estava diante dos desfiladeiros de Brynwald, logo acima do oceano. Então de uma só vez — ela agarrou as cobertas de pele — eu o vi caindo nas águas do mar.

— E depois?

— Depois ele foi encontrado morto. O corpo do menino estava na praia.

— Mas como? — Merrick ficou explicitamente surpreso.

— Os aldeões disseram que eu o tinha empurrado. Somente minha mãe e Aubrey acreditaram que podia ter sido um acidente. Só eles acreditaram na minha inocência. — Alana respirou fundo, pesarosa. — Agora você sabe, normando. Agora sabe por que me chamam de bruxa.

Como ele nada dissesse, ela se virou para fitá-lo. Devido à penumbra do quarto, divisou apenas o brilho dos olhos azu­lados. De súbito, assustou-se quando Merrick segurou-lhe as mãos.

— Se fosse uma bruxa, você já teria fugido de mim há muito tempo.

— Sim, mas tentei...

— Tentou fugir — ele complementou. — E conseguiu.

Por acaso, o normando zombava dela? Alana não podia dizer. Embora claramente discernisse a silhueta de Merrick, não conseguia divisar a expressão do rosto.

— Venha aqui — ele a convidou. — Ainda está tremendo.

Por um momento, ocorreu-lhe que o havia desagradado mais uma vez. Alana meneou a cabeça, mas antes que pudes­se protestar, ele a puxou de encontro a si.

Alana não ousou se mover. Sentiu imediatamente que Merrick estava nu. Seus braços achavam-se prensados pelo tórax peludo. Sua face repousava sobre a pele quente do ombro largo.

Nunca conseguiria dormir, não naquela posição! Entretanto, a respiração de Merrick era como um casulo e a presença dele, um refúgio. A mente de Alana trabalhava sem cessar. Não era certo sentir-se tão segura. Não fazia sentido porque ele era uma ameaça. Mas, curiosamente, sentia que nada poderia feri-la.

Já havia amanhecido quando ela acordou. Estava enco­lhida na cama, ainda zonza de sono. Sentiu um frio absurdo, pois Merrick não mais deitava a seu lado.

Lembrou-se da noite anterior. Não se ateve ao sonho que a assombrara, mas sim ao que havia ocorrido depois. Uma lembrança elusiva surgiu... um sussurro suave em seu ouvi­do, um carinho gentil em sua testa. Ela havia dormido nos braços de Merrick até o sol raiar.

O coração de Alana disparou. Eram fortes aqueles bra­ços, tão aconchegantes e poderosos. Mas ao mesmo tempo tamanho poder a assustava de um jeito que não conseguia definir.

A porta se abriu. Merrick entrou, mais garboso que nun­ca. Alana se sentou para, em seguida, se cobrir ao perceber que estava nua. Uma sábia decisão já que naquele instante preciso dois garotos adentraram o cômodo, carregando uma banheira de madeira.

Seguindo as orientações de Merrick, os criados deposita­ram a banheira diante do fogo. Então fizeram várias viagens a fim de trazer uma dezena de baldes de água. Escondida sob as cobertas, Alana observava, perplexa, a banheira encher-se com água quente.

Assim que a procissão terminou e o último garoto se foi, Merrick fechou a porta. Com aquele velho sorriso arrogante, ele a encarou. Somente então Alana percebeu, irritada, que o normando estava desperto e vestido.

— Suponho que queira que eu o banhe — ela comen­tou, apontando a banheira. Era costume a senhora do caste­lo auxiliar o banho de seus hóspedes. Porém, não era a dona daquela propriedade e, embora doesse admitir, Merrick tam­pouco era um hóspede.

— O banho não é para mim, saxã.

— Não aprecio jogos de adivinhação, normando. Para quem é a banheira, afinal?

Galante, ele indicou a água fumegante.

— Para quem poderia ser, saxã? Ela o fitou, desconfiada.

— Não espera que eu...

— Quem mais além de você necessita de um banho?

Ah, Merrick não a enganava! Sem dúvida, aquilo era uma armadilha porque ele sabia que ela estava nua sob as peles.

— Não. — Ela sacudiu a cabeça. — Não posso.

— Pode, sim, saxã. Porque estou pedindo. Não, estou ordenando.

Em um piscar de olhos, qualquer sinal de bom humor desa­pareceu. O rosto de Merrick endureceu. Não haveria meios de dissuadi-lo, Alana concluiu, como também não consegui­ria declinar a oferta.

Por fim, enrolou-se em uma pele e saiu da cama. Descalça, atravessou correndo o piso gelado. Só se desvencilhou da pele no último instante, quando entrou na banheira, espirrando água pelo chão.

Mas o santuário que esperava encontrar não se deu. Merrick não a deixou sozinha como ela imaginara. Não, o crápula, na verdade, aproximou-se e a examinou sem o menor constran­gimento. Para o desespero de Alana, o olhar de Merrick era tão audacioso e explícito quanto o homem em si.

Sentiu o rosto ruborizar. Aliás, sentiu que o corpo todo queimava, pois agora ele fitava o que ela fizera questão de esconder. Nervosa, flexionou as pernas e as abraçou de encontro ao peito.

Mesmo assim, o tormento não cessou.

O coração de Alana quase saltou do peito quando o normando se ajoelhou a seu lado.

— O que está fazendo?

— Senhora, creio que seja óbvio. — Merrick pegou um tecido que jazia sobre o banco mais próximo. — Você não tem nenhuma aia para essa tarefa. Então vou ajudá-la.

Uma aia? Agora o vilão zombava dela cruelmente!

— Não preciso de assistência, normando. E lhe agrade­ço, se puder se retirar. — A voz soou firme, mas a confian­ça vacilava.

Merrick a observava com intensidade. A modéstia defi­nhava, já que certamente era o primeiro homem a vê-la nua. E, pelo jeito, o desejo de apreciá-la não fora satisfeito.

Vira apenas o corpo de relance, vislumbres de uma tenta­ção que apenas aumentara sua fome, tornando-a impossível de ser ignorada. Mas o tempo estava a seu favor. Em breve, ela seria sua.

