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Não se ajusta aos propósitos deste trabalho enunciar os proble- mas que emergiram daquela concepção fisicalista de Carnap, mas apenas mostrar que ele próprio, convencido da insuficiência de uma linguagem unilateral, entendeu que o confronto dos aspectos for- mais da linguagem com a realidade, vale dizer, com o campo exten- sional dos conceitos e das definições elaboradas pelo cientista, põe em relevo questões filosóficas das quais a simples análise sintática

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(7) Carnap, Pseudoproblemas na Filosofia, in Moritz Schlick, Rudolf Carnap — Coletânea de Textos, 2. ed., São Paulo, Abril Cultural, 1985 (Coleção Os Pensadores), p.157 e 161-163.

(8) A respeito da influência dessa concepção empírica na chamada filoso- fia analítica, ver Alaôr Caffé Alves, Lógica — Pensamentoformal e argumentação — Elementos para o discursojurídico, São Paulo, Edipro, 2000, p. 320-321.

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não dá conta. A supor que a filosofia, na perspectiva do positivismo lógico, esteja limitada ao estudo dos fundamentos e métodos da ciência, e mais, que assim sendo, nada possa dizer acerca da realidade mesma (que é objeto do conhecimento das ciências empíricas), há de se convir em que, tal qual a teoria do conhecimento, a filosofia vive um impasse, porquanto faz afirmações sem sentido.9 Wittgenstein também enfrentou a mesma aporia e a exemplo de Schlick acabou por concluir que a filosofia é uma atividade e não uma teoria.

No Tractatus, Wittgenstein revela a disposição de estudar a natureza dos instrumentos do conhecimento, visando a saber se as pretensões da filosofia, no que excedem o conhecimento empfrico, são ou não Iegítimas. Parte para a empreitada munido do arsenal

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(9) Em outras palavras, se é certo que a filosofia se ocupa unicamente da estrutura semiótica da linguagem científica, examinando os procedimentos utilizados pelo cientista na elaboração dos conceitos, das hipóteses e teorias, e se é certo também que o conhecimento empírico do real está reservado apenas às ciências particulares, há de se perguntar, então, sobre o signitcado de uma tal teoria da ciência, voltada ao conhecimento dos fundamentos do mundo, mas não ao conhecimento do mundo mesmo. Isto coloca em pauta outro problema da metaiinguagem filosófica, con- sistente em saber qual o sentido da proposição que afirma a validade do principio de verificação. Este princípio não é uma sentença empírica, tampouco tautológica. Ou bem se reconhece que não só os enunciados fáticos e formais são dotados de sentido, ou se tem de admitir que o fundamento óltimo de toda certeza científica é uma sentença metafísica, destituída de sentido. Schlick, fugindo ao dilema, diz que o princípio de verificação não é uma sentença. A explicação acerca das proposições da ciência, que é papel da filosofia, não pode constituir uma nova proposição pois, a ser assim, isto obrigaria um regresso ao infinito. Está se diante de uma atividade fllosófica — dirá Schlick. Carnap, de outra forma, sustenta que as proposições filosóficas também se submetem ao critério de verificação. Elas não seriam proposições significativas sobre o mundo, mas proposições significativas sobre a Iinguagem utiliza- da para falar do mundo. (Moritz Schlick, Rudolfcarnap — Coletônea de Textos, 2. ed., São Paulo, Abril Cultural, 1985, Coleção Os Pensado- res, p. XV-VIII; A. J. Ayer, lntroducción del compilador in A. J. Ayer — organizador — E1 positivismo lógico, México, Fondo de Cultura Económica, 1 993, p. 20, 2 1 e 29; Manfredo Araújo de Oliveira, op. cit., p. 85-9 1; John Hospers, op. cit., p. 328.

