Língua, texto e ensino Outra escola possível



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- segundo, a leitura de textos de outras disciplinas adquiririam esse teor de 'fonte de informação', matéria prima para futuras interações em que o conhecimento especializado de algum tema fosse solicitado.

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A escola parece ignorar esse princípio quando não põe em pauta prio­ritária o estudo das questões textuais. Porque não focalizar a matéria prima com que se constrói qualquer gênero de texto, ou seja, seu conteúdo semântico, seus propósitos comunicativos e suas regularidades textuais? A propósito, a consulta ao livro organizado por Neves et alii em 2003, explora a pertinência de se fazer da leitura e da escrita um interesse de ensino e pesquisa em todas as disciplinas.

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Com efeito, conforme já salientamos, informa­ções de uma lição de geografia, de história, de ci­ências podem fornecer os argumentos de que pre­cisamos para apoiar nossos comentários, em uma análise opinativa, por exemplo. Na grande maioria das vezes, o que nos falta, na elaboração de certos gêneros de texto, não são conhecimentos linguís­ticos (esses, nós já os temos bem armazenados!), muito menos conhecimentos acerca das termino­logias gramaticais. O que nos falta, frequentemen­te, são informações relevantes em torno das quais podemos nos dar ao exercício de desenvolver um tema. Comentar - contra ou a favor - um tema de política, preservação ambiental, pluralidade e con­vivência social, economia, desenvolvimento etc. exi­ge ter sobre essas questões uma gama razoável de informações, capazes de nos fazer dizer o que ou­tros poderão considerar "ditos relevantes".

Nesse caso, quando não se tem o que dizer, a saída é "encher" as "vinte linhas", é dizer o óbvio, o irrelevante, é dar voltas ao mesmo, o que em nada acrescenta ao que já se sabe. Em muitas das improvisadas "reda­ções" dos alunos, sem um trabalho prévio de exploração do tema, resta a obviedade, a irrelevância das afirmações e dos comentários, com significativo

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comprometimento da qualidade dos textos. Tudo isso agravado, depois, pela prática de avaliação de alguns professores que se restringem ao cuidado com a correção gramatical.

É bom lembrar que pobreza de informação, de ideias, que o fato de não ter o que dizer sobre determinado tema, afinal, são problemas que só se resolvem com a ampliação de nosso repertório de informações e de ideias; com a nossa capacidade de, criticamente, ler, ouvir, refletir, tirar conclusões, estabelecer relações entre os fatos. Não são propriamente problemas que se resolvem com aulas de análise sintática, com a procura da distinção en­tre complemento nominal e adjunto adnominal, diga-se mais uma vez.

A propósito da escassez de informação, e pensando na atuação das pessoas em setores da vida social e política, poderíamos lembrar - com pesar - a condição indefesa de quem não sabe ler e, consequentemente, de quem apenas dispõe de um corpo de informações restritas à transmis­são da oralidade. Por isso, a leitura acaba promovendo a inclusão social, acaba sendo uma condição do exercício pleno da cidadania.

Em suma e em termos bem prosaicos, podemos lembrar o óbvio: ler é uma forma de saber o que se passa, o que se pensa, o que se diz; é uma for­ma de ficar inteirado acerca do que vai pelo mundo, acerca do que vai po­voando a cabeça e o coração dos pensadores, dos formadores de opinião, dos cientistas, dos poetas; é uma forma de saber acerca das descobertas que foram feitas ou das hipóteses que estão sendo testadas, ou dos planos e projetos em andamento. Não podemos esquecer de que o mundo é "semiotizado" pela linguagem e de que somos feitos no diálogo viabilizado por ela. As concepções que temos, as teorias que propomos, os projetos que elaboramos nascem do acesso que temos à palavra circulante.

Daí que a leitura é uma espécie de porta de entrada; isto é, é uma via de acesso à palavra que se tornou pública e, assim, representa a oportunidade de sair do domínio do privado e de ultrapassar o mundo da interação face a face. É uma experiência de partilhamento, uma experiência do encontro com a alteridade, onde, paradoxalmente, se dá a legítima afirmação do eu.

Não podemos deixar de referir a utilização cada vez maior e mais per­tinente de textos que conjugam sinais de diferentes linguagens, que, para

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serem entendidos, exigem também a mobilização de outros modos de compreender. A sociedade letrada recorre, atualmente, a muitas outras maneiras de significar, de modo que apenas a leitura dos signos verbais, já chega a ser insuficiente.

Em suma, a leitura, na sua perspectiva informativa, exerce o grande papel de favorecer a ampliação e o aprofundamento de nossos conheci­mentos, a competência para a observação, a análise, a reflexão acerca das certezas ou das hipóteses que vamos construindo. É a lenha com que ali­mentamos o fogo de nossas buscas.