— Retirar-me? — Merrick repetiu. — E me privar des­te prazer?

— Prazer! Seu prazer sempre está acompanhando de minha humilhação?

Por isso, ela não o encarava. A voz soou baixa e repri­mida. Merrick se recriminou. Devia estar fora de si porque somente um idiota deixaria que lágrimas de protesto espan­tassem o desejo. Se ela bancasse a valente, a competição estaria em pé de igualdade.

— Que assim seja, saxã. Se não requer assistência, não lhe oferecerei nenhuma.

O pano de banho caiu na água. Uma barra de sabão surgiu em seguida. Alana não se gabou da sorte. Tratou de se banhar rapidamente. Esfregou bastante os locais do corpo que ele tocara. Se estivesse sozinha, o banho teria sido um paraíso. Mas com a presença de Merrick, quanto mais cedo terminas­se e se vestisse, melhor. Então, mergulhou a cabeça na água, ensaboou os cabelos e os enxaguou.

Em seguida, torceu os cachos longos o máximo que pôde. Ao final, notou uma toalha de linho em cima de outro ban­co. Merrick achava-se diante da janela e de costas para ela. Alana se levantou e saiu da banheira.

Desajeitada, enrolou-se no tecido de linho. Gotas de água ainda escorriam pelos ombros e braços. Ela estremeceu de frio, pois sua maior preocupação era cobrir o corpo, não se secar. Ao se acomodar diante da lareira, começou a desemba­raçar os cabelos com os dedos.

Estava tão absorvida pela tarefa que não notou a aten­ção de Merrick totalmente voltada a ela. Os olhos azuis a devoravam. O linho havia aderido ao corpo molhado, real­çando os seios e os quadris. A pele dos ombros nus brilha­va como pérola. Uma estranha sensação o invadiu. Queria arrancar aquela toalha e explorar com os lábios e mãos o que ela escondia tão desesperadamente.

Alana olhou ao redor, à procura do vestido e da combina­ção. Pelo canto dos olhos, notou que Merrick não mais esta­va à janela. Suas roupas jaziam ao pé da cama. Quando fez menção de pegá-las, ele se adiantou e tomou-as.

— O que é isso, normando? — Alana quis saber. — Agora pretende roubar minhas roupas?

Sem nada dizer, Merrick marchou até a lareira e jogou o traje no fogo. As chamas aumentaram no mesmo instante.

— Ficou louco? — Alana não podia acreditar. — Você incendiou meu lar. Minhas posses. E agora queima minhas roupas!

— Saxã, você é minha agora. Vou prover o que precisar.

— Prover o que eu precisar? — Ela se ofendeu. — Não tenho mais nada para vestir!

Ele não respondeu. Caminhou até uma cadeira, onde havia uma pilha de trajes dobrados nos quais Alana não reparara.

— Creio que essas roupas são mais adequadas, saxã. — Uma por uma, ele expôs as peças. Alana ficou atônita. Havia uma combinação, um vestido verde e até um par de sapatos.

— São para você, é claro — Merrick continuou. — Mas não me oporei, caso queira permanecer como está. Gosto de seu corpo, saxã.

Alana corou da cabeça aos pés. Sem conter a curiosidade, tocou o tecido macio da combinação. O traje delicado era um dos mais finos que ela vestira.

— E então, saxã? — Merrick interpelou-a. — Imaginei que essas roupas fossem de seu agrado. Enganei-me?

— Sybil me contou que a maior parte de suas coisas lhe foi tomada — ela disse. — Se essas roupas lhe pertencem...

— Não, saxã. São de Geneviève. Trouxe comigo alguns pertences de minha irmã da Normandia. Fique tranqüila. Ela não precisa de tantas roupas — Merrick explicou.

Quando ele voltou a seu posto diante da janela, Alana ves­tiu a combinação. Soltou então uma exclamação de deleite. Nunca sentira algo tão sedoso em sua pele! O vestido veio em seguida. Acariciou o traje aveludado e depois calçou os sapatos, que lhe serviram perfeitamente.

Mas quando terminou, ficou sobressaltada. Merrick ins­pecionava cada detalhe de sua aparência. Chocada, obser­vou-o tomar-lhe a mão e beijá-la.

— Saxã — ele sorriu —, você está linda. Sua beleza sem dúvida é incomparável.

Alana corou e tentou puxar a mão. Mas Merrick não a sol­tou. Puxou-a para si e a envolveu com sua masculinidade.

— Solte-me — ela pediu.

— Não. Está na hora de você mostrar um pouco de gratidão.

Furiosa, ela o encarou.

— Pelo quê?

— Ora, pelo vestido!

— O vestido é de sua irmã, não seu.

— Mas foi minha generosidade que lhe permitiu vesti-lo. Recompense meus esforços.

No mesmo momento, Alana sentiu-se desconfortável naquele traje tão fino. Afinal, não era uma dama. Tampouco possuía jóias para enfeitar sua cintura ou uma touca. Seus cabelos, ainda molhados, caíam embaraçados sobre os ombros. Certamente, sua irmã assemelhava-se mais a uma dama, pensou, infeliz. Ele agora a ridicularizava!

Lágrimas ofuscaram-lhe a visão.

— Está brincando comigo, normando.

— Vamos parar de brincar — Merrick murmurou.

Embora protestasse, Alana não conseguiu se livrar dos braços fortes. Também não teve tempo de raciocinar porque os lábios ávidos de Merrick cobriram os dela sem aviso.

O beijo, além de doce e mágico, foi sedutor. Com apenas a pressão da boca, ele lhe roubava o ar dos pulmões. Contra a própria vontade, Alana viu-se enfraquecer, tomada pelo fei­tiço do normando. Os braços a apertavam. Estava tão colada ao corpo viril que podia sentir a pulsação do membro mas­culino.

Uma onda de medo a invadiu, mas não foi capaz de rea­gir. Agarrava-se a ele, como se não mais possuísse forças para ficar em pé.