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lógico de Frege e de Russell, fazendo, naquilo que alguns reconhecem como antipsicologismo militante, total abstração das faculdades subjetivas do conhecimento (Tractatus, 5.641).10 Pondo de lado as elaborações que se desenvolvem através das funções proposicionais — reflexão que demandaria um exame mais aprofundado da tradição lógica — é importante registrar que o Tractatus parte da noção de fatos atômicos, que correspondem às proposições unitárias de

uma linguagem formal idealizada, mostrando depois como a significação das proposições mais complexas pode, pelo menos em tese, ser analisada por métodos próprios das funções de verdade. A linguagem é reduzida aqui a sua função descritiva, o que somente se torna possível porque linguagem e mundo têm a mesma forma lógica (isomorfismo)11

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(10) Luiz Henrique Lopes dos Santos, inApresentação e estudo introdutório à 2. edição brasileira de Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico- Philosophicus, São Paulo, Edusp, p. l 1-24 (a tradução brasileira do Tractatus orientará a exposição que se segue, com simples menção do número dos aforismos no próprio corpo do texto). No mesmo sentido são as considerações de Pilar López de Santa María Delgado, para quem Wittgenstein está preocupado não com a dimensão psicológica do pensamento, mas sim com o conteúdo do pensamento como retrato de um mundo. Não importam os processos psicológicos realizados no pensamento, mas sim o resultado deles. Não interessa ao Tractatus estabelecer as capacidades e limites do cérebro humano, senão os limites absolutos do pensamento (lntroducción a Wittgenstein — sujeto, mente y conducta, Barcelona, Herder, 1986, Coleção Biblioteca de Filosofia, ed. 22, p. 47 — sobre o mesmo tema, prossegue a autora nas pp. 61, 62, 68,69e72).

(11) A propósito, Luiz Henrique Lopes dos Santos, op. cit., p. 68, 80 e 84; Allan Janik e Stephen Toulmin, A Viena de Wittgenstein, Rio de Janei- ro, Campus, l 99 l, p. 249 e 250; Pilar López de Santa María Delgado, op. cit., p. 20-36. Ferrater Mora apresenta um resumo compreensivo desta concepção. Explica que o mundo é a totalidade dos fatos atômicos e não de coisas. Um fato atômico é composto de coisas ou entidades, que, por sua vez, são nomeadas por substantivos, pronomes, adjetivos etc., de modo que se estabelece uma relação entre coisas e palavras. Assim como uma combinação de coisas é umfato atômico, uma combinação de palavras é uma proposição atômica, estabelecendo-se uma relação isomórfica entre um e outro. A combinação de proposições

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A partir daí, Wittgenstein passa a discorrer acerca da maneira pela qual a proposição descreve o mundo (Tractatus, 5.4711). Dirá que a proposição é uma figuração lógica da realidade (Tractatus, 2.063-2.2; 4.001. 4.01, 4.014, 4.0141, 4.021, 4.023 e 4.03). O sinal proposicional, composto de palavras articuladas, é o lado sensível da proposição (Tractatus, 3.1, 3.11, 3.12, 3.14, 3.32, 3.321,4.0312 e 4.442), mas nem por isso se pode sustentar um realismo platônico porque os nomes, per se, são destituídos de sentido. Denominam mas não descrevem. Somente no contexto das relações lógicas da proposição é que têm referência, tornando-se inteligíveis (Tractatus, 3.141, 3.202, 3.221 e 3.3). A aplicabilidade das proposições lógicas às proposições fatuais implica reconhecer a capacidade de exibir relações internas entre proposições fatuais. Também as proposições lógicas (que são tautológicas) e as contradições mostram propriedades e relações internas (Tractatus, 4.023, 4.032, 4.122 e 6.124). Porém, a tautologia e a contradição não dizem nada, pois a tautologia, sendo incondicionalmente verdadeira, não tem condições de verdade, enquanto a contradição é incondicionalmente falsa (Tractatus, 4.461 e 5.142). A verdade da tautologia é certa; a da proposição é possível; a da contradição é impossível (Tractatus, 4.464). A tautologia deixa à realidade todo o infinito espaço Iógico; a contradição preenche todo o espaço lógico e não deixa nada à realidade (Tractatus, 4.463). Nelas não há figuração da realidade, pois não representam situações possíveis (4.462).

