de alerta, recordando-lhe que tivesse muito cuidado, encontrou a tabela de freqüências:
ALTAS
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MEDIAS
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BAIXAS
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BAIXAS
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E -16,78%
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R - 4,94%
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Y -1,54%
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J - 0,30%
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A-11,96%
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U - 4,80%
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Q -1,53%
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NH - 0,29%
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0 - 8,69%
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1-4,15%
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B - 0,92%
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Z - 0,15%
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L - 8,37%
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T - 3,31%
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H - 0,89%
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X - 0,06%
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S - 7,88%
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C - 2,92%
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G - 0,73%
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K - 0,02%
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N - 7,01%
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P - 2,77%
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F-0,52%
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W - 0,01%
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D - 6,87%
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M - 2,12%
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V - 0,39%
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Com tais referências ele poderia começar o seu trabalho. Não ia ser fácil, mas, tampouco, impossível. Esperava traduzi-lo naquela mesma noite. Foi dar o último trago em seu terceiro gim-tônica, mas, antes de fazê-lo, levantou a taça:
— Por você, que não para de me surpreender!
Depois de brindar em honra de Cláudia, levantou-se e foi até a cozinha. Precisava, com urgência, de uma xícara de café. Seria uma noite muito longa, pois ainda teria de enviar a Mercedes um e-mail com um relatório detalhado de suas investigações, em primeiro lugar, para, depois, começar a tradução do manuscrito, um trabalho que prometia ser tão complicado como interessante.
Não podia dormir. A escuridão envolvia o aposento, aprisionando o ar até reduzi-lo ao mais absoluto nada. Ela respirava com muita dificuldade. Banhada em suor, se retorcia sobre o lençol, vítima de sua obsessiva imaginação. O começo do sonho se converteu em pesadelo, quando pareceu que via, entre as sombras de seu quarto, a silhueta de um homem se aproximando lentamente da cama. Sua primeira reação foi permanecer quieta, sem se mover. Nem sequer se atreveu a respirar, tão apavorada estava. Uma oração aflorou em seus lábios.
Então, deixou de vê-lo, ou melhor, de senti-lo. Mas em sua mente ainda ouvia a respiração dele. Estava ali. Em algum canto de seu quarto. Esperando pela oportunidade de abrir sua garganta.
Em um desesperado gesto de sobrevivência, Mercedes se levantou, disposta a acender a luz. Não havia ninguém ali, apenas uma blusa e umas calças compridas que pendiam do cabide. Sentiu-se uma idiota ao pensar que pudesse haver alguém naquele aposento, embora ainda tivesse a incômoda impressão de estar sendo vigiada. Tinha medo, não precisava negar. Havia motivos mais que suficientes para isso.
Como não ia mesmo conseguir dormir, levantou-se da cama e foi direto para o banheiro. Remexeu no móvel do lavabo até que, finalmente, encontrou o que tinha ido buscar: suas pílulas para dormir.
Encheu um copo com água e colocou um par de cápsulas na boca. Olhou-se no espelho. Olheiras grotescas circundavam suas pálpebras, já enrugadas em virtude da idade. Sentia-se cansada, desmoronando, mas, sobretudo, sozinha. Perder Jorge, que lhe oferecia a estabilidade e a companhia necessária para estabelecer uma relação com sentido, foi um duro golpe, do qual ainda não havia se recuperado. Em seus quarenta e seis anos de idade, não isentos de bons momentos e amores esporádicos, tudo o que almejava era passar o resto da vida junto de um homem tranquilo e inteligente, capaz de preencher o vazio espiritual que foi crescendo com o passar do tempo.
Deixou de lado suas inquietações e voltou para a cama. Antes de deitar, recordou a conversa mantida com Leonardo, naquela mesma tarde. Reconheceu ter cometido um ou outro erro ao estender-se em relação a detalhes. Sabia que Leonardo era uma pessoa bastante perspicaz e que, cedo ou tarde, perceberia que faltava algo em seu relato. Não se arriscou a contar-lhe toda a verdade por desconfiança ou, simplesmente, por medo de parecer muito fria. Não lhe interessava dizer que havia ido à casa de Jorge pouco depois de receber sua ligação telefônica e que, depois de entrar no apartamento dele, o encontrou morto em uma poça de sangue; o mesmo sangue que os assassinos usaram para escrever na parede uma frase de advertência muito significativa. Não, não queria divulgar sua presença em uma cena de crime.
