Samantha James Alana, a Bruxa



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Capítulo III

— Levante-se, saxã. Os olhos eram tão gélidos quantos os mares do norte. O tom autoritário não admitia protestos. Alana o obe­deceu. Seus joelhos tremiam tanto que teve receio de não conseguir ficar em pé. A violência que ele emanava a aterro­rizava ao extremo. O que Aubrey dissera?



Um guerreiro capaz de decepar a cabeça de um homem só com o olhar.

Alana estremeceu. Dado o humor do homem naquele momento, foi fácil acreditar em tal boato.

Merrick se abaixou para pegar a adaga, dessa vez tomando cuidado para não ficar de costas para sua oponente. Testou o peso da arma na mão e admirou o cabo delicadamente enfei­tado com pedras preciosas. Então, encaixou a adaga no cinto e voltou a encarar Alana.

— Gosta de nos acusar de ladrões. Mas talvez seja você a ladra. De quem roubou essa faca, saxã?

Alana permaneceu em silêncio. Não valia a pena contar-lhe. Ele a tacharia de mentirosa.

— Se eu fosse você, mulher, não me provocaria mais. Agora me diga. De quem é essa adaga?

Apesar da tremedeira, Alana respirou fundo e angariou coragem.

— É minha — declarou. — Eu a ganhei de meu pai.

— Seu pai! — Merrick riu. — Saxã, deve me achar o mais tolo dos tolos. Esta adaga só poderia pertencer a um homem ou mulher de posses.

— Isso mesmo — ela concordou. — Meu pai!

— Por favor, seja mais específica. Quem é seu pai? Alana cerrou os lábios.

Merrick praguejou.

— A verdade, saxã! Agora!

— Certamente deve tê-lo conhecido, normando — Alana declarou em tom mordaz. — Afinal, o senhor de Brynwald morreu sob sua espada.

— O quê? Quer dizer que seu pai era Kerwain?

— Exatamente!

— Seu pai morreu em batalha, é verdade. Mas não sob minha espada. — Ele a estudou por um instante. — E conhe­ci a filha de Kerwain. Ela usava botas macias para proteger os pés, não tiras de couro. Seu vestido também era do mais rico tecido, não um trapo velho.

— Não sou uma ladra. — Alana endireitou os ombros, ciente da roupa que usava. — Você pediu a verdade. Foi o que lhe dei. Se acredita ou não em mim, é problema seu! — De alguma maneira, ainda lhe restava um pouco de orgulho e dignidade. — Agora, normando, posso retornar à aldeia? — Ela se virou para partir.

— Não, saxã. Espantada, Alana se deteve.

— Você me ouviu. Não pode retornar à aldeia.

Ele parecia satisfeito consigo mesmo, Alana pôde ver.

— Você virá comigo — Merrick declarou. A boca de Alana ficou seca.

— Para onde? — murmurou.

— Ora, para Brynwald.

— Brynwald! — Ela não conseguiu esconder o choque. — Para quê?

Ele então sorriu de forma perigosa. Alana sentiu o coração disparar. Ele pretendia puni-la por sua insolência. Sabia que estava prestes a viver o horror.

— Talvez você esfregue o chão. Ou ajude os criados na cozinha. Ou cuide dos animais no curral. Ora, poderia até servir meus cavaleiros — o sorriso malicioso aumentou — durante a noite.

— Não! — Lágrimas ofuscaram-lhe a visão. — Não serei sua escrava.

— A servidão não é uma desgraça.

— A desgraça é servi-lo!

— E mesmo? — Ele cerrou os dentes. — Por quê?

— Porque é normando.

— É verdade. Sou um normando que agora é seu senhor e conquistador. Aceite o fato ou viva para lamentá-lo.

— Tenho escolha, por acaso? — Alana praticamente berrou.

O tom tornou-se mais arrogante.

— Escolha? Claro que não. Esteja certa de uma coisa, mulher. A escolha é minha.

E assim seria.

Alana logo descobriu que Merrick não era dado a lorotas. Ordenou que ela caminhasse à frente. Seguiu-a montado em seu cavalo negro, que resfolegava sem parar. Tinham qua­se atingido a extremidade da floresta quando uma idéia lhe ocorreu. Nas proximidades havia um lugar onde as árvores eram baixas e numerosas, o que impedia qualquer um de atra­vessá-las a cavalo. Alana se encheu de esperança. Se pudesse correr entre as árvores, Merrick não conseguiria alcançá-la sobre aquele animal gigantesco.

Melhor teria sido não tentar.

