Língua, texto e ensino Outra escola possível



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Essa consideração me leva a indicar, retomando, até certo ponto, elementos de outras propostas ante­riores, que o insucesso da escrita escolar é responsa­bilidade mais de outros fatores do que do componente linguístico. Na verdade, esse insucesso tem raízes em espaços e momentos anteriores àqueles da elabora­ção de um trabalho escrito. Tem raízes na ausência de uma condição básica, insubstituível, necessária, que é ter o que dizer. Ou seja, tem raízes na contingên­cia daquela intertextualidade não estimulada, não providenciada na escola, que se satisfaz na rotina de escrever textos sem discussão prévia de informações e dados, sem planejamento, sem rascunhos, imobili­zada numa única versão, em geral, improvisada.

...

Nossa competência mais significativa para escrever textos relevantes não se esgota com simples resolução de pequeníssimas questões, como evitar a expressão "a nível de" ou a outra "entrega em domicílio". Essas e outras são questões pontuais que se resolvem com simples consultas aos manuais específicos. Ter ideias para desenvolver em um texto, saber estruturá-las e ordená-las, conforme as normas de suas tipologias, é que constituem competências significativas. Nessas, a escola deveria concentrara melhor de suas atenções.



...
Dessa preparação - próxima e remota - é que se poderia partir para aquelas referidas operações de:

- recapitulação, ou que partes do que eu já sei podem ser trazidas para o texto que escrevo no momento?

- de remontagem, ou como posso dar a esse saber acumulado um novo rosto, uma nova formulação?

- de reenquadramento, ou em que pontos ou sob que outras perspectivas posso avançar na inserção dos saberes recapitulados e remontados?

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Sem essa intertextualidade, provedora de um repertório de dados, de informações, de conceitos, de princípios, de outras narrativas, de que forma administrar o processo de redigir seja o que for, desde sua primeira planificação até o momento final de sua elaboração?

Uma evidência nem sempre tida em conta na didática da escrita é que, anterior ao "como dizer" ou "em que ordem dizer", está "o que dizer", pon­to onde começa, inclusive, a condição de relevância do texto. 0 princípio da "expressabilidade" defendido pela pragmática linguística, segundo o qual "tudo o que se quer dizer pode ser dito" (nas palavras de Searle, 1981, p. 30) pressupõe que algo há para ser dito, ou seja, algo está mnemonicamente disponível para ser, na hora devida, acionado.

Na normalidade dos casos, esse algo a ser dito não é inteiramente ori­ginal, pelo menos desde o ponto de ancoragem, já que o "novo" pressupõe um "dado" em relação ao qual ele pode ser considerado novo. Isso é mais admissível ainda quando se trata de comentários, de textos de opinião e outros de natureza expositiva ou argumentativa (os tais textos dissertativos tão usuais na prática escolar).

Pelo viés exposto, parece-me podermos chegar a um dos pontos ra­dicais para explicar os maus desempenhos dos alunos em suas tarefas escolares. Com muito poucas exceções, tais exercícios são propostos, qua­se sempre, sem a providência de uma operação precedente de armazena­mento de informações e, dessa forma, são realizados sob a precariedade de paradigmas, de onde não é possível partir para uma produção particu­lar relevante, a qual, na verdade, é original sem deixar de ser reconside­ração, reenquadramento ou reinvenção.

A escrita produzida na escola, mesmo aquela sob a condição do trei­no ou do exercício, nunca deveria ser uma escrita pontual, no sentido de ser construída no momento imediato de sua materialização gráfica, como se escrever não implicasse uma atividade processual constituída na sucessividade de operações diversas e igualmente determinantes.

A natureza de tais operações conduz a que, forçosamente, qualquer atividade de redação se inicie muito antes até mesmo do momento pré-escritural da planificação. Isto é, se inicie na consulta, na confrontação com outros materiais, de qualquer forma atinentes aos tópicos que se pretende comentar.

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A continuidade que sob esse modelo é promovida sela a natureza dialógica de toda criação, que, sendo novidade, o é pela relativa mobilização e retomada de unidades, elementos ou aspectos disponíveis pelo conhecimen­to de outras produções anteriores.

Em nenhum momento, pretendo que a mobilização dos dados e das informações prévias fique restrita ao planejamento imediato que antece­de o exercício motor da escrita. Nem mesmo essa atividade de planifica­ção está aqui, primariamente, em jogo.