De súbito, ouviu-se um ruído grave. O som veio de lon­ge. Alguém batia à porta, Alana deduziu, apesar do nevoeiro que obstruir sua mente.

A batida soou, dessa vez, mais violenta.

— Meu senhor — uma voz o chamou.

Merrick praguejou. Marchou até a porta, abriu-a e enca­rou com toda sua ira o soldado que os interrompera.

— Meu senhor, há um mensageiro lá embaixo — o homem informou. — Sua irmã chegou à Inglaterra com segurança e aguarda sua escolta em Londres.

No hall, Merrick prendeu a espada à cintura. Da pequena passagem que levava à escadaria, Alana notou que ele esqua­drinhava o salão como se procurasse alguém. Ocorreu-lhe que poderia ser ela a pessoa em questão. Embora se escon­desse às sombras, Merrick finalmente a avistou.

— Tenho sua palavra de que estará aqui quando eu vol­tar, saxã?

Alana ficou orgulhosa por enfrentá-lo sem pestanejar.

— Faria diferença, se eu aqui não estivesse?

— Faria, sim — ele respondeu, irritado. — Sou seu con­quistador e senhor, saxã. Seu normando conquistador. Fará exatamente o que eu mandar.

Acima de tudo, Alana queria estapeá-lo, mas não tinha coragem. Minutos depois, ele partiu em direção a Londres.

Grata pela ausência repentina, ela voltou aos aposentos de Merrick. Tremia só de pensar no que teria acontecido se não os tivessem interrompido.

Deus, não sabia o que havia consigo mesma. O beijo ter­no a pegara de surpresa. Estivera muito perto de se entregar a algo que desconhecia. Sabia apenas que, se o fizesse, esta­ria se rendendo a ele.

Mas agora ficaria atenta. Permaneceria alerta para não cair na mesma armadilha.

Alana descobriu na manhã seguinte que Merrick mandara construir uma paliçada ao redor do domínio. Radburn era um dos escolhidos para auxiliar no trabalho. As correntes que o prendiam haviam sumido, ela reparou com alívio.

Escutara os soldados comentarem que a intenção de Merrick era transformar Brynwald em uma fortaleza. Sentiu o coração se apertar. Os saxões não possuíam nenhum inimi­go até os normandos aparecerem. Até ele aparecer. Ninguém esperava nada, a não ser a crueldade normanda, pois Merrick era um normando cruel!

O tempo passou mais rapidamente do que ela esperava, embora não fosse do tipo que gostasse de ficar à toa. Tinha quase certeza de que uma poção venenosa causara a molés­tia de Simon, mas na manhã da partida de Merrick, ficou sur­presa ao ver a recuperação do rapaz, embora ainda estivesse fraco.

Ele reclamou a valer, mas Alana o obrigou a permanecer acamado. No dia seguinte, porém, Simon se rebelou e saiu para cumprir suas obrigações. Os dias que se seguiram foram como se ele nunca tivesse adoecido na vida.

Alana, por sua vez, desobedecendo as ordens de Merrick, voltou a trabalhar na cozinha e a servir as mesas. Em prin­cípio, Sybil se zangou ao ver as roupas finas de Geneviève sendo usadas pela meia-irmã. Embora ainda se lembrasse das palavras maliciosas de Sybil, não era de sua natureza vingar-se dos outros, ainda mais da irmã. Preferia perdoá-la, uma vez que sabia quanto ela havia sofrido. Felizmente, o mau humor de Sybil logo se dissipou.

Uma das poucas coisas que tinham em comum era o des­gosto de servir os soldados de Merrick. Alguns achaca­vam abertamente; outros a olhavam com desconfiança. Mas nenhuma deles ousou tocá-la, nem mesmo Raoul.

Havia também outro motivo para agradecer à ausência de Merrick. Sabia que ele não lhe permitira visitar Aubrey, não depois de descobrir que ela tencionara fugir. Apesar da idade avançada, Aubrey sempre soubera cuidar de si mesmo. Mas o cansaço evidente que ele demonstrara a preocupava sobre­maneira.

Contudo, com ou sem Merrick, não deixaria de visitar seu querido amigo.

A oportunidade surgiu certa manhã, uma semana após a partida do normando. Como não quisesse bancar a prostituta do senhor do castelo, Alana não continuou a dormir no quar­to dele. Ocupava uma cama de palha ao lado de Sybil no alo­jamento dos saxões.

Ela acordou bem cedo e, sabendo que não mais pegaria no sono, levantou-se e foi até o hall. Parou à porta em arco e espiou a manhã cinzenta. De súbito, notou que o vigia dor­mia a ponto de roncar.

Um tremor a invadiu. Se conseguisse passar por ele sem acordá-lo, teria tempo para correr até a aldeia. Tão logo se assegurasse do bem-estar de Aubrey, todos já teriam despertado e iniciado as obrigações matinais. Com o traba­lho nas paliçadas e tantos outros afazeres, ela não seria vis­ta quando voltasse ao hall. Com sorte, ninguém perceberia sua ausência.

Minutos depois, parou diante da choupana de Aubrey. Seu plano havia funcionado.

Aubrey já estava em pé.

— Alana! — Ele sorriu, feliz. — Eu me perguntava quan­do a veria de novo.

— Eu sei. — Ela o abraçou. — Prometo que tentarei visi­tá-lo com mais freqüência.

Ela preparou o desjejum de Aubrey e alimentou o fogo. O amigo parecia melhor, mas não tentou se esquivar das perguntas que ela fazia acerca de sua saúde.

— É só o cansaço da velhice, menina. Quando tiver minha idade, vai entender.

Aquele bom humor fazia parte da personalidade cativante de Aubrey. Com o coração um pouco mais leve, ela resolveu voltar ao castelo pouco depois.

Quando se aproximava dos portões, uma sensação sinis­tra a fez estremecer. Seria sua imaginação ou aquela trilha estava silenciosa demais? Alana pediu proteção a Deus, pois Merrick ficaria furioso, caso descobrisse...

De repente, ouviu-se um grito.

— Lá está ela! — alguém berrou.

Uma das aldeãs gritou de medo e escondeu a filha atrás de si.

