Gustavo Bernardo educaçÃo pelo argumento colaboração de gisele de carvalho rio de Janeiro – 2000 Copyngh, 2000 by Gustavo Bernardo Direitos desta edição reservados à editora rocco ltda rua Rodrigo Silva, 26 5° andar



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Mas é válido aplicar a mesma regra aos juízos de valor? Não. Juízos de valor podem ser obviamente contrários, mas não podem ser contraditórios, pela razão muito simples de que eles expressam sempre um determinado e irrepetível ponto de vista, defendendo um determinado e irredutível (a outrem) interesse. Na melhor (ou pior) das hipóteses, se tem um dilema: ou bem Fulano e Sicrano discutem, ao analisar uma questão de natureza ética, jurídica ou política, diferentes pontos de vista, sendo que um não pode ”ver” o que e como o outro vê, ou bem Sicrano e Fulano simplesmente nada têm a discutir quando um considera ruim aquilo que o outro considera bom por exemplo, a derrota do primeiro e a vitória do segundo.

60 Idem, ibidem, p. 50.

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Isto parece relativamente fácil de demonstrar, quando tratamos de tomates e de fulanos. A questão se complica, na ciência como no cotidiano, na hora em que não se consegue distinguir, com clareza, enunciados factuais de juízos de valor. Então, o que se faz necessário? Argumentos cuidadosamente elaborados. A elaboração dos argumentos, por sua vez, implica escolha criteriosa dos termos que discriminem as suas partes.

Peirce considera um erro afirmar que uma boa linguagem é importante para o bom pensar; na verdade, uma linguagem elaborada e adequada faz parte da essência do pensamento: ”a vida do pensamento e da ciência é a vida inerente aos símbolos”.61 Os símbolos especiais, para o lógico, são fundamentais para manipular enunciados e argumentos. Por que se substituíram os números romanos pela notação árabe? Porque estes são mais fáceis de compreender do que aqueles, e, principalmente, pela facilidade de cálculo. Qualquer menino da escola fundamental pode multiplicar sem dificuldade 113 por 9 (ou ao menos deveria poder fazê-lo). Mas multiplicar CXIII por IX é uma tarefa bem mais difícil, e a dificuldade aumenta se considerarmos números maiores.

Da mesma maneira, analogamente, a adoção de uma notação lógica especial facilita sobremaneira a derivação de inferências e a avaliação de argumentos - ou deveria facilitar. A estreita relação entre a Lógica Simbólica e a Matemática se beneficia dos procedimentos de simplificação, ao mesmo tempo que se prejudica com os equívocos do ensino de Matemática, que torna dificílimo (e traumatizante) o que foi criado para facilitar o pensamento.

Ocorre com o ensino de Matemática o mesmo que acontece com o ensino de uma língua estrangeira: tenta-se ensinar uma e outra disciplina como se aprende a língua materna, isto é, desconsiderando o que o aluno já sabe. Quando o professor de Inglês exige que o aluno, desde os primeiros contatos com o novo idioma, não pense ”em português”, pense apenas ”em

61 Em Irving Copi. Obra citada, p. 225.

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inglês”, está não só desejando o impossível, como forçando o aluno a abdicar do seu principal instrumento de aprendizagem: a comparação com o que já sabe. O ensino de Matemática é na verdade o ensino de uma linguagem: ou se beneficia da comparação direta e permanente com a língua materna (como bem postula o professor Nilson Machado), dizendo a todo instante o que exatamente a Matemática simplifica, ou persiste no esforço insano de esmagar o aluno com signos apresentados da maneira mais hermética e esotérica possível, sugerindo que apenas uns poucos escolhidos pela divindade entendem aquela cabala misteriosa.