O que pretendo ressaltar - no empenho de emprestar à didática da escrita um cunho verdadeiramente interdisciplinar - é a necessidade, a curto e a longo prazos, de aquisição, de ampliação de repertórios, amplos, diversificados e relevantes, a partir dos quais possa ser possível a cons­trução de novas exposições, de novos comentários, de novas análises. Não só: é necessário que sejam explicitadas as regras desse jogo, desse qua­se ritual de recuperação e de reaproveitamento das "lições" anteriormente aprendidas.

Talvez, nessa perspectiva, tivesse mais interesse entrar em contato com os escritos dos outros. Talvez, assim, pudéssemos constatar mais êxito na tarefa de redigir.

...

Será que a escrita de texto

não tem sido uma tarefa duramente penalizada porque mal compreendida?

...

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PARTE III

O ENSINO DE LÍNGUAS SOB NOVOS OLHARES
Capítulo 10

E SE OINSINO DE LÍNGUAS NÃO PERDER DE VISTA AS FUNÇÕES SOCIAIS DA INTERAÇÃO VERBAL?

...

Este capítulo retoma, com substanciais alterações, uma reflexão que apresentei na 48a Reunião da SBPC, em julho de 1996, e publicada no Boletim 19 da ABRALIN.

...
Referi-me, logo no final do capítulo anterior, à ta­refa de redigir como sendo uma tarefa que a escola tem penalizado porque a tem compreendido mal. Mas, a tem compreendido mal, por quê? Em que sentido?

Tentemos buscar uma resposta a essas perguntas.

Primeiramente, tomo como fundamentos teóri­cos três pontos, dos quais passo a apresentar uma recapitulação em sumário desenvolvimento.

1. Padrões linguísticos e exercício da atuação verbal

Qualquer perspectiva da teoria linguística dá conta de que subsiste e subjaz a toda experiência de interação verbal um conjunto de regras que estabelecem os modos de escolha e organização das unidades, de maneira que seu conjunto faça sentido e possa funcionar comunicativamente. Se é verdade que a atividade verbal ultrapassa os limites do linguístico, não é menos verdade que, sem a materialidade das palavras, não há o exercício

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da linguagem verbal, como é verdade também que tais palavras se devem compatibilizar de acordo com padrões morfossintáticos - além de outros semânticos e pragmáticos - mais ou menos estabelecidos.



O exercício da interação verbal, por conseguinte, não se faz sem pala­vras e não se faz aleatoriamente. Obedece a padrões, a regularidades de diversas ordens.
2. A atividade interativa e as condições de aquisição desses padrões

A apreensão dos padrões de escolha e organização das unidades da língua somente acontece se o sujeito se submete ao uso da língua, na forma necessária da sua textualidade. Ou seja, segundo se expressa Sch­midt, em seu livro Linguística e teoria do texto, de 1978, é na condição da língua-em-função que se apreende todo o conjunto dos padrões de uso da língua. Não os padrões pelos padrões, mas os padrões que estão ligados à produção do sentido e às utilizações com que podem funcionar na atividade verbal que as pessoas empreendem no cotidiano. Padrões funcionais, portanto. Padrões do uso, que, por isso mesmo, estão im­pregnados de historicidade.



Logo, falando, ouvindo, lendo, escrevendo é que vamos incorporando e sedimentando os padrões da língua. Não há outro jeito!
3. A interação verbal e as condições de explicitação das regras da língua

Em relação às regras que definem esses padrões, uma tarefa da es­cola consiste em providenciar a sua crescente explicitação, na pretensão única de assegurar ao sujeito aprendiz uma atuação verbal cada vez mais relevante e coerente (monitorada, também, quando for o caso). À escola cabe, portanto, desvendar (quer dizer, 'tirar do escondido’) os modos de funcionamento da língua; abrir esse universo para que as pessoas possam ver suas regularidades, suas estratégias e táticas de uso.

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Essa pretensão será conseguida na medida em que essa explicitação, esse desvelamento tiver como parâmetro as ocorrências textuais e o caráter inte­rativo de tais ocorrências. Já que não interagimos pelo uso de frases soltas, somente o sentido conferido pela funcionalidade das atuações discursivas pode emprestar relevância e aplicabilidade à atividade metalinguística de ex­plicitação de regras e de padrões gramaticais. As frases têm sentido enquanto fragmentos dessas atuações e, aí, não estão soltas; interdependem-se.

