Parte II
Estatuto Epistêmico da Fotografia e Historiografia
Notas Sobre a Fotografia como Documento Historiográfico
Armando Martins de Barros
A preocupação com as práticas educativas indiciadas em acervos fotográficos nos remete à contribuição de historiadores reunidos em torno da revista Annales d'HistoireÉconomique et Sociale. Em 1920, rompendo com a tradição positivista, a nova vertente historiográfica estimulou um desafio à hegemonia da fonte escrita, abrindo-se espaço para a iconografia, para o gestual, para os ritos, associados às estruturas mentais e às resistências na média e longa duração. Para além do jugo do documento escrito e de uma história factual, hegemônica até então a historiografia das mentalidades preocupou-se em se lidar com os silêncios, alcançando-se "o que não foi formulado e nem sequer sentido claramente".1
É indiscutível a importância da primeira geração dos historiadores das Mentalidades, na incorporação de temas como a família, os costumes, a criança, o livro, as linguagens, favorecendo a revolução documental ocorrida na década de 1970. Tributária desse quadro, configurou-se uma historiografia voltada à cultura, atenta ao não formulado e às motivações inconscientes, sinalizando para as "práticas" e abrindo o diálogo com campos conexos como os da Literatura, Lingüística, Semiologia, Antropologia.2
Preocupada com a produção e circulação dos dispositivos culturais, estudando seus suportes, historicizando seus agentes, resgatando seus significados no percurso dos diferentes usos, a Historia Cultural também tem voltado-se para as representações sociais que se expressam nas relações entre imagem e olhar, materializadas por diferentes veículos e suportes no âmbito das disputas pela hegemonia de significados.
Não há, de um lado, a imagem - material, única, inerte, estável e, de outro, o olhar. Olhar não é receber, mas colocar em ordem o visível, organizar o sentido do olhar.
Notas de rodapé:
1 VOUVELLE, M. Ideologias e Mentalidades. São Paulo: Ed.Brasiliense. 1991, p. 114.
2. VOUVELLE,op.cit.p.91.
Fim das notas de rodapé.
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Na cidadela das imagens, uma história das utilizações e sociabilidades do olhar pode revisitar utilmente a história da arte.
As culturas do olhar não são independentes das revoluções técnicas que, a cada época, vem modificar o formato, os materiais, a quantidade de imagens de que uma sociedade deve assenhorear?
Embora as práticas discursivas e sua apropriação se relacionem com as determinações sociais, uma análise apenas fundada nas tensões ideológicas, na identificação dos autores sociais, enfatizando apenas o enunciador como sujeito ativo não daria conta da complexidade da questão. Para Chartier, as práticas discursivas seriam caracterizadas como produtoras de ordenamento e divisões, envolvendo formas diferenciadas de interpretação.
Compreender estes enraizamentos exige, na verdade, que se tenham em conta as especificidades do espaço próprio das práticas culturais, que não é de forma nenhuma passível de ser sobreposto ao espaço das hierarquias e divisões sociais.4
Partilhamos da compreensão de serem as imagens técnicas e pictóricas produções sociais, vinculadas a contextos historicamente determinados. A imagem assim, é compreendida numa dimensão marcada por Braudel em tempos de curta, média e longa duração. Esses tempos se constróem como marcos a partir de continuidades e rupturas envolvendo a produção, circulação, consumo e significação das imagens por diferentes indivíduos e grupos, que constituem o que denominamos "práticas do olhar".
A história da imagem é compreendida portanto não apenas em sua materialidade de artefato e suporte, mas no uso daqueles que a legitimam, pelo "olhar" que a compreende como expressão significante, detentora de sentido. Consideramos no tratamento do sentido das imagens a instância do figurativo, pautado na semelhança visual com seu referente e uma instância simbólica, pela qual as figuras indiciam idéias e dão materialidade à partilhas de significado e lutas pela sua ressignificação.