Ele a agarrou com extrema facilidade e a jogou na sela. Alana conteve a onda de pânico, pois nunca aprendera a mon­tar. Além disso, nada pôde fazer quando Merrick a puxou pela cintura, colando-a ao tórax musculoso. A proximidade era tamanha que podia sentir a respiração do normando em seu próprio corpo.

Chegaram a Brynwald ao entardecer. Tão logo atra­vessaram a paliçada de madeira, ele só puxou a rédea do cavalo quando atingiram o centro do pátio, rodeado pelas muralhas.

De alguma maneira, Alana conseguiu escorregar da sela e tombar no chão arenoso, arranhando as mãos e os joelhos. Mas não se importou. Tudo o que queria era se livrar daque­la proximidade odiosa.

O desespero a assolava. Naquela manhã, dissera a Aubrey que desejava ir a Brynwald a fim de se certificar da segu­rança de Sybil. Contudo, não imaginara entrar no domínio como prisioneira.

Estremeceu de medo. Ainda lembrava-se do sonho. Rezou para que fosse uma visão do passado e não do futuro... seu futuro.

Havia caído nas mãos do homem que temia acima de tudo e tal destino a assolara por causa da própria insensatez.

Sobressaltada, percebeu que Merrick havia desmonta­do. Sentiu os olhos azuis a observá-la. Ele então entregou a rédea do animal a um jovem magro. O rapaz possuía os mes­mos cabelos negros que seu senhor. Seria filho do norman­do? A pergunta, porém, se desfez assim que dedos firmes seguraram seu braço.

— Por aqui, saxã.

Ele a guiou pelo pátio. Havia cavalos e soldados normandos em todos os cantos, mas Alana reconheceu alguns rostos, como o do ferreiro e o da lavadeira. Ninguém a enca­rou. Aliás, todos trabalhavam cabisbaixos e quietos. O clima era severo e submisso. Somente os normandos se davam ao luxo de rir.

De soslaio, ela notou vários cavaleiros fitando-a com explícita malícia. Um deles cochichou algo no ouvido do amigo, que soltou uma gargalhada sonora. Alana sentiu o rosto corar. Nem sequer olhou para Merrick. Sem dúvida, os soldados acreditavam que ela se deitaria com seu senhor.

Determinado, ele a levou até o hall. A lareira estava ace­sa e havia mais cavaleiros reunidos à mesa, que ocupava boa parte do espaço, e outros tantos recostados às paredes.

Foi então que Alana avistou Sybil. Ela caminhava em direção à porta que dava acesso à cozinha, alojada em uma construção independente do grande hall.

Sem ligar para o homem a seu lado, Alana correu até a irmã.

— Sybil! — gritou, emocionada. Incrédula, Sybil se deteve ao vê-la.

— Alana! Como...

— Oh, Sybil! — Alana a abraçou. — Fiquei tão preocupa­da com você. Não sabia se estava viva ou morta.

Sybil fez menção de falar, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, uma sombra as envolveu. Alana já sabia quem se aproximara por trás dela. Virou-se para encará-lo.

Merrick a ignorou e se dirigiu a Sybil.

— Conhece esta mulher?

— Sim, meu senhor. — Sybil olhava apenas para o chão. — É Alana.

— Então seu nome é Alana. — Merrick sorriu. — Senhora, meus cavaleiros a encontraram caçando na floresta, embo­ra os aldeões houvessem recebido a ordem expressa de per­manecer em suas casas. Ela certamente teria me esfaqueado com esta adaga, se eu não a tivesse rendido a tempo. E ain­da contou-me uma história ultrajante... de que a arma lhe foi dada por Kerwain, de quem ela alega ser filha.

Embora quisesse gritar que aquilo tudo era verdade, Alana se conteve. Que Sybil confirmasse o fato. Talvez assim ele acreditasse.

Sybil, entretanto, permaneceu em silêncio. Tamanha hesi­tação fez com que Alana a encarasse. A irmã, afinal, não era dada a incertezas. Somente então percebeu que, pela pri­meira vez, Sybil não se mostrava tão altiva em sua nobreza. As faces estavam sujas e a touca de tecido, torta. Manchas de gordura escureciam a frente do vestido. Alguns fios de cabelos haviam escapado da trança. Alana nunca a vira tão desarrumada.

— Senhor — Sybil enfim manifestou-se —, não é menti­ra. Ela é minha meia-irmã, dois meses mais velha que eu.

— Dois meses mais velha! — Merrick exclamou. — Como é possível?