Por exemplo, apenas apresentar o quadro dos pronomes pessoais, na sua múltipla classificação, é insuficiente e adianta muito pouco. Adian­taria ver, em diferentes gêneros orais e escritos, formais e informais, de que maneira os pronomes aparecem na sequência do texto; onde costumam aparecer; onde e por que convém que não apareçam; que efeitos seu empre­go traz para a continuidade e coerência; que diferenças podem apresentar nesse ou naquele gênero de texto; quando, em lugar do pronome, podería­mos recorrer a uma elipse; que consequências traria o mau emprego do pronome; o que seria 'um mau emprego do pronome' etc. O estudo cen­trado em pares de frases - reduzido à substituição de substantivos por pronomes - não é capaz de dar respostas a essas e a outras perguntas. Tampouco, é capaz o estudo apressadinho, em duas ou três aulas - apenas para cumprir o programa - sem o suporte de textos, de muitos textos, de diferentes gêneros, para serem minuciosamente analisados.

Por essas considerações, fica claro que não está em questão, em nenhuma proposta de nenhum lin­guista, retirar a gramática da programação do ensino. Nada mais simplista e sem fundamento do que a ideia de que "já não é para ensinar gramática". Impossível. Não existe língua sem gramática. O que está em ques­tão, na proposta de um ensino mais relevante, é a perspectiva a partir da qual se veja o funcionamento interativo da língua, quer na dimensão de seu voca­bulário, quer na dimensão de sua gramática, quer, ainda, nas regularidades de construção e organização de seus diferentes tipos e gêneros de textos.

...


O nó é se saber qual é a gramática que se deve ensinar. Qual é aquela que já se sabe e o que fazer para ampliá-la e entendê-la melhor.

...
Assim, se considerarmos a linguagem nas suas funções de interação, outra perspectiva não podemos adotar em seu estudo senão a das efetivas experiências da comunicação dialógica.

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Vejamos a seguir um pouquinho de como se comportam os alunos quando o objeto de estudo que lhes é apresentado não parece fazer parte de sua experiência de usuário da língua. Vejamos também a qualidade de seu desempenho quando, ao contrário, lhes é proposta uma atividade que corresponde às suas experiências de atuação comunicativa.
4. Análise de uma experiência de avaliação

Na tentativa de apreciar a pertinência concedida aos três princípios apresentados atrás, tomei, aleatoriamente, quarenta exercícios de avalia­ção realizados por alunos do ensino fundamental da cidade de Recife, PE, numa prova realizada pela Secretaria de Educação do Estado, em 1994.


Minha avaliação constou do seguinte:

- num primeiro momento, procurei avaliar a correspondência esta­belecida pelos alunos entre elementos de metalinguagem solicita­dos nos comandos das questões e as soluções por eles encontra­das. Ou seja, que respostas os alunos construíram para as questões metalinguísticas propostas a partir de frases retiradas de um texto anteriormente apresentado;

- num segundo momento, procurei avaliar, igualmente, a correspon­dência estabelecida entre questão e resposta, só que, agora, em re­lação a uma solicitação de caráter eminentemente textual e discur­sivo, devidamente situada e contextualizada.

Vale a pena informar que as questões de ordem mais metalinguística - as primeiras aqui analisadas - vinham a seguir à apresentação de um pequeno relato, no qual se narrava o que aconteceu a uma família que dormia tranquila numa noite de chuva. Entre outros pormenores, a narra­tiva dava conta de que algumas goteiras caíam sobre os móveis e de como os meninos dessa família participavam do acontecimento.


5. Pois bem: a que conclusões cheguei?

Os resultados apontaram, no primeiro momento, para uma nítida, ex­pressiva e desconcertante discrepância entre a solicitação feita e a relevân­cia funcional da resposta apresentada.

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À guisa de exemplificação, selecionei três questões e, para cada uma, algumas das respostas que me pareceram mais salientes.


A questão 1 era constituída do seguinte:

Leia a frase a seguir e retire dela o que se pede:

Os móveis ficavam molhados por causa das goteiras.

a) Sujeito:

b) Predicado:

Soluções encontradas pelos alunos para a questão 1:



    1. Sujeito: molhados

Predicado: goteiras

    1. Sujeito: molhados

Predicado: móveis

    1. sujeito: moveis goteiras ficavam

predicado: molhados por causa

1.4. sujeito: menino

predicado: virava gostava de goteiras.


    1. Sujeito: Os moveis ficavam

Predicado: molhados por causa das goteiras

1.6. Sujeito: os sujeito ficavam molhados da goteiras

Predicado: os predicados ficavam molhados por causa da goteira
A questão 2 pedia:

Reescreva a frase abaixo, colocando o verbo nos tempos indicados:

Os mais velhos ficam aborrecidos.