Uma tendência nos estudos da imagem preocupa-se com a subordinação do homem face aos processos tecnológicos, especialmente frente à imagem técnica, supostamente uma entidade objetiva, que tem dispensado o espectador de crítica. Segundo Arlindo Machado, o espectador contemporâneo vive em uma posição passiva e sua transformação em "leitor crítico das fotografias" somente será possível à medida que se historicize a reprodutibilidade e a difusão da fotografia.
Notas de rodapé:
3. DEBRAY, Regis. Vida e Morte da Imagem. Rio de Janeiro, Petrópolis, 1993, p. 91.
4. CHARTIER, Roger. AHistória Cultural entre Práticas e Representações. Lisboa, Difel, 1990, p. 27.
Fim das notas de rodapé.
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Não compartilhamos da posição que defende a capacidade das imagens "capturarem" de forma absoluta o olhar espectador visto como "tabula rasa" favorecendo uma "adesão" imediata e irreversível de sua subjetividade aos valores culturais e ideológicos mediados pelos signos figurativos. Endossamos Mirian Moreira Leite quando entende ser o leitor, e não a imagem, aquele que realiza a decomposição e a integração da problemática presente na mensagem visual, uma vez que esta se encontra determinada por experiências singulares e referências verbo-visuais.
A ênfase nos processos de circulação e de apropriação da imagem encontra-se presente em estudos voltados não apenas para a história da fotografia e seu circuito social como também entre historiadores que privilegiam em suas investigações as práticas culturais - seus sujeitos e seus produtos, considerados em sua materialidade como objetos culturais, revalorizando a instituição escolar ao considerarem os níveis de alfabetização e escolaridade como determinantes da apropriação dos produtos culturais. Como, no âmbito das fontes, responder ao desafio teórico da história cultural, ao enfatizar práticas advindas de sujeitos que não são agentes do Estado embora sejam alvo de sua ação?
Uma tentativa de responder à essa questão é a realização de estudos dos processos materiais de produção, circulação e apropriação da imagem - envolvendo o dispositivo fotográfico, as estratégias de significação, os agentes que a produziram e que tentam impor um "olhar" sobre a escola, as práticas e táticas de diferentes grupos que se apropriam ou reelaboram os significados originais presentes em séries fotográficas.
Enquanto os historiadores que seguiam Febvre dialogavam com a imagética em uma perspectiva multidisciplinar, as instituições educacionais, mantiveram-se à margem do envolvimento com os códigos não verbais. Nessa perspectiva, o recurso às fotografias remete-nos a dois aspectos: 1) o papel da nova história cultural na promoção do diálogo entre as práticas do olhar, historicizando a produção, circulação e significação das imagens; 2) o papel desempenhado pela fotografia, "matriz-mãe de todos os avanços técnicos, eletrônicos e informáticos quando da formação dos pedagogos."5
No âmbito da tradição historiográfica voltada para a educação, os estudos predominantemente enfatizam em sua análise o discurso estatal, suas aÇões e ideologias, diluindo o foco sobre outros sujeitos que na esfera civil, cotidianamente, acatam, resistem ou re-elaboram as ações governamentais, perdendo-se a riqueza iconográfica de acervos particulares, como os álbuns de família.
Nota de rodapé:
5 BOIS, Phillipe.ylpiídSAMAIN, Etienne. O ato fotográfico e outros ensaios. Revista Imagem.Campinas: Editora da Unicamp, n.3, 1995, p.107.
Fim da nota de rodapé.
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Como observa Nunes, a historiografia educacional vem enfatizando a escola sob a lente da legislação e organização escolar, na perspectiva das demandas de escolarização da sociedade, do pensamento pedagógico ou de seu ideário, sem se deter nas práticas que os materializam e traduzem seus efeitos para a sociedade.6
Entendemos da urgência dos profissionais da educação se apropriarem de conteúdos que lhes permitam a secularização das práticas escolares no que diz respeito à educação do olhar. Na história moderna, as práticas escolares envolvendo as instituições, os professores, os alunos, os pais, os editores, os livros, as pedagogias, os conteúdos, interagem com as "práticas do olhar", mediante o recurso a imagens em suportes como revistas pedagógicas, jornais para professores, livros didáticos, álbuns de família, cartões-postais, filmes educativos,7 programas em vídeo ou computador.