— Kerwain é nosso pai. Mas minha mãe era Rowena, que faleceu na guerra. A mãe de Alana era Edwyna, uma cam­ponesa da aldeia. Alana não foi criada no castelo. Somente eu fui.

Mais uma vez, Alana sentiu o poder daqueles frios olhos azuis. Ela o encarou sem ocultar o desdém.

— Então você não é filha legítima de Kerwain. Agora Sybil parecia ansiosa para falar.

— Não, senhor. Ela não é.

Ele continuou a fitá-la. Alana manteve-se firme. A expressão de Merrick nada revelava acerca do que estivesse pensando.

— Muito bem — finalmente disse. — Vá com sua irmã e faça-se útil — ordenou. — Decidirei seu destino mais tarde.

A princípio, Alana pensou seriamente em desobedecê-lo, aquele animal arrogante! Mas não era de sua natureza ser tão rude. E, além do mais, já havia abusado da paciência do normando e talvez não tivesse a sorte de sobreviver, caso o desafiasse novamente.

Depois de fitá-lo com orgulho, virou-se e seguiu a irmã.

Na cozinha, os preparativos para a ceia estavam em anda­mento. Sybil lhe entregou uma faca e começaram a cortar cebolas e repolho.

— Dizem que ele escraviza os sobreviventes — Alana comentou em voz baixa.

Sybil suspirou.

— É verdade. Ele capturou os que fugiram. A nós foi dada uma escolha: servi-lo ou ir para a prisão.

— E quanto a você?

Os olhos castanhos de Sybil cintilaram de tristeza.

— Também tive a oportunidade de escolher meu destino, trabalhar na cozinha ou ficar aprisionada.

— Mas você é filha de Kerwain! — Alana expressou sua indignação.

— Merrick é o senhor de Brynwald agora e só me resta obedecê-lo. — Sybil meneou a cabeça. — Não temos esco­lha. Os normandos vieram para ficar. Dizem que o duque Guilherme se apossou de toda a Inglaterra e se proclamou rei.

Era espantoso ver quão resignada Sybil estava. Alana a examinou com desconfiança.

— Ele a espancou, não foi? Ah, aquele canalha! Sybil, vou...

— Não, Alana, ele não me espancou. Na verdade, Merrick me disse que quando sua irmã, Geneviève, chegar da Normandia, não precisarei mais trabalhar na cozinha. Poderei servi-la como criada.

Alana bufou. Era impossível não notar as mãos averme­lhadas de Sybil. Não estava acostumada ao trabalho pesado e, certamente, como criada ela poderia se cuidar melhor.

— Para que esperar? Não pode servir a esposa dele? Uma mecha dos cabelos pretos de Sybil tombou sobre o rosto, escondendo o sorriso matreiro da jovem.

— Ele não tem esposa.

— Mas... vi um rapazola que sem dúvida deve ser filho dele, pois é muito parecido...

— É o sobrinho, Simon. Ele é escudeiro de Merrick. Geneviève, a irmã de Merrick, é mãe do rapaz.

Depois disso, ambas voltaram ao trabalho. Embora as mãos estivessem ocupadas, Alana sentiu certo peso no cora­ção. E, ao mesmo tempo, uma sensação de conforto a acalen­tou. Seu pai estava no céu, tal qual sua mãe, para viver com os anjos. Talvez agora pudessem ficar juntos no firmamento, algo que lhes fora impossível na vida terrena. E, apesar de lamentar a morte, de Kerwain, era um alívio saber que Sybil estava viva.

E enquanto havia vida, existia esperança.

As horas seguintes passaram em um nevoeiro indistinto. Os normandos fizeram a ceia e as irmãs os serviram. Alana realizou incontáveis percursos do hall à cozinha, carregando pesadas bandejas de comida e cerveja. Seus braços e ombros doíam por causa do peso. Sybil também parecia esgotada.

Os normandos eram totalmente rudes. Ela tentou, sem sucesso, evitar as mãos gordurentas que agarravam seu ves­tido e decote. No fundo, queria estapear aqueles glutões, mas temia ser espancada. Assistira com horror quando uma jovem derrubara uma bandeja de gulodices aos pés de um solda­do e sofrerá tal destino. Alana, portanto, preferiu suportar o assédio e ignorá-los.

Anoiteceu e tochas foram acesas. Estava a caminho de buscar mais cerveja quando alguém a segurou pelo braço. Ela se virou e deparou-se com o cavaleiro que encontrara na floresta, Raoul.

Os olhos ávidos do normando a percorreram. Alana estre­meceu de medo.