Passado:.

Futuro:...
Soluções encontradas para a questão 2:

2.1. presente

Onipotente

2.2. Os mais novos vicaram aburrecido

Os mais velhos ficaram alegre

2.3. Ficam aborrecidas

As mais velhas

2.4. Os mais velhos ficol aborrecidos

Os mais velhos ficam aborrecidos.
A questão 3 constava do seguinte:

Observe:


As panelas eram poucas para tantas goteiras e elas terminavam transbordando.

O pronome elas está no lugar da palavra....

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Soluções apontadas para a questão 3:

3.1. as meninas

3.2 terminavam,

3.3. mulheres

3.4. feminina

3.5. não

3.6. sim

3.7. elas terminavam

3.8. estava

3.9. aquelas

3.10. elas

Uma análise - ainda que sumária - da correspondência pretendida en­tre os comandos dessas questões e as soluções encontradas evidencia que o aluno descartou qualquer apelo ao sentido, às relações textuais - retros­pectivas ou projectivas - e, até mesmo, às evidências mais elementares da coerência. Mostra que o aluno não se deu, minimamente, à busca pertinente do conteúdo da solicitação e deixou de lado qualquer apoio a seu conheci­mento de mundo. Evidencia ainda que não houve, por parte dos alunos ana­lisados, levantamento de hipóteses de solução, de possíveis alternativas de resposta. Na verdade, os cálculos mais elementares não foram levantados - nem mesmo aqueles que acontecem numa adivinhação corriqueira.

Se nos detivermos nas respostas dadas à questão 3, constatamos que se perdeu aí, inteiramente, o sentido das relações referenciais entre os grupos nominais postos em questão (vejamos a substituição de 'elas' por 'as meninas', 'terminavam', 'mulheres', 'feminina'), o que deixa sem suces­so qualquer tentativa de compreensão mais global do enunciado. Ou seja, com base nas soluções apontadas pelos alunos, teríamos, por exemplo:

As panelas eram poucas para tantas goteiras e as meninas termina­vam transbordando.

As meninas transbordando? Nesse contexto? Como é que pode? Cadê o sentido? De que maneira restabelecer qualquer tipo de coerência em um enunciado desse tipo?

E se substituíssemos o pronome elas por feminina? As panelas eram poucas para tantas goteiras e feminina terminavam transbordando.

Nem mesmo o sem-sentido evidenciado foi capaz de acender o alerta dos alunos sobre a ilegitimidade da resposta que estavam dando, sem fa­lar na discordância morfossintática à vista.

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O resultado desse exercício, semelhante a tantos outros, está aí: a pro­dução de fragmentos sem sentido, fora de qualquer aproximação coerente com os elementos da situação posta. Como se não estivesse em jogo uma atividade de linguagem. Como se escrever fosse apenas uma tarefa de pre­encher, não importa como, as linhas deixadas em branco no papel. Como se a gente pudesse admitir que solicitação e resposta não constituem um par de enunciados, cujos elementos se condicionam mutuamente ou que, para qualquer solicitação, pode caber qualquer resposta. É como se a gen­te pudesse admitir que as palavras prescindem dos limites de sua própria definição semântica e de sua eventual dependência em relação ao texto e à situação em que ele ocorre.

As soluções apresentadas são um absurdo linguístico. Mais: um absur­do comunicativo; algo estranho ao cotidiano da fala desses alunos, mas que parece ter-se instaurado como coisa costumeira na prática da escola:

- que tem desconsiderado a funcionalidade da língua, a sua condição de prática social interativa, a serviço do mais amplo entendimento humano;

- que tem desconsiderado a atividade de análise do sentido e da coerência linguística e pragmática - com que as coisas são ditas.

Sei que não estou dizendo novidades. Mas creio que é preciso insistir na advertência de que ainda persiste na escola uma espécie de miopia para reconhecer que a explicitação dos aspectos morfossintáticos da lín­gua - absolutamente imprescindíveis ao adequado exercício verbal, como disse - aconteceria deforma mais produtiva se levássemos os alunos a co­locarem, como parâmetro de validade, os usos reais da língua, as coisas que dizemos para nos fazer entender e agir no dia a dia.