Ter vez à palavra escrita é uma forma de partilhar do poder social.

Vamos a um outro ponto que justifica a funcionalidade da leitura.


4.2. Como relacionar leitura e escrita?

Antes de qualquer outra consideração, vale a pena fazer uma observa­ção: não se pode estabelecer entre leitura e escrita uma relação automática, de causa e consequência imediata e inevitável, segundo pensam alguns: se alguém lê, escreve bem. Como vimos, a leitura constitui uma das condições que propiciam o sucesso da escrita. Mas, não de uma forma mecânica. Não existe uma relação milagrosa ou mágica entre uma coisa e outra. Ou seja, não podemos alimentar o simplismo de que quem lê, necessariamente, es­creve bem. A competência em escrita é, do mesmo modo que todas as outras, resultado, também, de uma prática constante, persistente, refletida, num processo de crescente aprimoramento. Não basta, portanto, ler para escrever bem.

No entanto, não podemos negar que a leitura também constitui um meio de acesso às formas particulares e específicas de escrever. A maior evi­dência - principalmente para quem lê - é a de que não se escreve e não se fala absolutamente do mesmo jeito, embora se use a mesma língua e, em princípio, possam estar em jogo as mesmas pre­tensões interativas.

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Farta literatura que descreve as relações entre fala e escrita insiste no equívoco de conceber uma e outra como dois poios opostos e dicotômicos, marcados por substanciais diferenças. A proposta mais aceitável, no momento, é aquela que vê a fala e a escrita "dentro de um continuum das práticas sociais de produção textual".

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Prevalece, atualmente, a compreensão de que a fala constitui a moda­lidade de uso da língua que requer o concurso simultâneo de dois ou mais interlocutores, atuantes em uma mesma situação comunicativa. Nesse jogo, os papéis de falante e ouvinte se alternam. O discurso oral, especifica­mente aquele da conversação corriqueira, é, dessa forma, construído na interação, conjuntamente, à medida que vai acontecendo. Sua continuida­de e progressão são condicionadas pela própria direção do diálogo, con­forme a orientação que vai tomando a adequada concentração tópica do discurso. Em contextos da fala pública, a exemplo de conferências, apre­sentações, sermões, a palavra é, pelo menos por algum tempo, privativa de apenas um dos interlocutores.

Na escrita, no entanto, normalmente, a recepção do material textual é adiada, pois falta aquela presença simultânea dos interlocutores, que, as­sim, não ocupam, ao mesmo tempo, o mesmo espaço. A imposição desse adiamento poderia significar uma desvantagem, se não fosse vista como a possibilidade de planejar e de revisar o texto, tanto quanto seja neces­sário. De fato, uma das vantagens da escrita é que fica concedido a quem escreve um tempo maior para a elaboração verbal de seu texto, incluindo aí, reiteramos, a chance de o planejar, de o rever e de o recompor.

Levando em conta a maior probabilidade de, na fala, estarem presen­tes as coisas a que nos referimos, podemos observar, ainda, que, na escri­ta, há que suprir, com palavras, a indicação dos itens a que nos referimos e sobre os quais predicamos. Na fala, podemos dizer, sem prejuízo do en­tendimento: É preciso ler isto. O contexto fornece os elementos aos quais podemos remeter a identificação do objeto referido pelo pronome isto. Na escrita, é exigido que tenhamos de encontrar no próprio texto (preceden­te ou subsequente) o item a que o pronome faz referência. Ou seja, na es­crita, é bem mais comum a "descrição" de pessoas, propriedades e objetos ausentes da situação do discurso, o que requer uma maior explicitação linguística dessas referências. Logo, na escrita, o emprego das unidades lexicais (substantivos, adjetivos, verbos) e de formulações sintáticas mais explícitas e completas é ampliado e mais comumente diversificado. É co­mum ainda que se evite o uso de frases incompletas, a meias, práticas comuns na fala informal.

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Os sinais de pontuação - e certos recursos grá­ficos (negrito, itálico, sublinhado, "aspas", letras em caixa alta, entre outros) são outros recursos que tendem a suprir a falta daqueles elementos contextualizadores, sobretudo aqueles que expres­sam as particularidades da entonação, por exem­plo. Além disso, uma maior explicitude dos conecti­vos, entre orações, períodos e parágrafos, também pode ser apontada como marca da escrita (sobre­tudo da escrita formal), pelo mesmo fato de esta­rem ausentes certos traços esclacedores do contex­to situacional. Na verdade, o interlocutor, a priori, tem interesse em que seu texto seja entendido sem grandes esforços, o que o leva a usar todas as indi­cações que podem resolver possíveis dificuldades. Não esqueçamos que escritor e leitor estão envolvi­dos numa tarefa comum, dialógica e recíproca: um em encontro com o outro. Que não falte nenhum sinal! (A menos que a "falta do sinal" já constitua uma indicação de um sentido qualquer).