Do exposto decorrem alguns enunciados importantes. Assim é que só as convenções humanas permitem o entendimento da linguagem natural, com a qual o homem é capaz de exprimir todo o sentido (Tractatus, 4.002). A filosofia mais não é do que a crítica dessa linguagem (Tractatus, 4.003 1). Cabe a ela identificar toda a ambi- güidade decorrente da polissemia e das diversas funções sintáticas desempenhadas pela mesma palavra (símbolos diferentes), na tentativa de apurar a linguagem da ciência, delimitando ao mesmo temp o o seu território, vale dizer, o limite entre o pensável e o impensável

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atômicas constitui as chamadas funções de verdade. A linguagem converte-se, assim, em um mapa da realidade (Ferrater Mora, Diccionárjo de Filosofïa, 5. ed., vol. 4, 1986, Madrid, Alianza, p. 3.495-3.500).

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(Tractatus, 3,318, 3.321-3.325; 4.1 13 e 4. 1 14). O resultado da filosofia, entretanto, não são proposições, mas esclarecimentos acerca das proposições. Neste sentido, como já registrado parágrafos acima, a filosofia não é uma teoria, mas uma atividade que busca o esclarecimento lógico dos pensamentos (Tractatus, 4.112 e 4.122). A proposição pode apenas mostrar a forma lógica, mas nunca dizê-la. Nem a forma lógica da linguagem nem o seu isomorfismo com o mundo são exprimíveis (Tractatus, 4. 1 2 1, 4. 12 1 2 e 5.6 1), precisamen- te porque, sendo as proposições da lógica tautológicas (Tractatus, 6. 1 e 6.12), não dizem nada (Tractatus, 6.11). Somente é possível mostrá-los, como condições formalmente necessárias da linguagem, cuios limites não podemos transcender. Quando o Tractatus enun- cia que os limites de minha linguagem são também os limites de meu mundo (Tractatus, 5.6), acaba em um paradoxo, pois a filosofia, ao tratar da maneira como as formas lógicas das proposições mode- lam o mundo, está incluída entre as coisas que não podem ser ditas mas apenas mostradas (Tractatus, 6.53).12

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(12) Ferrater Mora prossegue dizendo que a linguagem natural não atende à depuração que se exige da linguagem cientffica. No fundo dela tem-se de descobrir um esqueleto lógico, que constitui sua função essencial. Este esqueleto Iógico é a Iinguagem ideal. As proposições através das quais o esqueleto lógico é descoberto não são nem proposições atômicas nem funções de verdade. Por isso, elas carecem de sentido. Wittgenstein, assim, longe de dizer alguma coisa sobre a Iinguagem, apenas mostra. A filosofia está fora dos limites da minha Iinguagem e também do meu mundo. Não é uma teoria da ciência, mas uma atividade (Ferrater Mora, Diccionário de Filosofia, vol. IV, 5. ed., Madrid, Alianza, 1 986, p. 3.495- 3.500). Como registram Janik e Toulmin, em Wittgenstein assim como em Kant, o entendimento cria a ordem da natureza. A lógica torna possível o mundo, que é modelado pelas formas lógicas de proposições. Ocorre que um modelo não pode modelar a forma de modelagem, apenas a mostra. As proposições são capazes de modelar e descrever a realidade, mas não simultaneamente descrever como a descrevem sem se tornarem auto-referenciais e, por conseguinte, destituídas de significado (Tractatus, 4.1 1 13 e 4.1212). A conseqüência disto é a impossibilidade de se elaborar uma teoria do significado (op. cit., p. 216-220). O isomorfismo entre Iinguagem e mundo, que faz do místico o indizível, porque está fora do mundo, implica indagar acerca da completude do

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Enfim, o que a filosofia quer dizer existe e importa considerar. Apenas não se pode fazê-lo da maneira como postula a filosofia tradicional, ou seja, dizendo o que não pode ser dito (Tractatus, 7). Isto inclui o religioso, o místico e o ético, que existem mas são inexprimíveis. (Tractatus, 6.421, 6.432, 6.522, 6.53). Vê-se neste aparente sem-sentido do Tractatus uma crítica à concepção racional da ética. Ela está fora do mundo, tal qual a Iógica, porque é uma condi- ção da existência dele (Tractatus, 6.42 1). A metafísica é inefável não por absurda, mas porque é importante. Ao mesmo tempo, o Tractatus revela as limitações de uma teoria do significado pautada na repre- sentação, visto que é impossível para o filósofo descrever como as proposições descrevem o mundo. Isto abre horizontes para uma crítica da teoria do abuso. A filosofia, ao tratar do bem, da verdade