— Foi ela quem fez isso! — outra gritou. — Quem mais ousaria macular a casa de Deus?

Alana ficou estática. Todos a estavam encarando. Aflita, fitou os rostos, um por um. Não via apenas medo nos olhares, mas também uma raiva que não entendia.

— O que foi? — perguntou. — Por que estão me olhan­do desse jeito?

Um soldado normando se postou diante dela.

— Não somos idiotas, bruxa. Sabemos o que fez na capela!

Temendo o que via nos olhos daquele homem, Alana engoliu o próprio medo.

— Não estive na capela! Fui à aldeia visitar Aubrey! O soldado a encarou com desprezo.

— Vai fingir que nada sabe sobre a capela ter sido profa­nada, o altar arruinado e as estatuas despedaçadas?

— Eu juro que não fiz nada!

Uma pequena multidão começou a se aglomerar. Alana sentia o ódio das pessoas, como se o sentimento tivesse vida própria. Ela tremia por dentro.

— Sabemos o que você fez — alguém declarou. — Sabemos o que é. É uma bruxa.

— Ela merece punição! Merece chicotadas!

— Sim, vamos chicoteá-la! — outros afirmaram.

Alguém a segurou pelo braço. Alana foi jogada com tanta força que ficou zonza. Então mãos violentas a empurraram. Ela caiu de quatro na terra enlameada.

Tudo aconteceu tão rapidamente que nem sequer teve chance de se defender. Gritou de dor assim que a primeira chibatada a atingiu. Sentiu que a roupa havia sido rasgada e que o golpe cortava-lhe a pele.

A segunda investida do chicote foi ainda mais violenta que a primeira. Alana mordeu o lábio na tentativa de supor­tar a dor agonizante. O couro a massacrava. Ela se encolheu e cobriu a cabeça com as mãos, rezando para que a tortura logo acabasse.

Alguém a puxou pelos cabelos. Estonteada de dor, abriu os olhos. O rosto de Sybil apareceu fora de foco. Ela sorriu com malícia, como se a odiasse.

— Seu vestido não está tão bonito agora, irmãzinha — Sybil murmurou.

Outra chicotada a atingiu. Uma lamúria profunda emer­giu de sua garganta. A escuridão ameaçava engolfá-la.

— Santo Deus! O que está acontecendo aqui?

A dor e a escuridão a envolviam. Alana sentiu passos duros no solo. O som parecia distante, mas conhecia aquela voz firme, aquelas mãos que a erguiam.

Ela gritou de dor quando foi carregada. De relance, enxergou rostos angustiados, raivosos e infelizes. Antes de se entregar ao mundo da escuridão, ocorreu-lhe que o havia desagradado mais uma vez. Sim, fora pega em flagrante por seu senhor e conquistador.

Seu senhor normando...



Capítulo X

Merrick e a irmã, Geneviève, pernoitaram na Abadia Denham a poucas horas de Brynwald. Tão logo a doa­ção foi oferecida, os monges receberam com honrarias os hós­pedes normandos, embora as acomodações fossem simples.

Se estivesse sozinho, Merrick não teria considerado a aba­dia. Continuaria a cavalgada até Brynwald naquela mesma noite. Embora Geneviève não costumasse se queixar, ele sabia que a irmã estava cansada já que o trajeto fora tortuoso.

Não se dera ao trabalho de permanecer em Londres, mas certamente prestara seus respeitos ao duque Guilherme. E havia muito a discutir. Merrick descobrira que Brynwald não era o único lugar onde os saxões tinham dificuldades de acei­tar o senhor e as leis normandas. Guilherme vociferou, bufou e esbravejou, determinando que a Inglaterra continuaria a lhe pertencer, a despeito dos saxões.

Por sua vez, Merrick não duvidava de que os normandos continuariam a reinar, porque, de fato, já reinavam. O duque Guilherme e a Normandia continuariam a erradicar quais­quer tentativas de rebelião que viessem a surgir.

Aliás, tal qual o duque, Merrick também se sentia pos­sessivo em relação a Brynwald. Guilherme se apossara da Inglaterra por direito de decreto, porém Merrick lutara mui­to pelo direito de obter as próprias terras. Pretendia se esta­belecer naquele vasto feudo à beira do mar e lá construir seu futuro.

Geneviève rira ao vê-lo ávido para voltar a Brynwald, mas Merrick sabia que ela também estava ansiosa para ver o novo lar e, principalmente, Simon, pois lhe contara o que acontecera ao garoto. Odiou ser portador de uma notícia tão pesarosa. Afinal fazia apenas um ano que sua irmã perdera o marido, Philippe. Ela ainda se condoía, embora soubesse disfarçar a dor, tal qual fizera quando Simon anunciara que pretendia morar com o tio na Inglaterra a fim de se formar cavaleiro.

Naquela manhã, Merrick acordara cedo, muito antes de as badaladas do sino despertarem os habitantes da abadia. Depois de se lavar e se vestir, acordara Geneviève. Ambos assistiram à missa junto com os monges e partiram em segui­da, quando o amanhecer ainda não havia iluminado a terra. Atrás deles, um dos soldados conduzia uma carroça que car­regava os pertences de Geneviève.

O dia estava nublado, mas a chuva não caiu. No meio da manhã, Brynwald surgiu no horizonte. Merrick olhou para a irmã e assentiu.

— Aquele é o domínio de Brynwald.

Na verdade, estava ansioso para ver a reação de Geneviève. O feudo não era insignificante. O castelo de três pavimentos era gigantesco para os padrões ingleses e normandos. Com o oceano ao fundo, a construção se erguia soberana em con­traste com as nuvens cinzentas. Sendo uma fortaleza natural com vista para o campo que a rodeava, precisava de modi­ficações simples, como a paliçada, para. fortificar suas defe­sas. Eventualmente ele substituiria as estacas de madeira por pedras, mas haveria tempo para isso.