Talvez não se trate, porém, de um esforço completamente insano; talvez se trate de um deliberado procedimento autoritário, destinado a desensinar para manter e reforçar o micropoder do professor: quanto menos o aluno sabe, ou, quanto mais o aluno sabe que não sabe, mais o docente reforça a sua própria posição ”superior” (e indecente). Muitas vezes, o professor de língua materna sente inveja desse poder do professor de Matemática, e faz predominar nas suas aulas o ”ensino” das regras gramaticais. Enfatizando as ”orações subordinadas substantivas objetivas indiretas reduzidas de gerúndio”, consegue efeito muito semelhante ao das aulas do colega: tédio, na melhor das hipóteses - medo e ignorância congelada, na pior.

O fundamento destas disciplinas deve ser a simplicidade. A simplicidade é precondição da generalidade, qualidade necessária quer aos enunciados científicos quer às avaliações políticas. Bertrand Russell chega a recomendar o seguinte exercício: ”quando, numa frase que exprima opinião política, houver palavras que despertem emoções diferentes mas poderosas em leitores diferentes, procuremos substituí-las por símbolos, a, P, ( ), e assim por diante”.62

Ele dá um exemplo do pós-guerra, supondo que a seja a Inglaterra (seu país), P a Alemanha (recém-derrotada) e 0 a Rússia (o inimigo do Ocidente, na guerra ”fria” que se sucedeu à

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Segunda Grande Guerra). Diz que, enquanto nos lembrarmos do que essas letras gregas significam, só conseguiremos formular hipóteses que dependam estreitamente do fato de se ser inglês, alemão ou russo, o que deveria ser logicamente irrelevante.

Na álgebra elementar, ao resolvermos problemas relativos a A e J, subindo uma determinada montanha, não mostramos interesse emocional sobre as identidades ou qualidades dos senhores (ou senhoras) a que os símbolos se referem, procurando encontrar a solução do caso com correção impessoal. Mas, se pensamos que a somos nós mesmos, P o nosso odiado rival e )) o professor que apresentou o maldito problema, os nossos cálculos sofrem perigosa interferência emocional: fazemos todo o possível para a ser o primeiro e (j) o último. Ora, quando deparamos com questões políticas, essa espécie de interferência emocional mostra-se mais grave, e tornam-se necessários cuidado e prática para refletirmos com a generalidade que usamos diante de um problema algébrico.

Esse é o valor, propriamente ético, da Matemática, da Lógica e, extensivamente, do argumento dedutivo. Aquele que argumenta deve ostentar uma postura semelhante à do médico, que tenta salvar vidas incondicionalmente; não lhe interessa a personalidade, o caráter, os feitos ou malfeitos do seu paciente.63 É irrelevante se a pessoa de que cuida é herói ou monstro. De forma equivalente, aquele que argumenta deve buscar princípios suficientemente gerais que orientem o seu raciocínio, desvinculando-o, o máximo possível (porque a neutralidade absoluta é humanamente impossível), das suas emoções e idiossincrasias.

A generalidade, a notação abstrata, a economia de meios, fornecem as condições de possibilidade do argumento dedutivo. A arte, na pintura, na literatura, na música, na escultura, na dança, busca a mesma economia de meios para conquistar um poder de representação maior. Assim como a, P e t , a Lógica usa uma série de símbolos e operadores lógicos para simplificar

62 Bertrand Russell. Obra citada, p. 45.

63 Cynara Nahra. Obra citada, p. 85.

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e demarcar os seus argumentos. No entanto, não fazem parte do escopo deste livro os diversos operadores lógicos bem como as tabelas-verdade; podem ser encontrados em diversos manuais de Lógica (observar, ao final, na nossa estante). Vamos nos preocupar, antes, com a aplicação dos princí- pios da lógica formal à argumentação. Nesse sentido, um dos conceitos básicos para orientar toda argumentação é o conceito de pressuposição.

É importante explicitar o máximo possível todas as premissas do argumento, mas de fato não é possível explicitar todos os pressupostos de cada sentença. Por definição, um pressuposto épré-suposto, ou seja, é uma suposição que se põe como condição prévia ao discurso, sem que necessariamente se precise enunciá-lo.