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mundo que conhecemos. Na concepção tractariana, nada se pode dizer do alógico porque para sair dos domínios da Iógica seria necessário ultrapassar os Iimites do pensamento. Esta perspectiva faz lembrar o pen- samento de Parmênides (fora do ser nada existe; o ser não tem limites, pois se houvesse existiria o não ser). Iguaimente, no Tractatus, o não ser não existe. Nada fica de fora do campo lógico. A Iógica, o mundo e a linguagem são completos. Assim, o ilógico é impensável, vale dizer, não pode ser tïgurado. E sendo a linguagem a expressão do pensamento, não se pode dizer o que não se pode pensar. Isto conduz ao solipsismo, que o próprio Wittgenstein admite correto, mas do qual nada se pode dizer. O solipsismo só pode ser concebido do ponto de vista do eu metafísico. Aqui, Wittgenstein recorre à relação entre o olho e o campo visual, que não contém o olho que o vê (Tractatus, 5.-5.641). O eu metafisico nada mais é do que o ético, que somente se pode mostrar, nunca dizer (a respeito das diversas interpretações do solipsismo deWittgenstein, v. Pilar Lópes de Santa María. op. cit., p. 54-76). Aqui reside a aporia da reflexão filosófica, a qual desemboca num idealismo subjetivo que o Tractatus teve de admitir. Adam Schaff considera que o idealismo do positivismo lógico consiste precisamente na redução da filosofia à aná- lise da Iinguagem, quando é certo que a linguagem é somente um dos objetos dos estudos filosóficos. Este reducionismo é reflexo do empirismo imanente contido na possibilidade de uma linguagem científica convencional, livre das impurezas da linguagem natural, expressão do idealismo subjetivo que concebe a construção da realidade pela mente (Schaff, op. cit., p. 73 e 74).

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e do justo não pode mais do que apontar para estes conceitos. Além disto, não está em condições de dizer como as proposições jurídicas modelam o mundo do dever-ser. A dogmática jurídica, por sua vez, também mais não faz do que mostrar o significado do abuso dos direitos processuais. Neste ponto reproduz-se o paradoxo de Wittgenstein, como será possível agora demonstrar.

É certo que a definição de abuso do direito de demanda é contextual, ou seja, ela surge no mais das vezes na menção ou na amostragem dos casos concretos, contida nos repositórios de jurisprudência, de forma que nem sempre a extensão do termo pode ser fixada a partir da mera especificação de notas individualizadoras. A simples conotação não é suficiente para que se possa estabelecer a multiplicidade de sentidos que a prática forense incorpora ao conceito de abuso do direito no processo. Todavia, tem-se de reconhecer que as teorias dogmáticas não se resumem ao fatual. A experiência aponta apenas algumas situações, que bem demonstram como aquela definição pode ser ou muito ampla ou muito restrita.13 Em outras palavras, não se está diante de um conceito empírico, que possa ser construído por uma linguagem teórica formal e intersubjetiva, como concebida pelo Círculo de Viena e por Wittgenstein. Aliás, as dificuldades apontadas no capítulo anterior (seção 3.4), quando se buscava identificar o fundamento jurídico da proibição do abuso do direito processual, dão a exata dimensão da inviabili- dade de uma linguagem fisicalista no campo da teoria do direito. Definições estipulativas tais como sanção, ilícito, norma, embora destinadas a eliminar as imprecisões de significado, não conseguem cumprir este objetivo no campo ético e cultural. Em outros termos, a teoria do direito não logrou desenvolver regras de coerência que

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(13) Com efeito, doutrina ejurisprudência divergem a respeito das notas que integram o conceito de abuso do direito no processo. Conforme maior ou menor a intensão, menor ou maior, respectivamente, em uma proporção inversa, será o campo extensional. A consideração do aspecto subjetivo, por exemplo, poderá afastar muitos casos da incidência da teoria do abuso. De outra forma, e sob outro aspecto, a obrigação de trazer aos autos todos os fatos dos quais a parte tem conhecimento implicará ampliação do conceito de abuso.