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O que estou compreendendo como "escrita formal"? Trata-se daquela escrita que se insere numa práti­ca social pública, com um "auditório" ou "interlo­cutores" que, em geral, ultrapassam as relações da simetria social ou hierárquica. Pensemos, por exemplo, em uma monografia, em um artigo científico, em um editorial jornalístico, em um processo judicial etc. Vale observar que, mesmo dentro dessa escrita formal, existem variações de maior ou menor formalidade.



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Merece considerar que não estamos concebendo a fala e a escrita como dois padrões de uso uniformes - o que, por vezes, ingenuamente pensam al­guns. Toda fala não é informal ou não é coloquial. Do mesmo modo que toda escrita não é expressa apenas no registro formal. Existem práticas orais informais e outras, formais; o mesmo acontecendo com a escrita. Daí por que não é muito apropriado comparar oralidade e escrita, de uma forma indiscriminada, sem pontuar os níveis de registro (mais ou menos formal ou mais ou menos informal) de uma e de outra. Uma conversação informal, entre familiares, entre amigos, não serve de padrão para a definição do que seja um texto escrito de divulgação científica, ou um editorial da comuni­cação jornalística. Na verdade, o que é mais relevante é analisar as relações entre o oral e o escrito sem enfatizar as diferenças entre uma e outra.

Essa visão da pluralidade de registros para o oral e para o escrito, bem mais coerente com o que de fato acontece socialmente, tem implicações significativas na hora de explorar, em sala de aula, as especificidades de

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uma e de outra. Daí que apenas a experiência da fala informal não pode promover o entendimento e a aprendizagem da fala formal e, muito me­nos, da escrita de textos formais. Mais grave é constatar que as análises linguísticas que são feitas na escola, em geral, não especificam se as regu­laridades apontadas são específicas da fala ou da escrita, nas suas escalas de formalidade e informalidade. Quase sempre, essas análises se referem a uma língua em potencial, em frases que exemplificam certas categorias gramaticais, válidas, nessa proposta, para qualquer circunstância social. O saldo é a impressão de que a língua não apresenta nenhum tipo de va­riação; funciona da mesma maneira na fala ou na escrita, formais ou in­formais. Não importa: o substantivo, o adjetivo, o verbo parecem coisas estanques que se aplicam, sem variações, a qualquer uso.

No âmbito das considerações que fazemos neste tópico, vale concluir que:

apenas pela convivência com textos escritos formais, pela leitura e pela análise das especificidades desses textos, é que alguém pode apreender os modos de formulação próprios da escrita formal.

Falta toda a escola se convencer de que, apenas "ouvindo", os alunos não conseguem desenvolver a competência para lidar com a leitura e com a escrita de textos. Ou seja, aprender a ler e a escrever, somente lendo e escrevendo. Só através de um amplo convívio com textos escritos. Com prá­ticas letradas cada vez mais diversificadas e complexas frequentemente aliadas, no presente, a outros modos gráficos e icônicos de significar.

Ou seja, os não-leitores acabam por sofrer um tipo de exclusão social; diferente, é claro; mas tão dolorosa e limitante quanto qualquer outra de caráter físico. Na verdade, os não-leitores ficam excluídos da possibilidade de participar dos grupos que se organizam em torno da comunicação escri­ta. Muitos espaços do mundo do trabalho se inserem entre esses grupos.

Será que ainda podemos viver, felizmente, parecendo ignorar as impli­cações sociais do descaso a esses princípios?

4.3. A leitura favorece o contato com a arte da palavra

A leitura é fundamental, ainda, na educação da pessoa para a afetividade, para o desenvolvimento da sensibilidade artística e do gosto estético. ­

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Para o "prazer inútil" das coisas que não se fecham em utilidades materiais e imediatas.

Ler textos literários possibilita-nos o contato com a arte da palavra, com o prazer estético da criação artística, com a beleza gratuita da ficção, da fantasia e do sonho, expressos por um jeito de falar tão singular, tão carregado de originalidade e beleza. Leitura que deve acontecer simples­mente pelo prazer de fazê-lo. Pelo prazer da apreciação, e mais nada. Para entrar no mistério, na transcendência, em mundos de ficção, em cenários de outras imagens, criadas pela polivalência de sentido das palavras.