A miopia a que me referi no parágrafo anterior é muito cômoda, pois exi­ge pouco de quem ensina: as nomenclaturas quase não mudam; é paralisan­te, pois o que não é visto não é aguçado e, assim, deixa de haver crescimento. Muito mais, ainda, na etapa do ensino fundamental, quando determinadas nomenclaturas e classificações metalinguísticas soam esquisitas, ininteligí­veis e podem resultar avessas e odiosas. No entanto, essa miopia é lucrativa para uns tantos (não os mais desfavorecidos socialmente, é claro!).

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Mas o que pude constatar no segundo momento da análise pôs abaixo toda essa "desgovernança" linguística dos alunos. De fato, o segundo mo­mento da avaliação - aquele em que se tomou uma questão de natureza textual - revelou-se inteiramente significativo, pois as discrepâncias e a falta de sentido percebidas na etapa anterior desapareceram completa­mente. Evidentemente, quando as solicitações tiveram como objeto a pro­dução de um gênero, devidamente contextualizado e fazendo sentido na situação em que figurava circular, a escolha e a organização das palavras funcionaram de forma totalmente adequadas; sem aquelas discrepâncias com que, na mesma situação de avaliação, as respostas foram dadas.

A questão em análise foi a seguinte:

Escreva no balão o que Cascão pensou sobre o que a Mônica fez.

A solicitação era feita a partir de uma história em quadrinhos, que mostrava a Mônica, de olhos vendados, brincando de cabra-cega com seus amiguinhos. Na tarefa de encontrá-los, Mônica pôs-se a andar, tateando e, depois de algumas voltas, acreditou ter encontrado Cascão ao se aproxi­mar de um porquinho mal cheiroso. Satisfeita, gritou:

- Achei Cascão.

Daqui derivava a questão da prova: os alunos teriam que escrever em um balão o que Cascão teria pensado do fato de Mônica o ter confundido com um porco.

O interessante é constatar que os mesmos alunos que produziram aquelas respostas anteriores, tão desprovidas de sentido e de qualquer coerência contextual, apresentam, agora, soluções coerentes, expressivas, contextualmente pertinentes, peças de linguagem, no seu verdadeiro senti­do e no seu melhor estilo.

Vejamos algumas das respostas dadas pelos alunos:

"Aquela dentuça mim confundindo com um porco";

"Me confundio com um porquino que xera mal";

"eu posso ser jujo mais pra pensar que eu sou um porco";

"Mónica não gostei da pallaçada";

"não achei graça monica não quero brincar mas"

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"a monica pensou que eu fosse um porco."

"já pessou monica pessou que eu era um porquinho"

"Só porque eu não tomo banho ela vai me confundir com um porco."

"Ela está achando que eu sou o que Um porco é?"

"Eu acho que ela pensou que eu estava ali por riso."

"Ela pensa que eu sou um porquinho. Ela é uma gorda, dentuça."

"Ela pensou que fosse eu mais não foi que raiva"

"Ela esta me chamando de porco so porque não tomou banho"

"Não gostei da piada sem graça!"

"A Monica pensava que o porco era eu Ela estava muinto errada só porque cheiro mal."


Tem sentido, não tem, cada coisa que os alunos escreveram nos ba­lões? Diferentemente do sem-sentido, dos disparates que esses mesmos alunos disseram em repostas às outras questões, tudo aqui tem sentido, é coerente, tem expressividade e relevância comunicativa. As dificulda­des mais salientes são apenas de natureza ortográfica - ou pouco mais, o que facilmente pode ser resolvido. Ou seja, nenhuma discrepância foi identificada, quando se tratou de dar "fala" a personagens de um evento comunicativo, cujas condições de realização são inteiramente previsíveis na vida de todos nós, na língua que a gente fala.
6. O que se poderia pensar a partir desse quadro?

Primeiramente, valia a pena perguntar o que se pretende assegurar com o tipo de ensino que prioriza nomenclaturas e classificações meta- linguísticas de palavras e frases. Seria, por acaso, a exclusão de um grande número de pessoas do processo de construção da cidadania, no qual in­tervém também a adequada e relevante atuação verbal? Seria o despres­tígio da carreira de magistério, que se prestando, assim, a um trabalho tão pouco significativo justificaria socialmente os níveis de preparação institucional que obtém e as cifras salariais que alcança? Seria a redução e o falseamento do fenômeno linguístico, esvaziado, desse modo, de suas funções sociais e histórico-políticas? O que se pretende assegurar com esse tipo de ensino, afinal?

Evidentemente, nenhuma escola confessa que tem esses propósitos. Mas, no fundo, são eles que sustentam a prática escolar de salas superlo­tadas, sem tempo (dos professores e dos alunos) para a leitura, sem tem­po


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