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pudessem vincular as diversas categorias que compõem o universo jurídico. Mesmo em Kelsen, conquanto se possa reconhecer a exis- tência de um critério de coerência, precisamente em sua estática jurídica, há um recurso ao critério de correspondência, que se re- vela na difícil relação entre validade, eficácia e efetividade.14

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(14) A propósito, v. Roberto José Vernengo, Normajurídica y esquema reerencial, in Derecho, Filosofía y lenguaje — homenaje a Ambrosio L. Gioja, Buenos Aires, Astrea, 1976 (Colección Filosofía y Derecho, 3), p. 213-223. Luís Alberto Warat chama a atenção para o fato de que Kelsen, ainda que sem fazer referência ao positivismo Iógico ou a Wittgenstein, foi o primeiro autor a utilizar-se, no campo jurídico, da distinção entre linguagem objeto e metalinguagem. Mesmo assim, a perplexidade metodológica no direito é muito grande, porquanto a teoria não só descreve como também interfere diretamente na programação de comportamentos que nem sequer existem (El Derecho y su Lenguaje, Buenos Aires, Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales, 1 976, p.7 1 -72). Como apontaAntônio Graça Neto (Kelsen e Wittgenstein: as interfaces da lógica, Revista do Curso de Pós-Graduação da Uni- versidade Federal de Santa Catarina, Estudos Jurídicos e Políticos, Seqüência 32, julho de 1996, p. 115-123), Hans Kelsen, na Teoria Pura do Direito, tanto quanto Wittgenstein, no seu Tractatus, tarnbém perseguiu o propósito de uma linguagem formalizada, longe da ambigüida- de e vagueza próprias da Iinguagem natural. E importante ressaltar, fazendo coro com o autor, que malgrado Kelsen não concebesse a aplicação da Lógica à norma mesma, admitia fosse aplicada às proposições da ciência constitutiva do Direito, outro traço que o aproxima do positivismo lógico (a respeito, v. Kelsen, Normasjurídicas e análise lógica— correspondência trocada entre Hans Kelsen e Ulrich Klug, Rio de Janeiro, Forense, 1 984, p. 80). Mas um dos pontos em que a Teria Pura do Direito se afasta do Tractatus — segundo observa Graça Neto — diz precisamente com a possibilidade de uma linguagem lógica cujo referente, ou seja, a norrna, não é lógico. Em outras palavras, a norma surge corno estrutura de sentido sem referente, o que é, do ponto de vista wittgensteiniano, pura metafísica. A proposição jurídica, cujo referen- te é a norma, apesar do sentido descritivo, não é um enunciado apofântiCo, colocando-se, isto sim, no mundo do dever ser (Kelsen, Teoria Pura do Direito, 4. ed, Coimbra, 1979, p. 1 16). A propósito da dificuldade, do ângulo da filosofia analítica, dejustificar enunciados científicos pres- critivos, ver Tercio Sampaio Ferraz Jr., Direito, retórica e comunicação, São Paulo, Saraiva, 1973, p. 163.

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A norma jurídica não se confunde com o fato social precisamente porque é expressão de valores da sociedade e não um retrato ou um flagrante do mundo empírico. A teoria do direito, como metalinguagem jurídica (cuja linguagem-objeto é a norma) não estaria, assim, em condições de cumprir o papel que o positivismo lógico reserva à linguagem-sistema da ciência, pois no lugar de afastar toda a ambigüidade e vagueza, a dogmáticajurídica, no mais das vezes, vale-se da indefinição para ampliar ou restringir o leque de aplicações da norma (interpretação extensiva, interpretação analógica e interpretação restritiva). Mais que isto, as normas de conteúdo impreciso dão lugar a complexos argumentativos — conhecidos na dogmática jurídica como teorias — que nada mais são do que elaborações retóricas voltadas à legitimação das decisões, como é o caso do abuso dos direitos processuais.15