Poderia converter-se em um alvo fácil para a polícia e, inclusive, para aqueles que acabaram com a vida de Jorge e queimaram o manuscrito. Já fizera demais ao contar a verdade a Colmenares, a única pessoa em quem podia confiar cegamente.
Como dizer a Leonardo que teve medo? Medo das coisas horríveis que viu dentro da casa... Medo de não compreender que uma coisa dessas acontecera a alguém tão bom e honesto como Jorge... Medo de ser a próxima...
Voltou a deitar-se, mas antes guardou as peças penduradas no cabide e fechou a porta do armário. Apagou a luz. As pílulas não tardariam a fazer efeito.
Letras góticas de sangue dançaram em sua cabeça antes de sucumbir, irremediavelmente, nos braços de Morfeu.
Capítulo 8
Depois de várias horas de intenso trabalho, durante as quais teve de isolar as diversas frequências de cada uma das letras e números e trocar por sinais algumas das vogais e consoantes mais utilizadas, Leonardo conseguiu deixar o manuscrito de lado, para descansar um pouco e colocar em ordem seus tensos pensamentos. Tomou essa iniciativa antes que o esforço o consumisse. Embora estivesse disposto a decifrar o criptograma naquela mesma noite, apesar do inconveniente de ter que manter-se acordado todo o tempo, precisava fechar os olhos e fingir que nada daquilo estava acontecendo realmente, ou seja, que não passava de outro de seus pesadelos.
Sentou-se, coçando a parte superior do nariz. Depois de fechar as pálpebras e descansar a cabeça no sofá, recobrou a lucidez de que tanto precisava; não era importante apenas a tradução do pergaminho, mas também descobrir o significado das frases que acompanhavam a mensagem e que Balboa quis que ele decifrasse. De fato, seu subconsciente não cansava de adverti-lo de que tinha de recordar onde havia escutado falar da fenda do elo da corrente.
Então, motivado pelo entusiasmo de recobrar inesperadamente a memória, abriu os olhos, lançando o corpo para a frente.
—Como é possível que eu tenha me esquecido de uma coisa dessas! — exclamou, lamentando sua estupidez. — Jorge não fez mais que recordar minhas próprias palavras.
Na última vez que ambos comeram juntos, no Wellington, conversando sobre as referências artísticas das diversas catedrais da Espanha, Leonardo havia contado a ele certa história sobre uma enorme corrente de pedra que circunda a base superior da capela dos Velez, situada na parte traseira da catedral de Murcia. A tal lenda, que ele teve a oportunidade de ouvir pela boca de seu professor de história, na adolescência, dizia que o artista, depois de finalizar sua magnífica obra, decidiu quebrar um dos elos de propósito, sem que ninguém soubesse realmente o motivo. Em seguida, o professor desafiou os alunos a perceber se eram capazes de distinguir a fenda do elo danificado. Na verdade, nenhum dos presentes viu nada. Para ele, parecia que o mestre estava querendo brincar.
Sem dúvida, Balboa considerou o fato suficientemente importante para citar a frase no final do texto. Não era uma coisa que se pudesse desconsiderar. Além disso, lhe pareceu estranho que a quadra de Nostradamus mencionasse igualmente umas correntes, como se existisse uma relação entre a que é descrita nas Centúrias e os enormes elos de pedra que rodeavam a capela dos Vélez.
Olhou seu relógio de pulso. Eram três e meia da madrugada. Arriscando-se a que fosse tachado de inoportuno — ou pior ainda, de estar bêbado —, levantou-se do sofá e foi direto ao telefone com a intenção de ligar para Raul, um dos poucos amigos que tinha em Murcia e com o qual ainda mantinha contato. Além de trabalhar na arquidiocese dioclesiana de Cartagena, seu amigo sabia de memória todas as histórias e lendas daquela região autônoma. Se houvesse alguém capaz de ajudá-lo, esse alguém era ele. Discou o número com uma obstinação desesperada. Pouco depois, escutou a voz sonolenta do outro lado.