— Diga-me, minha amada. Merrick a satisfez?

— Solte-me!

Raoul a puxou pela cintura.

— As normandas dizem que ele é bem-dotado como um touro e tão resistente quanto o animal. Por isso, elas caem a seus pés. Mas eu a satisfaria muito mais, se me deixasse.

Alana encarou Merrick, que se achava sentado à mesa mais alta. Ele os observava sem emoção. Raoul se virou para ver onde o olhar de Alana se fixava. Soltou-a imediatamente, mas não antes de beliscar-lhe o braço.

— Ainda não terminamos.

Aliviada, Alana fugiu dele. Ao longo da noite, lançou olhares ansiosos em direção a Merrick, mas ele não lhe deu atenção. Quanto aos normandos, o apetite por comida só excedia a ânsia por bebida. Porém, pouco a pouco, o baru­lho constante de vozes e risadas começou a diminuir. A maio­ria dos normandos se recolheu e outros se estatelaram nas mesas e bancos. Roncos de embriaguez invadiram o ar.

Foi nesse instante que Alana atinou para o fato de que não havia ninguém no hall. Nem mesmo Merrick. Se elas fugis­sem, nenhuma alma normanda perceberia...

Sybil se aproximou, bocejando.

— Podemos encerrar agora. Tenho uma cama de palha no alojamento dos criados que se encontra no porão — ela contou, descontente. — Pode ocupar a enxerga ao lado da minha

— Tem razão. Podemos encerrar agora mesmo. — Alana segurou as mãos da irmã. — Sybil, ninguém vai ver, se resolvermos fugir ainda hoje! As sentinelas devem estar tão embriagadas quantos estes homens. — Ela sentiu a ansiedade crescer. —Vamos fugir dos normandos... de Merrick! Talvez não tenhamos oportunidade melhor que agora. Sybil esquadrinhou o hall.

— Merrick não está aqui — Alana atestou. — Certamente ele já se recolheu.

— Não sei, Alana...

— Sybil, pense! Quer ser para sempre uma escrava?

— Claro que não! Mas... Oh, talvez você esteja certa.

— Estou, sim, Sybil. Não podemos mais nos demorar.

— Para onde iremos?

— Não importa! Talvez para York. Não vê? Quero libertar você, não... nós duas do jugo desse normando. Agora apres­se-se. Quando eles acordarem, teremos de estar bem longe daqui.

Um brilho de esperança cintilou nos olhos de Sybil.

— Eles pegaram a maior parte de meus pertences, mas escondi várias bugigangas embaixo do meu catre. Se puder­mos esperar um minuto, vou buscá-las. Talvez possamos vendê-las.

Juntas elas desceram a estreita escada que levava ao porão. A maioria dos criados já havia se recolhido. Sybil entrou no quarto úmido e correu até sua cama de palha. Enquanto ela procurava seus tesouros, Alana vigiava o corredor.

— Pronto. — Sybil voltou instantes depois.

— Vá na frente — Alana sugeriu. — Você conhece o domínio melhor que eu.

O hall estava às escuras. Havia apenas brasas fenecen­do na lareira. Os que lá estavam dormiam profundamente. Alana olhou para trás. Ninguém as seguia. Seu coração ace­lerou. O portal em arco que dava acesso ao pátio achava-se somente a poucos passos de distância. Em breve, alcança­riam a liberdade.

De repente, Sybil parou. Alana quase trombou na irmã.

— Não pare, Sybil! Temos de nos apressar...

— Creio que não, saxã. Vocês duas não vão a lugar nenhum esta noite... ou em qualquer outra noite.

Alana ficou paralisada. Frustrada, engoliu um grito de revolta. Por Deus, era Merrick!

Ele praticamente ocupava todo o espaço da saída em for­ma de arco. A boca de Alana ficou seca. Faíscas mortais pareciam sair dos intensos olhos azuis.

— Estou curioso, senhoras. Quem planejou a fuga? Sybil não titubeou na hora de entregar a irmã.

— Foi idéia dela, senhor. Eu jamais teria feito isso, se não fosse por ela!

— É verdade — Alana confirmou. — Não a responsa­bilize.

Claramente contendo a raiva, Merrick encarou Sybil.

— Saia.

Sybil correu como se os cães do inferno a perseguis­sem. Embora desejasse fugir com a irmã, Alana permaneceu onde estava, trêmula de medo. Havia tentado escapar e, sem dúvida, Merrick não trataria a questão com leveza.



— Então você já criou um problema. Achou mesmo que conseguiria fugir?