Saber "entrar no "mistério", como sugeri logo acima, não é alguma coisa que acontece espontaneamente, sem o estímulo da experiência, da convivência com os textos literários. Daí que muita literatura tinha que ser trazida para a sala de aula; não para exemplificar o emprego das classes de palavras e outras questões gramaticais. Mas, para se aprender, pouco a pouco, a sentir o prazer, a emoção de curtir a beleza dos objetos artísticos criados com a palavra. Para aprender, inclusivamente, o modo de se ler um poema, bem diferente, por exemplo, do modo de ler-se uma notícia. A própria natureza do gênero já constitui uma pista para entendimento dos sentidos possíveis. Caso se trate de uma leitura em voz alta, aí é que pesa a forma como se lê. Na verdade, em voz alta, o poema deve ser "declamado" - isso faz parte do gênero -, deve ser lido da maneira que mais eficazmen­te promova o encantamento e a emoção. Diante de um poema, o que nos cabe dizer, sobretudo, é algo do tipo: Que coisa bonita!

O cuidado por desenvolver uma competência na leitura dos gêneros textuais que mais cotidianamente circulam na sociedade (como cartas, avisos, anúncios etc.) não deve enfraquecer o empenho em promover o convívio com diferentes gêneros literários e com as obras de que os textos fazem parte. A história de nossa travessia, ao longo dos séculos, está refle­tida também no grande intertexto que constitui nosso acervo literário.

Não pretendo deter-me aqui nas críticas tão comuns à má qualidade do ensino da leitura, especialmente da leitura dos gêneros literários nem tampouco responsabilizar unicamente os professores - já tão sobrecarre­gados - por esse problema. Entretanto, não posso fazer de conta que não vejo propostas, inteiramente inadequadas, de atividades com leitura de

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poemas. São propostas - de escolas públicas e escolas particulares - feitas ainda agora, em pleno ano de 2009, nas quais se pede aos alunos, simples­mente, que encontrem palavras no aumentativo, identifiquem adjetivos ou substantivos, observem os sons que se repetem, copiem as palavras que rimam, entre outras coisas. Por essa prática, o aluno não aprende a curtir literatura, a achar graça em poemas, crônicas, contos, romances. Tem sido notória a dificuldade dos alunos para interpretarem e comen­tarem textos de natureza simbólica e função expressiva, organizados a partir de analogias ou de recursos metafóricos ou imagéticos (como os próprios poemas, as charges). Em geral, a maioria não consegue ir além do literal e se limita ao estritamente óbvio e periférico para daí apreender algum sentido. Mas, os alunos não podem ser responsabilizados sozinhos por essas competências que não desenvolveram! Eles, em geral, não têm sido expostos com frequência a esses gêneros ou, quando o são, se depa­ram com objetivos (os "objetivos escolares" de procurar coisas ou de reti­rar coisas dos textos!) que não lhes aguçam a capacidade interpretativa.

E, outra vez, queremos frisar: de muita experiência gratificante os não- leitores são excluídos!
5. Como vem o gosto pela leitura?

Não se nasce com o gosto pela leitura, do mesmo modo que não se nas­ce com o gosto por coisa nenhuma. O ato de ler não é, pois, uma habilidade inata. Se isto é verdadeiro para aquelas leituras informativa e formativa, apresentadas nos dois primeiros pontos desta reflexão, muito mais o é para essa leitura de "fruição do belo", vista há pouco, que ultrapassa os interes­ses imediatos das exigências sociais e profissionais. Como vimos, o gosto por ler literatura é aprendido por um estado de sedução, de fascínio, de encantamento. Um estado que precisa ser estimulado, exercitado e vivido.

A quem compete desenvolver esse fascínio, essa sedução? A quem com­pete desenvolver o gosto pela busca da informação que está nos livros? A quem compete despertar o interesse pelas particularidades da escrita? À es­cola, certamente. Formar leitores, desenvolver competências em leitura e es­crita é uma tarefa que a escola tem que priorizar e não pode sequer protelar.

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Incluir a escola é incluir prioritariamente a figura do professor, aquele que, concretamente, dá visibilidade ao ato de ler. Aquele que apresenta o livro, que expõe e lê o texto, analisa-o, fala sobre ele, traz noticias sobre os autores, sobre novas publicações; enfim, aquele que transita pelo mundo das páginas, que deixa o rastro de sua experiência de leitor. É o mediador, entre o aluno-leitor e o autor do livro. Para que o ato do descobrimen­to pessoal aconteça... E para que, nesta relação professor-aluno-autor, os atuais aprendizes possam reconhecer-se também como possíveis auto­res, de outras versões, de outros textos, agora e em outros tempos.