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(15) A respeito da distinção entre teoria e complexos argumentativos, v. Tercio Sarnpaio Ferraz Jr., Introdução ao Estudo do Direito, técnica, decisão, dominação, São Paulo, Atlas, 1988, p. 84-88; Alaôr CafféAlves, op. cit., p. 378-382, 372-374, 323, 324 e 397-399; Luís Alberto Warat, Mitos e Teorias na Interpretação da Lei, Porto Alegre, Síntese Ltda., 1979, p. 143-154. A respeito da importância dos conceitos imprecisos no Direito é vasta a bibliografia. Na linha de reflexão desenvolvida no presente trabalho, v. Luís Alberto Warat, A Definiçãojurídica — suas técnicas; texto programado, Porto Alegre, Atrium, 1 977, p. 14, 41, 45, 47 e 48; Luís Alberto Warat, El Derecho y su Lenguaje, Buenos Aires, Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales, 1976, p. 1 19-139; Luís Alberto Warat, Mitos e Teorias na Interpretação da Lei, p. 91-154; Juan Ramon Capella, El derecho como lenguaje — un análisis lógico, Barce- lona, Ariel, 1968, p. 246-275; Carlos Santiago Nino, Introducción al análisis del derecho, 2. ed., Buenos Ames, Astrea, 1984, p. 245-272; Perelman, La logicajurídica y la nueva retorica, Madrid, Civitas S. A., 1979, p. 73-91; KarI Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, 7. ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 205-274; Karl Larenz, op. cit., p. 292; Alaôr Caffé Alves, op. cit., p. 170 e 171; Luiz Fernando Coelho, op. cit., p. 204-207 e Tercio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao Estudo do Direito — técnica, decisão, dominação, São Paulo, Atlas, 1988, p. 268-270. Para uma crítica acerca da existência de conceitos indeterminados no campo do Direito Constitucional, v. Dirnitri Dimoulis, Moralismo, positismo e pragmatismo na interpretação do Direito Constitucional, in RT, São Paulo, Ano 88, novembro de 1999,

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No capítulo inicial do presente trabalho, buscou-se demonstrar, precisamente, como a dogmática jurídica foi incorporando as novas tendências da sociedade, fruto do desenvolvimento das relações de produção, para inscrever a chamada teoria do abuso do direito não mais nos quadros da aemulatio, como concebida desde os ro- manos, mas na esfera de um exercício anormal do direito, concepção que buscava temperar, mantida a aparência de legalidade, o excessivo egoísmo liberal-burguês. Os reflexos destas elaborações logo se fizeram sentir no movimento de codificação, a um ponto tal que, hoje, são muitas as disposições normativas que se ocupam dos chamados abusos do direito, inclusive no campo do processo judicial, como se tratou de demonstrar no segundo capítulo. Estas regras legais, apesar de fornecer algumas notas do conceito de abuso processual, acabam deixando espaço para a interpretação da doutrina e também para a interpretação judicial.

Não bastasse, a possibilidade de construir linguagens formais e artificiais, adequadas a cada um dos campos da ciência, revelou- se, segundo um novo paradigma da lógica matemática, inviável. O modelo axiomático-formal da matemática, desenvolvido por David Hilbert, que tanto influenciou a Viena do início do século passado, não resistiu à crítica demolidora de Kurt Gödel, que em 1931 publicou um artigo intitulado Sobre as Proposições lndecidíveis dos Principia Mathematica e Sistemas Correlatos. O jovem matemático, integrante do chamado Círculo de Viena, refutou a tese da for- malização absoluta da matemática. Até então, acreditava-se que a partir de axiomas, proposições inquestionáveis, era possível derivar todas as demais proposições do sistema, dando lugar a um teorema. Gödel, em seu trabalho, mostrou que tal pretensão é insustentável,

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vol. 769, p. 1 1-27. José Eduardo Faria, a propósito de outras questões, que têm em conta o direito incremental, registra que os conceitos jurídicos indeterminados colocam ojurista diante de um dilema, pois se de um lado atendem à necessidade de definir o sentido da norma a partir da singularidade do caso concreto, de outro, à medida que se disseminam no sistema normativo, aumentam o grau de incerteza e insegurança jurídica (O direito na economia globalizada, São Paulo, Malheiros, 1996, p. 131-140).


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