O tom de voz suave não escondia a raiva. Alana mante­ve a pose. Não mostraria medo nem diante de Merrick nem de qualquer normando.

— Sim!

— Pode se esconder no fim do mundo, saxã, e ainda assim irei encontrá-la.



— E daí?

— E daí você desejaria nunca ter me conhecido — Merrick rosnou.

Um tremor a percorreu. Naquele instante, ela o odiou com todas as suas forças, já que tamanha arrogância não possuía limites.

— Fique sabendo, normando, que não suplicarei por mise­ricórdia porque sei que não tem nenhuma!

— Misericórdia? Mulher, você está viva. Sua irmã está viva. Muitos de seu povo estão vivos. Somente aqueles que ergueram suas espadas contra nós morreram. E lhe digo mais, saxã, seu destino e o de sua irmã poderiam ter sido piores. Talvez caísse nas garras de um mestre mais cruel que eu.

Como Alana nada dissesse, ele sorriu com sarcasmo.

— De seus olhos saem faíscas, saxã. Se pudesse me matar com elas, estou certo de que eu já estaria em minha sepultura. Ainda bem que não mais está com sua adaga.

— Você roubou minha adaga, normando — Alana acu­sou-o com atrevimento. — Mas saiba que sou muito boa com arco e flecha.

— Um aviso — Merrick concluiu, frio. — Eis outro aviso para você, saxã. Não tolerarei mais nenhuma ten­tativa de fuga. Se isso ocorrer novamente, juro que vai se arrepender.

Alana arrepiou-se. Se ele pretendia matá-la, por que pro­longava o tormento?

— Maldito seja! — ela exclamou. — Por que não ficou na Normandia? Se não fosse por você, meu pai ainda esta­ria vivo!

Entendo que esteja enlutada, saxã. Nada mais será como era antigamente. Como lhe disse esta manhã, somos os conquistadores e vocês são os conquistados. E assim que são as coisas. Vocês, ingleses, devem nos aceitar ou então haverá mais derramamento de sangue.

— Aceitá-los? Nunca! Então, se quer me matar, faça-o agora!

Ele gargalhou a valer.

— Acho que não, saxã. Eu e você ainda não terminamos. E posso pensar em coisas muito mais prazerosas para fazer do que matá-la.

Lentamente Merrick a circundou e se deteve diante de Alana. Estavam próximos demais. Ele não se mexia, mas os olhos azuis tomavam liberdades que nenhum outro homem jamais ousara tomar.

O terror a engoliu. Sabia o que o normando pretendia. Quando a tocasse novamente não seria mais com os olhos. Não, seria com o poder das mãos.

Alana sentiu-se gelar por dentro.

— Por favor — murmurou quase sem voz. — O que quer de mim?

Ele sorriu como se lesse cada pensamento dela.

— Creio que já sabe, saxã.

— Não. Você não pode...

— Posso, sim. — O sorriso demoníaco aumentou. — Agora sou o dono de Brynwald. Pertence a mim tudo o que era de Kerwain. E tais posses incluem você, saxã.

Capítulo IV

Ele estava furioso. Alana podia sentir o ódio. E, embora Merrick tentasse disfarçar, sabia que a desprezava.

O que Raoul dissera?

Bem dotado como um touro e tão resistente quanto o animal...

Um arrepio gélido percorreu sua coluna. Aquele normando raivoso não seria gentil com ela. O corpo musculoso pesa­va sobre si. Imagens da filha do leiteiro, toda ensangüentada, resvalaram-lhe a mente. Como suportaria aquele homem? E como conseguiria impedi-lo?

Correr seria inútil. As duas primeiras tentativas lhe mos­traram isso. Mas que escolha tinha?

— Deixe-me em paz, seu normando maldito! — Alana avançou para socar-lhe o peito.

Mas seus golpes não surtiram efeito. Merrick a jogou sobre o ombro, como um saco de grãos e subiu a escada. Alana ficou estonteada. Sentia o ombro poderoso a esma­gar-lhe o ventre. Quando enfim foi colocada novamente no chão, precisou se agarrar a algo firme para não cair. Ao per­ceber que segurava o braço de seu algoz, pulou para trás, apavorada.

O riso sonoro foi tal qual uma ferroada. Indignada, Alana desviou o olhar. Foi então que se deparou com uma cama gigante, coberta de peles. Um escudo e uma espada jaziam na parede oposta. O quarto era totalmente masculino. De súbito, percebeu que Merrick a levara ao próprio cômodo.