—Posso saber quem é o engraçadinho que quer arruinar a minha noite? — perguntou asperamente, ainda sonado, com a intenção de ofender quem havia conseguido arrancá-lo de um dos sonos mais maravilhosos de sua monótona existência: completar sua coleção de selos antigos.
-
Raul, sou eu... Leo... — disse-lhe com suavidade. — Lamento chamá-lo a essas horas tão inadequadas, mas preciso que você me ajude. Não o teria feito se não fosse realmente importante.
-
Leonardo...? É você mesmo...? — perguntou de novo, como se lhe custasse muito compreender que tudo aquilo estava de fato acontecendo. — Por acaso você não sabe ligar para os amigos do jeito normal?
-
Já lhe disse que sinto muito — insistiu —, mas preciso com urgência de certa informação que você pode ter... — deteve-se por um instante e acrescentou: — É uma questão de vida ou morte... Acredite em mim, por favor.
Mesmo pensando que seu amigo exagerava, Raul lhe concedeu o benefício da dúvida.
-
Está bem, seu chato... pode falar.
-
Eu gostaria que você me contasse tudo o que sabe a respeito das correntes de pedra que circundam a capela dos Velez.
Por um instante, Raul pensou que seu amigo de infância havia exagerado na dose habitual de gim com tônica. Não obstante, decidiu fazer a vontade dele. Talvez porque fosse um dos poucos amigos com quem compartilhava a paixão pelas antiguidades, ou talvez porque fosse o único que se dignava a telefonar assiduamente.
-
Puxa vida! — exclamou, mordaz. — Desde quando lhe interessam as velhas lendas de nossa catedral?
-
Desde o momento em que assassinaram um colega de trabalho — respondeu Leonardo, sem vacilar e em tom grave.
Se havia um resquício de sonolência no confuso cérebro de Raul, acabou se desvanecendo ao escutar aquelas palavras. O assunto parecia ser realmente sério. O fato de haver um crime no meio o impelia a ser cuidadoso. Mesmo assim, decidiu contar tudo o que sabia.
—Está bem, eu vou lhe dizer o que sei — ofereceu-se para ajudado. — Houve, uma vez, um mestre escultor chamado Iacobus de Cartago, que cinzelou uma imensa corrente de pedra, a pedido de uma importante autoridade de Múrcia, dom Pedro Chacón y Fajardo. A matéria-prima para essa obra artística, única em seu gênero, foi extraída de uma pedreira situada nas cercanias da cidade, a caminho de Cartagena. Por isso, como você deve saber, a passagem montanhosa que liga a cidade portuária com Murcia leva o nome de "O Pico da Corrente". Muito bem... tão logo o tal escultor terminou o trabalho, lhe arrancaram os olhos e cortaram a sua língua. Segundo a lenda, foi porque se atreveu a danificar um dos elos de pedra, rachando-o de cima a baixo.
—Não estou gostando nada disso — sussurrou Leonardo ao descobrir certa semelhança entre o assassinato de Balboa e o castigo do escultor.
—É tudo o que sei.
Com isso, Raul pretendia dar por terminada a conversa e conciliar o sono novamente.
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Espere... — pediu Leonardo, que precisava de mais informação. — Vou ler para você uma quadra. Quero que me diga se lhe lembra algo.
-
Um verso a essas horas da noite? — queixou-se o amigo, resmungando.
-
Por favor, preste atenção e escute... — pegou a folha impressa que estava escrita em cima da mesa e começou a ler com calma, sublinhando cada sílaba: "Sob as correntes Guien do céu ferido, não longe dali está o tesouro escondido, que, depois de estar preso durante longos séculos, morrerá se encontrar o estímulo do olho saltado."
Raul não sabia se devia responder ou ficar quieto. Finalmente, depois de uma breve pausa, resolveu falar por consideração a seu amigo.
—Você é a segunda pessoa que conheço que tenta relacionar a capela dos Velez com essas quadras de Nostradamus — disse-lhe com voz baixa. — A verdade é que vou acabar acreditando que vocês têm razão.
Leonardo não sabia do que o outro estava falando, mas despertou sua atenção saber que outra pessoa, antes dele, tivesse investigado o sentido daqueles versos.