Uma sensação de orgulho encheu-lhe o peito. Construiria seu futuro em Brynwald, cujas terras de estendiam para nor­te, sul e oeste. Ansiava pelo verão, quando tudo se tornaria verdejante e as sementes brotassem nos campos. Os saxões não o aceitavam, mas estava disposto a ser tolerante. Com o tempo tudo se acertaria. Merrick prosperaria e, por conseqü­ência, os saxões também prosperariam.

— Meu irmão — Geneviève sorriu —, agora vejo por que estava ansioso para voltar.

Merrick riu com extrema satisfação e prazer, uma experi­ência que jamais tivera. Aquele era seu lar. Sim, sua casa.

Foi inevitável que tal pensamento o fizesse se lembrar de alguém...

Alana.

Ele a encontraria quando chegasse? Melhor seria que a saxã houvesse cumprido a promessa porque, senão ele a obri­garia a pagar o preço, um preço exorbitante.

Estranho notar quão rapidamente se acostumara a ela. A bem da verdade, não sabia se gostava de tamanha depen­dência.

— Agora que sabe que não vai morar em uma choupana — ele disse à irmã —, vamos nos apressar.

Em questão de minutos, eles se aproximaram do domí­nio. Merrick notou que o pátio estava cheio de soldados normandos e camponeses saxões. No mesmo instante, pressentiu algo estranho. Então escutou gritos e o som inconfundível de chibatadas. Divisou, em seguida, uma forma humana enco­lhida na lama.

— Santo Deus! O que está havendo? — O chicote foi arrancado com tanta violência da mão do soldado que este cambaleou e caiu.

— Ela é uma bruxa! — o soldado exclamou. — A cria de Satã...

— A cria de Satã é você por fazer algo tão cruel — Merrick ralhou, indignado. — Agora saia da minha frente e nunca mais volte! Se o vir de novo, eu lhe darei um castigo muito pior.

A multidão recuou, mais apavorada diante da fúria do senhor feudal que temerosa daquela que chamavam de bruxa.

Merrick ajoelhou-se. Alana se esquivou quando ele a tocou. Com cuidado, tomou-a nos braços. Ela abriu os olhos e o fitou. Um gemido profundo emergiu de sua garganta, antes de pousar o rosto sobre o ombro largo.

Merrick marchou em direção ao castelo, tendo Geneviève a seu encalço.

— Quem é ela? — sua irmã perguntou, correndo escada acima para acompanhá-lo.

— É Alana, a saxã da qual lhe falei. A filha ilegítima de Kerwain. — Ele enfim chegou a seus aposentos. Deitou-a cuidadosamente de bruços na cama.

Geneviève se assustou ao ver o estado da jovem. Sob a roupa rasgada as costas estavam em carne viva.

— Água — ela ordenou, recompondo-se. — Preciso de água morna e panos limpos. Há um punhado de sálvia em meu baú. Vou necessitar da erva.

Mesmo antes de ela terminar, Merrick já estava à porta, convocando uma criada. Não se mexeu até a irmã obter tudo o que havia requisitado.

A cabeceira da cama, Geneviève já havia despido Alana. Cobrira a jovem até os quadris, deixando exposta a pele que recebera as chicotadas. Merrick empalideceu ao divisar as costas ensangüentadas.

— Jesus — murmurou.

— Se o ferimento for bem cuidado — Geneviève esclare­ceu —, não deixará cicatriz.

Calado, Merrick continuou ao lado da cama, como uma sentinela.

Ágil e eficiente, Geneviève limpou as feridas.

— Por que a chamaram de bruxa?

Ela tem sonhos, visões que freqüentemente se tornam realidade.

Por fim, ele se sentou em um banco. Tirou uma mecha dourada que cobria o rosto pálido e limpou um pouco de ter­ra na têmpora. Alana abriu os olhos. Após alguns segundos, ela o reconheceu e ergueu a mão.

— Você não... — Alana soltou um gemido suplicante. — Não quero que me veja assim. — Então ela fechou os olhos e retornou ao reino da inconsciência.

Mesmo tenso, Merrick permaneceu onde estava, empe­nhado em sua tarefa. Pouco tempo depois, Alana acordou novamente e gritou ao divisá-lo.

Geneviève suspirou.

— Pelo jeito, ela não gosta de você, Merrick.

— Ela está delirando, Geneviève. Não tem noção do que diz.

— Verdade? — Ela o encarou, desconfiada. — Eu podia jurar que a moça tinha total consciência do que dizia e via. Vá embora, irmão. Sua presença a perturba e já que não pre­ciso de ajuda, sugiro que se retire.

— Este é meu quarto, irmã.

— Então vá procurar outro para si — Geneviève determi­nou. — Você não vai dormir aqui. Ela está fraca demais para protestar cada vez que o vê.

Resoluta, ela enfrentou o olhar severo do irmão, antes de se voltar à paciente. Embora fosse uma dama de nascença, Geneviève conhecia os homens. Sabia que o irmão possuía as mesmas necessidades sexuais que qualquer outro macho. Além disso, era fácil entender por que Merrick desejava aquela jovem. Camponesa ou não, ilegítima ou não, bruxa ou não, Alana de Brynwald era dotada de uma rara beleza.

Merrick ficou explicitamente irritado por ter sido dispen­sado, mas preferiu não discutir. Entretanto, permaneceu no quarto, embora soubesse que Alana estava em boas mãos.

Sentou-se ao lado da lareira e observou, atento, o trabalho curativo da irmã.

Alana não se lembrava dos dias que se seguiram. Oscilava entre a consciência e a inconsciência. Em seus sonhos, tinha a certeza de que havia morrido e que estava sendo castigada, porque suas costas ardiam como o fogo do inferno.

Enfim chegou o dia em que conseguiu despertar nova­mente para a realidade. Ainda sentia um pouco de dor quan­do se movia, mas o pior parecia ter passado.

Não estava sozinha. Uma mulher pequena e muito bem-vestida achava-se diante da lareira, aquecendo as mãos. Sob a touca tão branca quanto a neve, cabelos negros cintilavam como as asas de um corvo. Ela se virou, permitindo a Alana enxergar o rosto. Acima dos lábios carnudos, o nariz des­pontava com delicadeza. As faces coradas possuíam traços familiares.