Entretanto, em uma discussão, cabe aos interlocutores justamente discutirem as pressuposições um do outro, para melhor se convencerem um ao outro (ou o outro ao um). É possível discordar de determinada afirmação explicitando a sua pressuposição e inferindo o absurdo, não exatamente da afirmação, mas dos seus pressupostos. Se em um interrogatório se pergunta, por exemplo, ”onde você gastou o dinheiro que roubou?”, está pressuposta uma pergunta anterior - ”foi você que roubou o dinheiro?” - e sua resposta afirmativa.

É preciso supor várias idéias para se começar a pensar e a argumentar. Não à toa os manuais de Matemática principiam os seus problemas com ”suponhamos que...”. Em decorrência, os enunciados dedutivos são eminentemente condicionais: se isto, então aquilo. Chamam-se, propriamente, enunciados condicionais, hipotéticos ou implicativos: se a, então P. Representa-se também desse modo: a Z) P. Deve-se prestar atenção, sobremaneira, à relação entre eles, indicada pelo símbolo de implicação (D): ela é mais importante do que a verdade ou a falsidade dos termos isoladamente. ”Um enunciado condicional afirma que seu antecedente implica seu conseqüente. Não afirma que seu antecedente seja verdadeiro, mas unicamente

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que, se seu antecedente for verdadeiro, então seu conseqüente também será verdadeiro. Tampouco afirma que o conseqüente é verdadeiro, mas apenas que o conseqüente é verdadeiro se o antecedente o for”.64

com esses termos, vamos construindo a teoria da argumentação. Nela, importa perceber que termos, ou conceitos, como pressuposição, enunciado, hipótese, declaração, proposição, premissa, conclusão, são eminentemente termos relativos.65 A consciência do signo implica, portanto, a consciência do caráter relacional, logo, dinâmico, móvel, das idéias que o argumento expressa (seria mais preciso dizer: das idéias que o argumento movimenta).

A verdade não se encontra em a, ou p; a verdade não pertence a Fulano, ou Sicrano (tampouco a Beltrano); a verdade lógica reside no movimento e nas relações: em z , Z), — , —, T, i, , r4, isto é, no x .

Há duas perspectivas pelas quais se pode avaliar a qualidade de um argumento: pela sua verdade ou pela sua validade. No primeiro caso, questionamos a e P: perguntamos sobre a verdade dos termos. No segundo caso, questionamos Z): perguntamos sobre a validade da relação que se estabeleceu.

No cotidiano, nos discursos, nas redações, a ordem dos termos no argumento varia enormemente; é muito comum, por exemplo, o conseqüente se apresentar antes do antecedente. Observe-se a passagem, extraída do romance Dom Quixote: ”estes livros não merecem ser queimados como todos os demais, porque não fazem, nem farão, os danos que os de cavalaria têm feito; são obras de entretenimento, sem prejuízo de terceiros”. Se quisermos colocar o argumento na forma lógica padrão, explicitando inclusive algumas das suas pressuposições, poderíamos esquematizar assim:

64 Irving Copi. Obra citada, p. 235.

65 Idem, ibidem, p. 23.

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*Todo livro que prejudique as pessoas merece ser queimado.

* Estes livros são obras de entretenimento.

* Estes livros não causam prejuízo a terceiros.

* Estes livros não fazem os danos que os de cavalaria têm feito.

* Estes livros não merecem ser queimados.

Diz-se que um argumento se encontra na ”forma lógica padrão” quando as premissas e a conclusão estão ordenadas: primeiro aquelas, depois esta. Entre as premissas e a conclusão pode-se interpor um traço contínuo, que representa o indicador de conclusão: ”então, logo”...66

Aprender a colocar os argumentos na forma lógica padrão é importante por dois bons motivos: primeiro, para planejar o próprio argumento antes da sua redação final (conferir o capítulo anterior), verificando previamente a força, ou a fraqueza, das suas premissas; segundo, para combater melhor o argumento de outrem, investigando a fraqueza, ou a força, das suas premissas.