-
Explique-se, porque estou muito intrigado — incentivou-o para que continuasse falando.
-
Há alguns anos eu recebi a visita de um pesquisador italiano, um tal Mucelli, que ficou surpreso ao contemplar os elementos artísticos que adornam a parte exterior da capela dos Vélez, onde se mostra o nicho que sustenta os pilares de pedra, cujas mãos tocam o cachorro e a flor-de-lis que fazem parte do escudo do Chacón y Fajardo... — Raul limpou a voz e continuou... — Pois bem, o tal Mucelli acreditou observar um certo paralelo entre a estrofe XXVII da primeira Centúria de Nostradamus e a iconografia da capela. Segundo sua teoria, a palavra "guien" pode se referir a "Chien", ou seja, "cachorro", em francês arcaico... Você deve saber, também, que a flor-de-lis é a flor da Virgem Maria, às vezes chamada "a flor-do-céu". Por isso, a primeira frase da quadra — "Sob as correntes Guien do céu ferido" — pode ser interpretada como "Sob a corrente do cachorro e da flor-de-lis". Porém, há mais ainda... — acrescentou, de maneira didática. — Nostradamus escreve literalmente em sua estrofe: "Trouve mourra, l'oeil crevé de ressort", e ressort, em francês, não significa apenas "impulso", mas também "meio oculto" e "segredo".
-
E o que significa isso?
-
Que, segundo Mucelli, perto da catedral de Murcia está escondido um tesouro ou talvez um grande segredo que estaria diretamente relacionado com o fato de terem arrancado os olhos de Iacobus. Não esqueça o final da quadra: "morrerá se encontrar o estímulo do olho saltado". É óbvio que se refere ao escultor.
Leonardo Cardenas se sentiu satisfeito. Era tudo o que precisava saber.
Tão logo encerrou a conversa com Raul, voltou a concentrar-se na transcrição do manuscrito. Trocou as vogais "e", "a" e "o" por "8", "L" e "4", respectivamente, e descobriu que o criptograma "HS8", que se repetia com frequência, devia referir-se ao pronome relativo "que". Portanto, passou a contar com dois novos caracteres — o "q" e o "u"—, que poderia usar para substituir tudo o que fosse correspondente nas diversas frases do texto.
A letra seguinte, na tabela de frequências, o "L", não fez sentido quando tentou trocá-la pelo número "9", que representava o quarto caracter com maior índice de probabilidades. Aceitou o fato com certa resignação, pois já havia considerado a possibilidade de haver uma falha na porcentagem de contingência. A próxima letra da lista era o "S". Estava certo de que iria se encaixar perfeitamente nas frases incompletas do texto. E assim foi. O quebra-cabeças ia tomando forma à medida que eram acrescentadas novas letras.
Ele contemplou, com interesse, a tela do computador. Seus olhos ardiam de tanto que forçara a vista. Apesar de tudo, ainda teve forças para sorrir. O que tinha diante de si era como um desses desenhos feitos para crianças e que vão surgindo pouco a pouco, à medida que vão sendo coloridos os espaços em branco. Não podia concluir a leitura, mas já intuía o conteúdo.
O que fez, em seguida, foi selecionar os substantivos, os artigos e as preposições, que estavam quase completos, transcrevendo-os em seu bloco de anotações. Em vez de arriscar-se a complementá-los, achou expressões como: que... leal... os... aquela... de... ele... desejoso... aquele. Mas surpreendeu-se ao encontrar algumas não usadas na linguagem corrente. Aquilo, a princípio, o desconcertou, mas logo recordou que o manuscrito era muito antigo, tinha quinhentos anos, e que, portanto, deveria ser adequado à forma como se escrevia e falava na época. Não teria apenas de decodificar a escrita gótica, um trabalho bastante difícil, mas também procurar os termos mais adequados, na atualidade, aos obsoletos, usuais no século XVI.
Ao examinar novamente o manuscrito, descobriu que algumas palavras estavam quase completas e que era fácil intuir os caracteres a serem substituídos. Entre eles, estavam:
"lei.", que viria a ser "leiam"; "on.ad." ou "vontade"; "qua.do", ou "quando"; "ode" ou "pode"; "e.", ou "em"; "d.us", ou "deus" etc. E muitas outras, que não estava assim tão seguro de acertar.