— Você é a irmã dele — Alana disse como se pensasse em voz alta. — É Geneviève.

Mesmo espantada, a mulher sorriu.

— E você, pelo que me disseram, é Alana. É bom ver que finalmente acordou. Gostaria de beber alguma coisa?

Alana assentiu. Observou a normanda despejar água em uma caneca.

Geneviève passou o braço sobre os ombros de Alana e a ajudou a erguer o torso. Foi então que descobriu que usava uma camisola de linho. Seria da irmã de Merrick? Ela bebeu toda a água e voltou a se acomodar nos travesseiros, surpre­sa com o grau de fraqueza que sentia.

— Imagino que esteja fraca por causa da fome que deve estar sentindo — Geneviève comentou e nem sequer esperou a confirmação da paciente. Caminhou até a porta, onde falou em voz baixa com alguém do lado de fora.

Curiosa, Alana continuava a observá-la. Imaginava que Geneviève fosse um pouco mais velha que Merrick. Seus olhos também eram azuis, mas transmitiam ternura e não a frieza habitual do senhor normando.

— Se não se importar, eu gostaria de ver seus ferimentos — a irmã de Merrick pediu.

— Não é necessário — Alana apressou-se em dizer. — Sinto-me recuperada.

Geneviève a fitou com reprovação.

— Não precisa se constranger. Fui eu quem cuidou de você nos últimos dias.

Embora soubesse que tamanha modéstia era tolice, Alana cobriu-se até o pescoço. Mas, instantes depois, reconsiderou e deitou-se de bruços. Geneviève, extremamente cuidadosa, abaixou a camisola até a altura dos quadris. Após limpar os ferimentos com água morna, ela passou sálvia sobre a pele.

Alana prendeu a respiração, embora o desconforto fos­se mínimo. Imagens fragmentadas dos últimos dias resvala­ram sua mente. Ocorreu-lhe, além das mãos gentis daquela mulher, a lembrança de outro toque mais poderoso.

Merrick, concluiu. Ele também estivera à cabeceira da cama. Na verdade, fora ele quem a carregara até o quar­to. Confusa, recordou-se de que havia algo no tom de voz que antes não existia. Medo? Claro que não. Preocupação? Nunca!

Quando Geneviève terminou, uma bandeja de comida foi entregue. Ela colocou a refeição no colo de Alana.

— Merrick deve estar furioso comigo — ela murmurou.

— Furioso? — Geneviève passou a tigela de sopa para a convalescente. — Meu irmão passou a maior parte do tem­po a seu lado, uma presença que me aborreceu sobremaneira, devo confessar. — Ela sorriu ao ver a expressão espantada de Alana. — E a aborreceu também. Você deixou bem claro que não queria que ele a visse.

Alana estremeceu. Tal revolta sem dúvida devia ter enfu­recido Merrick.

— Mas meu irmão é teimoso. Tive receio de que ele se recusasse ir a Londres a pedido do duque Guilherme. Estava muito preocupado com sua saúde. Só partiu quando eu garan­ti que você não mais corria perigo.

Geneviève estava equivocada, Alana pensou. Merrick a desprezava tanto quanto ela o desprezava.

— Ele foi para Londres outra vez? — Deus, o que havia de errado com ela? Parecia decepcionada.

— Foi.


— Por que você não tem medo de mim? — Alana per­guntou. — Seu povo e o meu pensam que sou uma bruxa, sabia?

— Eu sabia. Você não é mais bruxa do que eu.

— Mas sou uma saxã.

— E eu sou normanda — Geneviève declarou. -— Você me odeia pelo que sou? Por ter nascido na Normandia?

Alana não estava preparada para tanta honestidade. Entretanto, não podia mentir para aquela mulher.

— Odeio o que os normandos fizeram. Odeio o que seu irmão fez. Mas sei que você não teve participação nenhuma no que aconteceu aqui. — Ela fez uma pausa. — Não, eu não a odeio, Geneviève da Normandia.

Ficou evidente, através do sorriso caloroso, que Geneviève apreciou a resposta. Alana concluiu que, além da beleza físi­ca, a normanda também possuía beleza espiritual.

— Também não vejo motivo para sermos inimigas. Seria, aliás, uma contradição de minha parte, porque, sem você, meu filho não estaria vivo. Desagrada-me muito o fato de Simon ter escolhido ser um cavaleiro como o pai e os tios. Mas sei que ele jamais atenderia ao chamado da Igreja.

Uma expressão melancólica dominou o lindo rosto.

— Então, enquanto os homens saem para a guerra, as mulheres em casa permanecem. — Geneviève suspi­rou. — Acredito que as mulheres compartilhem as mesmas esperanças e medos que eles. O amor que nutrem por seus homens é constante. Mas a lealdade dos homens está sem­pre mudando. Agora basta. Precisa se alimentar, Alana, para recuperar sua força.

Cordata, Alana a obedeceu. Quando terminou, percebeu quão famélica estava. Geneviève sorriu, satisfeita.

Alana então bocejou, cansada ao extremo.

— Perdoe-me. Não quis ser rude.

— Não precisa se desculpar. — Geneviève a cobriu. — O sono é a melhor maneira de o corpo sarar e combater a dor.

— Que estranho. — Alana a fitou, intrigada. — Minha mãe costumava dizer a mesma coisa.

— Nesse caso, creio que sua mãe e eu teríamos nos dado muito bem, tão bem quanto nós duas. Tenho certeza! — Ela apertou a mão de Alana e deixou-a a sós.

Apesar da exaustão, levou algum tempo até ela conseguir pegar no sono. Geneviève não era o que imaginara, embora não soubesse ao certo o que esperar da irmã de Merrick. Só vira tamanha serenidade em sua mãe, por isso ela ganhara a confiança daqueles que tratara. No fundo, Alana sentia uma estranha afinidade com Geneviève, algo que jamais vivera com Sybil.

No dia seguinte, Geneviève decidiu que era hora de Alana se exercitar no pátio.