Essa prioridade da escola na formação do leitor não exclui, evidente­mente, a atuação da família, na ação diuturna dos pais, que devem assu­mir a iniciação da criança nesse mundo gráfico (e, por vezes, mágico) das palavras. Não exclui ainda a sociedade, os meios de comunicação - todos: jornais, revistas, rádio, tv, páginas da internet - nem exclui (principal­mente essas!) as políticas públicas orientadas para a educação e a pro­moção da cultura letrada. Não podemos esquecer que os não-leitores são outro tipo de excluídos sociais! Todos os dias o analfabeto sente na pele sua condição de inferioridade.
6. Onde está o sentido do texto?

Essa pergunta pretende nos fazer ponderar sobre que conhecimen­tos devemos mobilizar para entender um texto. De propósito, ela enseja atingir aquele equívoco tão comum de ver um texto reduzido a um arte­fato puramente linguístico: um conjunto de substantivos, de verbos, de advérbios, onde, eventualmente, aparecem ditongos, tritongos, palavras oxítonas e outras coisas mais. Ou seja, ainda há escolas onde se procede como se o entendimento do que é dito fosse feito apenas pelo recurso à gramática. Na visão ingênua de muitos, reiteramos, saber gramática é suficiente para saber ler com sucesso.

Em muitas passagens, vimos pontuando que o sentido do texto não está apenas nas palavras que constam na sua superfície nem está nos limites da gramática. Os sentidos de um texto, melhor dizendo, resultam de uma con­fluência de elementos que estão, simultaneamente, dentro e fora dele.

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Basta lembrar os diferentes tipos de conhecimentos que o leitor mo­biliza no contato com o texto:

- conhecimento linguístico (conhecimento da gramática, do léxico e da for- y ma como se faz o agrupamento e a segmentação das unidades menores);

- conhecimento textual (tipos e gêneros; estratégias e recursos de sequencialização dos diferentes blocos do texto; recursos da coesão, da coerência e de outras propriedades da textualidade; padrões de referenciação etc.);

- conhecimento de mundo [conhecimento que decorre de nossa familiari­dade com os esquemas de organização da experiência, a partir dos quais podemos prever a coexistência (ordenada ou não) de elementos, e, assim, apreender os sentidos do texto, sobretudo aqueles não explicitados]. Em geral, deixamos implícito no texto aquilo que é típico de uma situação, que é previsível a ela, pois esperamos que nosso interlocutor faça os cálculos necessários para encontrar coerência no que está sendo dito.

Convém lembrar ainda que os sentidos do texto resultam também dos elementos que compõem a "cena" de sua produção e a outra, não menos pertinente, de sua circulação.


7. De que leitura estou falando?

Falo de uma leitura interacionista. Não apenas porque a leitura permite o encontro entre dois ou mais interlocutores; mas, sobretudo, porque esses interlocutores são autores-leitores e leitores-autores que já trazem em seus repertórios experiências de outras escritas e de outras leituras. Escrever e ler são, assim, oportunidades de dar continuidade a uma quase infinita corrente de ideias, de concepções, de informações que têm seu começo não se sabe bem onde ou em que paragens desse imenso mundo geográfico e cultural.

Falo de uma leitura interacionista, também, porque a leitura envolve a inte­ração entre diversos tipos de conhecimento, conforme foi mostrado logo atrás.

Falo de uma leitura interacionista, ainda, porque tenho em vista a lei­tura que visa objetivos e propósitos interativos claros e diversificados e, as­sim, não se reduz a uma mera tarefa escolar (a qual, para ser feita, tem que ser pra nota!). Por sinal, uma leitura que não responda a um propósito

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comunicativo qualquer (propósito informativo, de localização de dados, de informações; propósito de fruição apenas) não é propriamente leitura.

Falo, portanto de uma leitura que, a partir de hipóteses, de predições inicialmente levantadas, vai além da superfície do texto, além do que está explícito, do que está declarado. De uma leitura que mobiliza um sentido plural, portanto: que está no texto, que está no leitor, que está no contexto.

Falo de uma leitura que, ao lado de um sentido, busca descobrir inten­ções, pretensões, objetivos para o dizer do texto. Uma leitura, portanto, de um 'dizer' que é também um 'fazer', o que não deixa também de ser uma leitura atenta dos elementos formais desse dizer.

Falo, portanto, de uma leitura que é uma "atividade de procura", na expressão de Ângela Kleiman, em seu livro Texto & Leitor; falo de uma leitura que é uma "atividade de encontro" também, digo eu.


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