Somente a partir da explicitação e esquematização do argumento, podemos verificar os seus valores de verdade e as suas condições de validade. Importa atentar para o fato de que verdade ou falsidade podem ser atributos das premissas e das proposições iniciais, mas nunca dos argumentos. Do mesmo modo, propriedades de validade ou invalidade podem pertencer a argumentos dedutivos, mas nunca a proposições.67

Estas restrições são fundamentais. Costumamos refutar argumentos alheios in totum, o que não só enfraquece a nossa refutação, porque há certamente partes desses argumentos verdadeiras (todo mundo tem razão - alguma...), como nos faz perder a oportunidade ímpar de aprendermos alguma coisa

66 Cynara Nahra. Obra citada, p. 103.

67 Irving Copi. Obra citada, p 38.

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com perspectivas diferentes da nossa (ainda que calçadas em premissas possivelmente falsas).

Estabelecer a verdade de quaisquer premissas é sem dúvida complicado. Na verdade, convencionam-se algumas coisas como verdades, salvo melhor juízo, para permitir-nos pensar, argumentar, conviver, fazer ciência, fazer amigos, fazer amor, e assim por diante. Estas convenções são absolutamente necessárias, é claro, mas volta e meia um filósofo aparece para balançar as nossas verdades.

O que é então a verdade? Uma multiplicidade incessante de metáforas, de metonímias, de antropomorfismos, em síntese, uma soma de relações humanas que foram poética e retoricamente elevadas, transpostas, ornamentadas, e que, após um longo uso, parecem a um povo firmes, regulares e constrangedoras: as verdades são ilusões cuja origem está esquecida, metáforas que foram usadas e que perderam a sua força sensível, moedas nas quais se apagou a impressão e que desde agora não são mais consideradas como moedas de valor, mas como metal.68

Estabelecer a validade de um argumento, por outro lado, por estranho que pareça à primeira vista, é bem mais simples. Isto acontece porque as regras de validade são estabelecidas conscientemente por nós, enquanto os critérios que separam a verdade da falsidade se encontram diluídos e espalhados na ”natureza” e na ”realidade”, de tal modo que não temos acesso direto a eles.

Isto não significa que devemos abdicar completamente de discutir a verdade das premissas de um argumento - até porque, mesmo se disséssemos tal coisa, todos continuaríamos questionando a verdade disto e daquilo. Devemos, aí sim, guardando sempre o primado da dúvida, desconfiar das verdades estabelecidas, inclusive e principalmente por nós mesmos.

68 Friedrich Nietzsche. Crepúsculo dos ídolos, p. 69.

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Mas, para que a desconfiança não se transforme num ceticismo estéril, improdutivo, não há melhor atalho do que estudarmos as condições de validade dos argumentos.

O que importa saber? Que há: (1) argumentos válidos e verdadeiros; (2) argumentos com premissas e conclusão falsas que, no entanto, são válidos; (3) argumentos com premissas e conclusão verdadeiras que, no entanto, não são válidos; (4) argumentos inválidos com premissas falsas e conclusão verdadeira, ou o contrário: com premissas verdadeiras e conclusão falsa.

Considerando que todas as baleias são mamíferos e que todos os mamíferos têm pulmões, deduz-se que todas as baleias têm pulmões” é um argumento do tipo 1. ”Considerando que todas as aranhas têm seis pernas e que todos os seres de seis pernas têm asas, deduz-se que todas as aranhas têm asas” é um argumento do tipo 2: com premissas e conclusão falsas, no entanto, válido. ”Se nós possuíssemos todo o ouro do Banco Central, seríamos muito ricos; porém, como não possuímos todo o ouro do Banco Central, não somos ricos” já é um argumento do tipo 3, com premissas e conclusão verdadeiras (podemos garantir), porém, inválido. Em contrapartida, o argumento ”se Bill Gates possuísse todo o ouro do Forte Knox, seria muito rico, mas, como não possui todo esse ouro, ele não é rico” é do tipo 4, com premissas verdadeiras e conclusão falsa.