— Precisamos de uma combinação e um vestido — ela pensou alto. — Onde poderei encontrá-los?

Alana corou.

— Merrick jogou minhas roupas na lareira — admitiu, envergonhada. Tinha a sensação de que Geneviève já sabia de sua relação com Merrick, embora nada tivesse insinua­do. — Ele me deu um de seus vestidos, mas creio que o traje ficou arruinado quando... — Ela se deteve. Não havia neces­sidade de dizer mais nada.

— Não faz mal. Vou pegar outro para você. Tenho muitos vestidos que não uso há tempos. Aliás, dei vários para sua irmã. Fiquei envergonhada quando ela me contou que suas roupas e posses foram saqueadas.

— Sybil? — Alana se surpreendeu.

— Sim. Merrick a tirou da cozinha para ser minha aia. — Ela sorriu, como se tal atitude evidenciasse a generosidade do irmão.

Entretanto Alana não se convenceu. Não podia dizer o que o motivara, mas duvidava de que fosse generosidade. Deixara que ela acreditasse que manteria Sybil na cozinha para sempre. Obviamente queria vê-la suplicar!

Estava contente por Sybil. Seu destino ainda jazia no lim­bo, mas pelo menos a irmã conseguira uma posição menos laboriosa.

— Obrigada — Alana agradeceu a Geneviève. -— Juro que um dia encontrarei um jeito de retribuir sua bondade.

— Não diga isso, Alana! Sou eu quem lhe deve a vida de Simon e essa dívida não poderei jamais pagar.

Alana permaneceu em seu quarto naqueles primeiros dias. As raras ocasiões em que se aventurara para além da segu­rança dos aposentos de Merrick foram em companhia de Geneviève. Embora ninguém nada comentasse, muitos saxões e normandos paravam para olhá-la com clara condenação.

Certa tarde, no entanto, Alana se viu compelida a tes­temunhar o que todos acreditavam ser sua responsabilida­de. Soltou um suspiro de alívio ao notar que a capela estava vazia. Se tivesse encontrado padre Edgar, não teria a cora­gem sequer do olhar para ele.

Caminhou até o centro da nave e parou, perplexa. No local onde a escultura de Cristo estendia suas mãos aos fiéis, nada mais restava a não ser um toco de pedra. A estátua da Virgem Maria não tinha cabeça. A visão lhe causou náusea.

Um ruído alertou-a da presença de alguém. Sybil surgiu a seu lado.

— Graças a Deus, é você, Sybil! — Alana a abraçou. — Estou tão feliz em vê-la.

— Também estou feliz em vê-la, Alana.

— Geneviève me disse que agora você é sua aia. Finalmente saiu da cozinha! Que bom!

Sybil torceu o nariz.

— Mas continuo labutando, irmã.

— Qualquer coisa é melhor que servir os normandos — Alana argumentou. — E estou certa de que Geneviève a tra­ta bem.

— Acho que sim. — Sybil deu de ombros.

Alana estranhou o desdém. Geneviève era uma mulher carinhosa e gentil, qualquer um notaria essas qualidades.

— Devo confessar, Alana, que estou surpresa em encon­trá-la aqui — Sybil comentou. — Imaginei que este seria o último lugar em que você entraria.

— Eu queria ver por mim mesma.

— Merrick ficou furioso quando viu todo esse estrago — Sybil contou. — Ficou tão raivoso que as paredes estremece­ram! Claro que garanti que você jamais faria algo semelhante e implorei por clemência. Afinal, você já tinha sido suficien­temente castigada.

Nervosa, Alana arrependeu-se de ter saído do quarto. Sybil, por sua vez, parecia alheia ao sofrimento da irmã.

— Você devia ter visto, Alana. A fuligem escureceu as colunas da torre do sino. Havia lama e estrume espalhados pela capela toda. No chão e até nas paredes. Nunca vi tama­nho sacrilégio na casa de Deus.

Outra onda de náusea invadiu Alana. Que loucura leva­ra alguém a cometer um ato tão diabólico? Que alma infame ousara afrontar a cólera de Deus...

E de Merrick.

— Não imagino quem seja capaz disso.

— Nem eu. — Sybil suspirou. — Tenho de ir, irmã, antes que Geneviève saia a minha procura.

Assim que Sybil se foi, Alana continuou onde estava, paralisada como uma estátua.

Segundo Sybil, Merrick ficara furioso. Disso ela não duvidava. Estremeceu ao imaginar o que aconteceria quan­do ele retornasse. A ausência do normando lhe proporciona­ra alívio e ajudara sua recuperação. Mas agora a perspectiva de enfrentá-lo a apavorava.

Ele acreditava que ela fosse capaz de tal sacrilégio? Não era demoníaca, tampouco bruxa! Era temente a Deus como qualquer outro.

Ocorreu-lhe então que o ar de tranqüilidade que deveria pairar na capela havia sido violado. Uma sensação sinistra a fez estremecer por inteiro. Uma força maligna certamente invadira aquela capela.

Alana correu como se fugisse dos cães do inferno. Não parou até chegar ao quarto de Merrick. Fechou a porta, ofegante.

De súbito, outro arrepio a percorreu.

Não estava sozinha.

Seu antigo santuário agora abrigava a pessoa que ela mais temia no mundo.

Merrick havia tirado o cinturão da espada e, embora não usasse trajes de guerra, a aura de poder que o circundava parecia ainda mais potente que antes.

— Você parece recuperada, saxã. Alana corou e abaixou os olhos.

— E estou.

Sentiu que ele a fitava, mas não teve coragem de encará-lo. O silêncio pareceu-lhe interminável.

— Estava ansioso para voltar, saxã. Por que sinto que a recíproca não é verdadeira?



Porque não é, ela quase desabafou. Merrick bufou, impaciente.

— Vamos, saxã. Não custa nada receber seu senhor de modo adequado.

Desajeitada, Alana fez uma cortesia. Tremia tanto que quase não conseguiu se reerguer.

— Eu... gostaria de lhe agradecer por manter a palavra e permitir que Sybil servisse sua irmã como aia.