Um detalhe chamou sua atenção: atrás da palavra Deus — caso não estivesse enganado — sempre se repetiam as mesmas incógnitas: "..s.o" e "se..o.". Ele as reconheceu no mesmo instante, pois, cada vez que se mencionava Deus em um texto daquela época, a palavra era complementada pela fórmula: Nosso Senhor.
Decidiu tentar a sorte. Ele se arriscaria a trocar as letras que, supostamente, de acordo com a lógica imaginada, deveriam completar determinados termos. Agora contava com o N, o V, o T, o I, o P e o R. Se coincidissem corretamente com os caracteres 6, ¥, X, T, N e ≤ outras palavras se completariam, proporcionando, ao mesmo tempo, suficientes vogais e consoantes para completar o código.
De fato, do nada foi surgindo, de maneira milagrosa, o perfil de uma história que, mesmo estando incompleta, parecia ser fascinante. As palavras apareciam, uma a uma, mas trabalhar com números, letras góticas e gregas e compará-las com as já transcritas chegava a compor um tremendo quebra-cabeças, de forma que por mais de uma ocasião Leonardo precisou sair da frente do computador e tomar ar fresco na varanda, para fumar um cigarro e desanuviar a mente. Em pouco tempo, no entanto, regressava a seu posto de trabalho, conduzido pela curiosidade.
Conhecer a história daquele personagem, que teve de recorrer à criptografia para ocultar o que acreditava ser um terrível segredo, deixara de ser uma tarefa para Mercedes, transformando-se em um assunto estritamente pessoal. Podia-se dizer que ele estava começando a ficar obcecado por aquilo. Ao meio-dia, depois de doze horas de intenso trabalho, Leonardo sentiu-se o homem mais feliz do mundo. Tinha diante de si o texto de um pedreiro — que não era outro senão o mesmíssimo Iacobus de Cartago —, no qual ele dizia conhecer a maneira de se comunicar com Deus. Suas palavras, mesmo sendo incompreensíveis, ainda indicavam claramente onde encontrar um livro que era o caminho para conduzi-los ao tesouro que deveriam procurar. O único inconveniente é que não indicava o lugar exato para concluir a busca. Dizia, sim, que o interessado em descobrir seu segredo teria de viajar a uma região que, assim, de chofre, não conseguia localizar em nenhum país do mundo. Mas houve algo que lhe causou grande impacto: perceber que no manuscrito eram mencionados Os Filhos da Viúva, assim como umas correntes; possivelmente, as mesmas da quadra XXVII de Nostradamus, e talvez também as da capela dos Vélez.
Era fundamental ligar para Cláudia.
Capítulo 9
Osubstituto de Leonardo Cardenas surpreendeu a todos os que esperavam por um homem, pois era uma mulher de uns trinta e tantos anos; trajava-se de maneira discreta e tinha ares de intelectual. Seu nome era Cristina Hiepes e suas credenciais, um perfeito conjunto de virtudes irrepreensíveis
Estudara Arqueologia para agradar a seu pai, mas seu amor às letras levou-a a licenciar-se em Biblioteconomia e Documentação. Durante algum tempo, trabalhou na Biblioteca Nacional, embora mais adiante tivesse que renunciar a tão invejável trabalho para viajar ao Egito na qualidade de paleógrafa, acompanhando uma expedição que previra ficar um ano no Vale dos Reis. Depois, mudou para os Estados Unidos, onde fez muitas conferências sobre os hieróglifos pré-históricos e os símbolos hieráticos do Antigo Egito. De volta à Espanha, colaborou com a revista Incunables durante algum tempo, além de ter passado os dois últimos anos em Barcelona, trabalhando em uma famosa casa de leilões de objetos arqueológicos.
Um imprevisto, porém, obrigou-a a regressar a Madri havia poucas semanas, contratempo que Mercedes aproveitou para lhe oferecer um contrato provisório, testando sua capacidade, uma condição aquém de seu preparo profissional. De qualquer forma, a diretora da Hiperión foi sincera ao dizer-lhe que iria substituir Cardenas por um curto espaço de tempo. Cristina não se importou. Estava resolvida sua questão profissional em um abrir e fechar de olhos. Ambas se simpatizaram prontamente.