Definimos um argumento como válido quando a sua conclusão segue necessariamente das premissas. No argumento válido, portanto, é impossível que, sendo verdadeiras as premissas, seja falsa a sua conclusão. Definimos um argumento como inválido quando a sua conclusão não segue necessariamente das premissas. No argumento inválido, portanto, é possível que, mesmo sendo verdadeiras as premissas, seja falsa a sua conclusão.

Se considerarmos que um mês tenha 365 dias e que um ano tenha 31 dias, então, necessariamente, um mês abrangerá um

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período de tempo maior do que um ano. O argumento é válido, ainda que as duas premissas sejam falsas (ou melhor, ainda que as duas premissas estabeleçam convenções opostas àquelas a que estamos habituados).

Digamos que um político emita o seguinte juízo, na sua campanha eleitoral: se um partido é mais organizado, devemos votar nele; ora, o meu partido é mais organizado; logo, vocês devem votar nos candidatos do meu partido, e um destes candidatos sou eu mesmo. Para respaldar sua tese, ele mostra, no programa eleitoral da televisão, diferentes professores de Lógica que, confrontados com o seu argumento, disseram que o seu argumento era válido.

Então, argumentos válidos são argumentos cínicos? Não. Nesse caso, acresce-se à validade do argumento uma dose desagradável de malandragem. Os professores de Lógica tinham de afirmar que o argumento era válido, o que não significa, necessariamente, qualquer tipo de apoio ao político em questão. Quando a lógica diz que o argumento X é válido, diz apenas que, se as suas premissas são verdadeiras, a conclusão forçosamente o será. Nada impede, entretanto, que se questione exatamente a veracidade das premissas, como certamente aqueles mestres teriam feito: deve-se votar no partido mais organizado, ou naquele que apresenta as melhores propostas e as melhores condições de implantá-los, das quais a organização interna é apenas um dos aspectos, talvez nem o principal? Ainda: supondo verdadeiro que se deva votar no partido mais organizado, quais são as evidências que garantem que o partido do Fulaninho seja de fato o mais organizado?

E ainda se podem questionar algumas pressuposições anteriores que estão implícitas, como, por exemplo, a pressuposição de que se deva votar, ou que se deva votar em Fulano ou Beltrano. Há quem faça campanha pelo voto nulo, como há quem faça campanha contra o voto obrigatório - com bons argumentos.

Os argumentos transformam-se, como vimos, em teorias. O fundamento destas e daqueles é a hipótese básica, ou o conjunto

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de hipóteses básicas. Irving Copi define alguns critérios, habituais nos procedimentos científicos, para se julgar o valor e a aceitabilidade das hipóteses. Podemos recorrer a eles para estudar os nossos argumentos e dos demais. Seus critérios são: d relevância; © compatibilidade com hipóteses prévias bem estabelecidas; (D poder preditor ou explicativo; © possibilidade de submissão a teste; (D simplicidade.69

Parece óbvio (mas não custa enfatizar) que a hipótese deve ser relevante para o fato que pretende explicar, isto é, o fato deve ser deduzível da hipótese proposta. Também parece razoável que uma hipótese nova seja compatível com as demais hipóteses existentes e bem estabelecidas, e que não sejam diretamente modificadas pela nova hipótese. Da mesma forma, o leitor deve aceitar com facilidade que a hipótese em questão explique os fenômenos de que trata, ou até mesmo permita-nos fazer previsões a partir dos fenômenos explicados. Mas queremos chamar a sua atenção para os dois últimos critérios.

Todo argumento deve poder ser refutado, e os meios para a refutação devem estar contidos, explicitamente, no corpo do argumento. É o que empresta todo o caráter dialógico (poderíamos dizer, também, democrático) ao argumento.

Recentemente, um cientista disse ter clonado uma ovelha (chamou-a Dolly), mas não divulgou suficiente e extensivamente o seu experimento, impedindo quer que se comprovasse, por outros cientistas em outros laboratórios, a possibilidade de clonagem de seres vivos e complexos, quer que se refutasse o seu experimento. Sofreu, em decorrência, uma série de censuras gravíssimas, feitas por seus pares e pela imprensa.