Por um longo momento, ele nada disse.

— Onde você estava, saxã? — Merrick por fim perguntou.

A expressão severa exigia a verdade.

— Eu estava na capela.

— Na capela. Por quê?

— Eu queria ver com meus próprios olhos por que fui chicoteada.

— Entendo. Não sabia o que houve na capela?

Aquelas palavras não passavam de uma armadilha, Alana deduziu.

— Não! Eu não sabia de nada até voltar...

— Voltar? De onde?

Aflita, Alana o encarou. Ele sabia.

— Vou perguntar de novo, saxã. Onde estava naquela manhã?

A expressão de Merrick era tão dura quanto pedra. Deus, preferia ser chicoteada outra vez a suportar aquele olhar implacável.

Merrick esperava que ela mentisse. De alguma maneira, Alana sabia disso e não lhe daria tal satisfação.

— Fui ver Aubrey. Ele está velho e não tem ninguém para cuidar dele.

— Todos os dias, um de meus homens leva alimento para ele, saxã. Não ser atreva a me acusar de...

— Não o estou acusando de nada! Mas eu precisava vê-lo. Oh, não creio que vai entender, mas Aubrey me é muito pre­cioso. Eu só queria saber se ele estava vivo e bem.

Merrick cruzou os braços, mas não argumentou.

— E não sabe de nada acerca do que ocorreu na capela?

— Não. Por isso, quis ver aquelas atrocidades com meus próprios olhos.

— Por que então estava tão assustada quando entrou aqui? Havia mais alguém na capela? O que você viu?

Alana sacudiu a cabeça.

— Não vi nada. E somente Sybil estava na capela.

— Por que estava correndo?

— Não sei. — Alana não queria lhe contar o que pressen­tira. Merrick podia interpretar a sensação como mais uma prova de que era uma bruxa.

— Você me magoa, saxã. — Ele expressou um sorriso suave. — Achei que estivesse correndo porque sabia que eu havia voltado. Pensei que estivesse ansiosa para ficar a sós comigo.

Dessa vez, Alana corou a valer. Ele se aproximou até qua­se tocá-la.

— Engana-se, normando.

Quando Merrick abaixou a cabeça, o corpo de Alana enrijeceu.

— Eu esqueci que me acha repulsivo. Que me detesta com fervor. Mas pergunto-me por que, quando a beijo, sin­to seu corpo se entregar e seu coração bater tão ferozmente quanto o meu.

— Você não tem coração, normando! — Alana exclamou, desesperada. — Do contrário, não estaria me torturando des­se jeito. Não sou idiota. Sei que quer apenas me castigar!

Por mais perturbador que fosse, as mãos poderosas ao tocarem os ombros de Alana a acalmaram. E, de repente, notou que, como ele dissera, o coração passou a bater feroz­mente.

— Não — ela gemeu.

— Sim, saxã. — Merrick a abraçou. — Sim.

Ele então a beijou como se a devorasse. Em questão de segundos, o vestido caiu aos pés de Alana. A única peça que o impedia de apreciá-la nua era a combinação.

Entorpecida, ela não percebeu quando Merrick arrancou a túnica. Só atinou para o tórax amplo a sua frente. Mais uma vez, sentiu que os olhos azuis a exploravam como as mãos ágeis.

Alana cruzou os braços a fim de esconder o próprio corpo. Quando as lágrimas ameaçaram cair, virou o rosto.

— Olhe para mim, saxã. Alana não o obedeceu.

Merrick cerrou os dentes, irritado. Ela chorava, notou, embora não emitisse nenhum som.

Um impropério reverberou no ar. Ele a obrigou a fitá-lo. Os grandes olhos verdes cintilavam de pavor e lágrimas. Merrick quase a odiou naquele momento.

— Por Deus, saxã, nada fiz a você que a leve a se esconder de mim. Por acaso, eu a feri? Abusei de você? Eu a machu­quei de alguma forma?

Incapaz de falar, Alana somente meneou a cabeça.

— Eu lhe dei um lar muito melhor que seu pai — Merrick continuou. — Eu a alimentei. Ofereci a você um lugar quen­te para comer e dormir. Implorei a minha irmã que cuidasse de você do mesmo jeito que ela cuidaria do próprio filho! Por que ainda me rejeita?

Alana fechou os punhos. Se conseguisse emitir um som sequer, tinha a impressão de que as lágrimas cairiam para sempre.

— Responda, saxã! — Merrick perguntou, aflito. — Por que me rejeita?

— Não o rejeito — ela enfim disse, com pesar.

— Como não? O que é isso que você faz?

Alana continuava trêmula, como se ardesse em febre. Mas havia algo nela que revelava certa vulnerabilidade. Foi então que uma idéia estranha surgiu na mente de Merrick.

— Com quantos homens já se deitou, saxã?

— Com nenhum — Alana murmurou. — Mas você já me viu nua. Ninguém além de você jamais me tocou. Nunca dor­mi com nenhum homem... só com você.

Espantado, Merrick a encarou, como se buscasse enxer­gar a alma de Alana. Não, pensou, incrédulo. Não podia ser verdade.

— Meu Deus! Você nunca me disse que é uma donzela. E Alana tampouco negou a afirmação.

— Responda-me, saxã — ele insistiu. — Você é virgem?

— Sou. — Alana reprimiu um soluço. — Sou — repetiu e virou o rosto.

Uma onda de raiva o invadiu. Não podia possuí-la agora porque, sem dúvida, bancaria o monstro que Alana preconi­zava. Merrick estava cheio de ressentimento. Não por causa da virgindade dela, mas sim porque o medo que ela sentia era vivido. Porque Alana o olhava como se estivesse derrotada. Porque ela acreditava que ele era um animal impiedoso que a usaria sem pudores, cuidado ou sentimento.

Indignado, ele a soltou e recolheu sua túnica.

— Isso não muda nada — declarou após se vestir. — Escutou? Você será minha, como Brynwald agora a mim per­tence. — Então Merrick saiu do quarto, a passos largos.

Vencida, Alana caiu em prantos.




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