Cláudia voltou a seu gabinete, depois de conhecer a tal Cristina. Sua primeira impressão foi a de que se tratava de uma pessoa com recursos, tanto econômicos quanto culturais. Saltava aos olhos que era atraente — bastava observar o modo como era olhada pelos homens —, mas não parecia ser uma dessas mulheres frívolas, que gostam de dar bola a qualquer um. Era muito reservada. Se tivesse de conquistar um homem, o faria de forma sutil e inteligente.
Esquecendo da substituta, Cláudia retomou seu trabalho. Estivera consultando um exemplar do Vita Christi, do frei Íñigo de Mendoza. Tratava-se do primeiro livro poético publicado em castelhano e isso, para ela, era algo muito importante. Cada obra tinha sua própria história, cada texto era especial. Tocar na lombada envelhecida de um incunábulo e saber que outros apaixonados pelo conhecimento, durante séculos, se debruçaram, como ela, sobre o inebriante mundo de suas páginas, lhe provocava um prazer imenso, e que, de alguma maneira, a gratificava por tantos anos dedicados ao estudo dos livros. Sua cotação no mercado era das mais interessantes dos últimos anos. Iria a leilão com um valor inicial de 69 mil euros9. Antes, no ano 2000, pedia-se pelo mesmo exemplar cerca de 11 milhões de pesetas, a antiga moeda espanhola. Tinha, portanto, em suas mãos, uma pequena fortuna. Mas, sobretudo, o que manuseava era um fragmento da história literária da Espanha. Para ela, aí residia o maior valor. O telefone de seu gabinete tocou. Reconheceu o número de Leonardo na pequena tela do visor. Antes de atender, cuidadosamente, depositou o incunábulo em uma caixa de cedro forrada de veludo e a guardou, fechada à chave, na gaveta de sua escrivaninha. Ato contínuo, pegou o celular.
9 Quase 200 mil reais, à cotação de 2,87 reais por euro. (N.T.)
-
E então... tudo bem? — foram suas primeiras palavras, pressentindo que haveria novas notícias.
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Decifrei o texto — ele disse, nervoso. — Preciso que você venha aqui o quanto antes!
Cláudia fez um gesto de satisfação, fechando o punho, ao mesmo tempo em que movimentava o braço, dobrado. Então, ao levantar a cabeça, viu, através dos vidros de sua sala, que Colmenares tinha os olhos fixos nela. Estava na sala da frente, falando ao celular. Seus olhares se cruzaram por segundos. O advogado não teve alternativa senão voltar a atenção aos papéis que estavam sobre a mesa. Comprovou, de fato, que sua ousadia beirava o descaramento.
—Você está aí? — perguntou, de novo, Leonardo, do outro lado da linha.
Ela reagiu, virando a cadeira, de forma que ficou de costas para o profissional.
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Ouça... — disse-lhe, em tom confidencial. — Não poderei dar uma escapada até a hora do almoço. Você me espere aí... irei o mais cedo que puder.
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Cláudia, já sei por que Jorge quis que eu lesse o manuscrito. Eu era o único em condições de ajudá-lo.
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Mudei de ideia. Vou agora mesmo para aí.
Desligou o telefone, sem sequer se despedir. Levantou-se imediatamente, pegou o casaco e a bolsa, saindo pelo corredor em busca de Mercedes. Sua mente, enquanto isso, urdia uma desculpa que lhe permitisse ausentar-se do trabalho até a tarde. Encontrou a diretora sentada em seu gabinete, lendo um memorando enquanto mexia, distraidamente, a colherinha de sua xícara de café. Largou o que estava fazendo ao vê-la chegar.
-
Ah...! É você! — comentou, depois de colocar a folha de lado. — Qual sua opinião sobre Cristina?
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Creio que está suficientemente preparada para ocupar o posto, e isso em nada beneficia o Leo... — respirou fundo e acrescentou, incisiva — ... os colegas e eu estamos nos perguntando se ele voltará logo ao trabalho.
—Se tudo correr bem,
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