Lutando para manter a compostura, Alana se aproximou da lareira, cujo fogo aquecia o ambiente. Virou-se quan­do repentinamente a pesada porta de carvalho bateu. Notou que Merrick agora a supervisionava com sua arrogância habitual.

— Ainda não se satisfez com as saxãs que escravizou, normando? — Enfrentou-o com altivez.

— Se me conhecesse, saberia que não forço quem pode ser vencido com palavras doces e, sem dúvida nenhuma, carícias sensuais.

— Oh, sim. — Alana sorriu com sarcasmo. — Raoul me contou como as normandas se derretem a seus pés. Mas, saiba normando, que se algum dia eu me submeter a você, será de desgosto.

Ele continuava a sorrir, mas os olhos tornaram-se frios.

— Senhora, se fosse você, consideraria tal possibilidade, porque talvez eu fique tentado a lhe mostrar quão engana­da está. Aliás, seria um desafio provar-lhe a inverdade que alega.

Merrick tinha razão. Ela não tinha percebido que insultá-lo era o mesmo que tentá-lo.

Dessa vez, Alana nada disse. Observou-o aproximar-se de uma mesa quadrada diante da lareira. Pegou uma garrafa de vinho que lá estava e encheu um cálice. Em seguida, bebeu todo o líquido. Ao terminar, limpou a boca com a mão sem tirar os olhos dela.

Apesar da circunstância, Alana estava calma. Seu pai fora um homem gentil. Mostrara-se firme quando a ocasião exi­gira, mas jamais havia sido cruel. No entanto, Merrick era um guerreiro da cabeça aos pés. Sentia a dureza do homem, uma falta de piedade assustadora.

De súbito, ele se aproximou e parou a poucos centímetros de distância. Era tão alto que Alana tinha de inclinar a cabeça a fim de fitá-lo nos olhos. Merrick a fazia sentir-se pequena, frágil e indefesa.

— Deixe-me ver se entendi, saxã. Caso eu a tome em meus braços, vai sentir somente desgosto?

Alana ergueu a cabeça para fitá-lo.

— Sim!

— Sejamos honestos, saxã. Não estou doente e tampou­co sou um leproso. Ora, há muitas mulheres que me acham atraente.



Alana nunca encontrara um homem tão presunçoso.

— Você não é garboso como imagina!

— Ah — ele forçou um sorriso —, mas desconfio de que você seja um tesouro para quem souber apreciá-la. Vamos lá. Só lhe peço um beijo.

— Pede? — Ela sentiu-se ultrajada. — Que estranho. Pelo que vi, os normandos simplesmente pegam o que a gente tem. E sei que deseja muito mais que um beijo! Fique saben­do, normando, que não o quero. Eu não o quero!

Ambos se entreolharam furiosos. Os olhos azuis cintilavam de ódio. Mas, para a surpresa de Alana, ele nada disse.

— A guerra acabou. — Merrick retornou à mesa e serviu-se de mais vinho. — Guilherme trará paz à região. Sugiro, portanto, que deixemos de lado nossa inimizade. — Ele ergueu o cálice. — Aos normandos. Aos saxões. A união dos dois. Um acasalamento que, creio eu, começará esta noite.

Alana engoliu em seco. Ele também usava de crueldade para torturá-la, claro. Aflita, olhou para a porta.

Merrick expressou aquele sorriso do demônio. Embora o calor da lareira aquecesse em suas costas, nunca se sentira tão fria por dentro como agora.

Então, de um segundo para o outro, ele se postou dian­te dela.

— Sou um homem paciente — Merrick disse em voz bai­xa. — Mas você, saxã, está passando dos limites.

O sorriso havia desaparecido. A expressão agora se torna­va dura e obstinada. Alana tentou se afastar.

— Fique quieta — ele ordenou, segurando-a pelos quadris.

O coração de Alana estava prestes a saltar do peito. Merrick a prendeu entre os braços sem machucá-la, mas o jeito lascivo com que a fitava era odioso.

As mãos diabólicas deslizaram até as costelas e lá per­maneceram. O toque suave parecia queimar a carne de Alana, por dentro e por fora. De repente, os dedos roçaram as pontas dos seios. Seria imaginação ou ele acariciava seus mamilos?

Desesperada, ela conteve um grito que se formou em sua garganta.

— Não faça isso — sussurrou. — Por favor.

A expressão do guerreiro ficou ainda mais rígida. Os braços se tornaram amarras de ferro.

— Não vai fugir de mim outra vez, saxã — Merrick murmurou em comando.

Trêmula de pavor, Alana viu-se incapaz de falar.