Deus existe, porque eu creio Nele” pode ser uma bela afirmação de fé, mas não é um argumento; não se pode provar nem que Deus exista, nem que Deus não exista, porque o enunciado não dá condições de refutabilidade ou de testabilidade ao interlocutor.



69 Irving Copi. Obra citada, p. 386.

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O critério da simplicidade, por sua vez, pode gerar algum estranhamento ao leitor preocupado com a complexidade do mundo, das pessoas e das coisas. Se nada é simples, como uma teoria, um argumento, devem ser simples? Simplesmente porque o pensamento e o discurso representam esforços, ainda que no limite impossíveis, de simplificar o que se observa. O critério exclusivo da simplicidade não se sustenta, mas sem ele não há ciência ou argumentação. Em todos os tempos, em todos os tribunais, em todas as cátedras, a melhor explicação é aquela que, sendo relevante, sendo compatível com hipóteses prévias, sendo capaz de formular conseqüências e previsões para diante e sendo passível de submissão a teste, seja também a mais simples, ou seja: mais genérica, capaz de convencer mais gente, portanto de produzir (no sentido construtivo do termo) mais conhecimento.

Nesse momento, já podemos dar um nome à forma lógica padrão, que representa o máximo de simplicidade a que pode ser reduzido um argumento dedutivo.

Desde Aristóteles, a forma nobre do raciocínio chama-se ”silogismo”. Se tentássemos fazer a etimologia dessa palavra, mas sem consultar o dicionário apropriado, seríamos tentados a enxergar sob ela a expressão ”se-é-lógico”, baseados na estrutura condicional ”se — então”, que funda a lógica e o raciocínio. Entretanto, se consultarmos o dicionário adequado, veremos que a palavra vem de um termo grego que significa ”juntar os feixes de feno”. O silogismo, portanto, é uma estrutura argumentativa que junta a com (3 através de Q, isto é, através de um termo médio.

Pela ênfase da lógica grega no argumento dedutivo, costuma-se subsumir o silogismo à dedução, simplesmente. No entanto, há controvérsias. Pascal Ide, por exemplo, considera que o raciocínio dedutivo parte do geral para o particular, enquanto o silogismo partiria do geral para o geral mesmo: ”com efeito, o silogismo se pratica antes de tudo sobre matéria universal, não sobre singulares que são contingentes”.70

70 Pascal Ide. Obra citada, p. 105.

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Com ele concorda Ferrater Mora,71 ao defender, no verbete apropriado, que o célebre silogismo ”todos os homens são mortais; ora, Sócrates é homem; logo, Sócrates é mortal” na verdade não o é, porque contém um termo singular.

Para ambos, o silogismo é a forma do raciocínio que permite o discurso científico, relacionando duas premissas universais que jamais se havia pensado em aproximar até então, fazendo dessa aproximação fonte de nova compreensão. Assim se teriam realizado as grandes invenções, como a de Louis de Broglie, quando inventou a mecânica ondulatória, aproximando ”onda” e ”corpúsculo” - atribuindo uma onda a todo corpúsculo.

Em boa parte dos manuais de lógica, entretanto, o silogismo nos é apresentado através do ”exemplo clássico de Aristóteles”, aquele que conclui pela mortalidade de Sócrates. Só que isso é, primeiro, uma injustiça histórica (Aristóteles jamais apresentou esse exemplo), e, segundo, um erro lógico, se o silogismo não se pratica sobre singulares contingentes, mas sobre universais.

O falso silogismo da mortalidade de Sócrates seria na verdade uma caricatura do silogismo, responsável por certo desprezo dos alunos pela lógica. Parece, de fato, um tanto ou quanto inútil gastar três frases para emitir o óbvio ululante. O filósofo tcheco-brasileiro Vilém Flusser, num texto rigorosamente lógico e logicamente engraçado, publicado no jornal Folha de S. Paulo de 24 de março de 1972, caricaturou, por sua vez, essa caricatura do silogismo, com a ajuda de um animal que não existe (mas que, apesar disso, é bastante poderoso, como, aliás, grande parte das coisas que não existem).

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