— Tem medo de mim, saxã?

— Não!

A palavra emergiu rapidamente. Mas seus olhos a con­tradiziam. Eram grandes e possuíam uma coloração verde escura. Merrick sentiu a raiva ser substituída por algo mui­to diferente...



Era impossível tocá-la e continuar imune. A beleza da mulher se revelava para além das roupas esfarrapadas. Os lábios carnudos estavam entreabertos, tão rosados quanto uma flor inglesa. O desejo o instigava. Estava absolutamen­te atento à mulher em seus braços. Era tão esbelta que podia sentir a espinha dorsal. Tão pequena. Quase indefesa...

Irritado, lembrou-se de que embora vestisse trapos, ela estava longe de ser submissa. Não, Alana era orgulhosa demais para o próprio bem.

Ele não a possuiria. Não agora. Mas dava-lhe certa satis­fação ela ignorar o fato. Sorriu ao ver o medo aumentar nos olhos verdes.

— Vou lhe dizer uma coisa, saxã. Se assim eu desejas­se, você já estaria deitada nua naquela cama. Sabe disso, não sabe?

Dessa vez, não houve galhofas.

— Sei.


Merrick a soltou.

— Estou cansado e preciso dormir. Se eu fosse você, faria o mesmo. — Dito isso, pegou uma pilha de peles da cama e jogou para ela.

Alana agarrou as cobertas, ainda incerta. Merrick, por sua vez, começou a se despir.

Perplexa, Alana encarou o peito musculoso, largo e cober­to de pelos negros. Agora as mãos másculas se ocupavam com a calça de couro. Ele certamente não ficaria nu dian­te dela!

Mas, pelo que tudo indicava, sim.

Ela ficou boquiaberta. A cintura de Merrick era incrivel­mente estreita, se comparada ao peito musculoso. Ocorreu-lhe que aquele corpo possuía tanto virilidade quanto graça. Ele tirou a calça e permitiu-lhe a visão, embora rápida, do membro masculino.

O coração de Alana pareceu parar. Merrick então se deitou.

— E bem-vinda para ocupar seu lugar nesta cama — anunciou. — Sinto-me generoso esta noite e, por isso, permi­tirei que a escolha seja sua, saxã.

Foi assim que Alana percebeu que ainda segurava a pilha de peles. Uma onda de calor aqueceu-lhe as faces. Ficou envergonhada por observá-lo tão abertamente.

Mesmo abalada, deitou-se no chão, diante da lareira. Em seguida, cobriu-se até a cabeça.

Merrick riu e, no minuto seguinte, fez-se o silêncio.

Alana tremia, apesar de o quarto estar suficientemen­te aquecido. Desesperada, tentou acalmar o coração. Ainda estava chocada com o fato de Merrick não a molestar, pois tivera certeza de que o normando a estupraria na privacida­de de seus aposentos.

Por que a deixara ilesa ela não sabia. Tampouco queria saber. O que Aubrey lhe dissera a respeito do normando?

O líder que tomou Brynwald para si é conhecido como o filho do diabo, um guerreiro capaz de decepar a cabeça de um homem só com o olhar.

Alana não costumava confiar facilmente nas pessoas, e Merrick era seu inimigo! Precisava ser cautelosa. Ele ain­da não revelara o demônio que certamente era. Portanto, não ousaria confiar nele.

Mas a presença do homem naquele quarto não lhe permi­tia a calma necessária para dormir. Os pensamentos a pertur­bavam. E, embora acreditasse que não conseguiria dormir, logo seu corpo relaxou e ela adormeceu profundamente.

Uma manhã chuvosa penetrou pelas janelas quando Alana acordou no dia seguinte. Permaneceu deitada por algum tem­po, na tentativa de se localizar no tempo e no espaço. Quando a lembrança do dia anterior a assolou, ela se levantou, ainda enrolada nas peles.

Estava sozinha no quarto. Esfregou as costas doloridas e esquadrinhou o cômodo. Claro que o patife tomara para si as melhores acomodações de Brynwald.

Ajeitou as roupas e atendeu a suas necessidades pessoais. Depois de se lavar em uma bacia pequena, soltou os cabelos e os penteou com os dedos.

Sentia alívio por estar sozinha e não desejava procurá-lo.

Contudo, não pretendia enfurecê-lo, caso estivesse designa­da para trabalhar em outro lugar. Tampouco queria que ele pensasse que estava escondida no cômodo.

De súbito, a porta se abriu. Merrick surgiu, poderoso como sempre. Alana recuou um passo quando ele entrou.

— Finalmente, acordou — Merrick comentou, fitando-a da cabeça aos pés. — Começava a pensar que ficaria na cama o dia todo.

Alana estava prestes a soltar uma resposta sarcástica quando ele se afastou da porta para dar entrada a um jovem magro, o qual Sybil dissera ser Simon, o sobrinho de Merrick. Quieta, observou o garoto colocar uma bandeja sobre a mesa. Tentou sorrir para ele, mas Simon não lhe deu atenção.

Tão logo o sobrinho se retirou, Merrick apontou a bandeja.

— Imagino que esteja com fome, saxã.

Alana hesitou. Havia uma quantidade generosa de pão na bandeja e o aroma lhe dava água na boca. Para completar, o suculento pedaço de queijo parecia atiçar seu estômago. Na noite anterior, Sybil lhe dera uma fatia de carneiro, mas, devido ao nervosismo, Alana apenas provara a carne e ofere­cera o resto aos cachorros.

Desconfiada, encarou Merrick. Não entendia por que o homem se preocupava com suas necessidades.

— Tem razão, normando. Estou com fome. Mas pergunto-me o que terei de trocar por esta refeição.

Ele piscou rapidamente, como se tivesse sido pego em flagrante. Mas o sorriso perigoso emergiu logo depois.

— A pergunta correta talvez seja: o que você trocaria pela comida, saxã?

Os olhos sequiosos se fixaram nos seios de Alana. Ela conteve o impulso de cobri-los com as mãos. Sentiu o rosto corar, apesar da tensão no corpo.

— Que pena, saxã. Vejo que a perspectiva a aflige.

— Aflige-me? — Ela ergueu o queixo. — Não se engane, normando. Sinto apenas desprezo!

O sorriso se desfez.

— Vejo que a noite só afiou ainda mais sua língua — Merrick forçou um tom natural na voz. — Talvez seu humor melhore depois de se alimentar.

Ela voltou a olhar para a bandeja. Ficou evidente agora que estava famélica.

Com gentileza, Merrick a conduziu até a mesa. Cortou uma fatia de queijo e outra de pão e as ofereceu a Alana.

— Coma. Não sou bruto a ponto de deixá-la padecer de fome. Sei o quanto precisa se alimentar.

Alana ruborizou. Embora fosse esguia, nunca estivera tão magra quanto agora. Sentou-se na cadeira que Merrick puxou para ela. Então o olhou de soslaio.

— Há comida para nós dois — ela murmurou. — Eu a dividiria...

— Não precisa. Coma o quanto quiser e não pense em mais nada.

O tom de voz soou brusco, mas gentil. Porém, Alana ficou aliviada quando Merrick lhe deu as costas para jogar mais madeira no fogo. Saboreando a fatia de pão, observou-o remexer a lenha. Enquanto matava sua fome, esqueceu-se de seu algoz.

Assim que terminou, notou a proximidade de Merrick e se levantou.

— Vou levar a bandeja para a cozinha — apressou-se em dizer. — Sem dúvida, devem precisar de mim.

— Não. Pode ajudar a servir a ceia. Agora faça o que lhe aprouver — ele permitiu com uma gentileza espantosa. — Mas não saia do domínio — ordenou. — Se o fizer, prometo...

Quaisquer sentimentos que ela pudesse ter por ele se des­truíram no mesmo instante.

— Não me diga — Alana o interrompeu. — Vou me arre­pender, não vou?

Merrick marchou até a porta e sorriu.

— Folgo em saber que nos entendemos tão bem, saxã.

Enfurecida, ela socou a mesa assim que ele saiu.

— Folga em saber — repetiu em um resmungo. Oh, era um patife egoísta e arrogante como o mestre ao qual servia.

Foi necessário um tempo para que Alana pudesse se acalmar. Caminhou pelo quarto até que se deteve diante da janela. Olhou para o pátio.

Aos poucos, tomou consciência de tudo que acontecia abaixo dela. Um castelo tão grande quando Brynwald sem­pre necessitaria de velas, por isso várias mulheres as fabri­cavam no centro do pátio. Nas proximidades dos estábulos, dezenas de cavalos eram levados a suas baias.

Mas, de repente, houve uma comoção. Um punhado de soldados apontava e gritava diante dos portões. Ficou claro que um intruso ameaçava adentrar o domínio. Alana notou uma túnica marrom e longos cabelos grisalhos sobre ombros ossudos. Um grito emergiu de sua garganta.

O homem agora rodeado de normandos coléricos era Aubrey.


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