A Interpretação no estudo iconográfico
A interpretação da imagem fotográfica deve se realizar considerando o diálogo necessário entre o que nela é visível e as condições de sua produção, isto é, a maneira de fazer faz parte da mensagem, da mesma forma que os resultados, assim como a ausência de iluminação e a seriação e correlação das imagens compõem a mensagem fotográfica.8
O tratamento interpretativo do corpus fotográfico envolve ainda inúmeras dificuldades. Superar o "mutismo" das imagens obriga à construção de uma matriz de análise que demanda a incorporação de saberes provindos de diferentes disciplinas.9 A análise de fotografias, em nossa perspectiva, considera três aproximações ou "leituras" sucessivas.
Notas de rodapé:
6. NUNES, Clarice. História da Educação Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. Revista Teoria e Educação. Porto Alegre, Panorâmica, n.6, p. 152, 1992. Nunes critica a ênfase nos documentos normativos (legislação, relatórios de governo, manifestos), superestimando projetos educacionais e transfomando a cultura escolar em uma política de organização escolar, desarticulada das contradições de uma política cultural que se constrói no âmbito de projetos diferenciados.
7. A profa. Amália Motta Mendonça, em dissertação de mestrado em História da Educação, da UFF, estudou os pioneiros trabalhos de Jonatas Serrano e Venâncio Filho nadécada de 1920, anteriores e ao longo da gestão de Fernando de Azevedo na direção da Diretoria de Instrução Pública da Cidade do Rio de Janeiro.
8. VERTOV apud LEITE, Miriam Moreira. Retratos de família: leitura da fotografia histórica. São Paulo, EDUSP Ed. Universidade São Paulo, 1993. p.47.
9. VOUVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. São Paulo, Brasiliense, 1991, p.71.
Fim das notas de rodapé.
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A primeira, voltada à contextualização do suporte enquanto artefato fotográfico detentor seja da história singular das técnicas e das tecnologias, seja da capacidade de produzir significantes e, assim, de se remeter a um universo semântico.
A segunda leitura refere-se à composição técnico-figurativa, a partir da qual estabelecemos seqüências temáticas e por meio delas, a identificação de possíveis unidades significantes, a partir dos significados imediatos presentes na figuração recorrente. Como terceiro passo, transbordando o tratamento puramente iconográfico, buscamos a mensagem presente na imagem. Neste caso, importa investigar os diferentes atores sociais: sejam aqueles imediatamente vinculados ao mundo escolar (alunos, pais, professores), sejam aqueles mediatamente envolvidos (elites políticas) que significavam as imagens como testemunho de ordem, de progresso e de civilização.
A definição da autoria, datação, fotógrafo, contratante e editor, embora indispensáveis ao tratamento da fotografia como corpus, apenas inicia o trabalho de investigação. Como observa Mirian Moreira Leite, para o desvendamento das significações presentes nas fotografias a pesquisa da forma e do conteúdo fotográfico são passos indispensáveis, associadas às "imagens mentais" e aos diferentes sujeitos que estão envolvidos em seu processo de produção e consumo.10 A partir desses dados preliminares um novo conjunto de procedimentos torna-se necessário, investigando o espaço seja propriamente compositivo e figurativo das imagens, seja contextualizando à imagem ao olhar de época, remetendo contexto político e social que autorizava sua produção, legitimava seus significantes.
1. Inovações tecnológicas
A leitura das imagens fotográficas leva-nos primeiramente a uma "arqueologia dos equipamentos fotográficos".11 A tecnologia, como conjunto de materiais fotossensíveis, equipamento e técnicas empregados para a obtenção do registro diretamente pela ação da luz" é elemento essencial, junto ao "assunto" e ao "autor", para que seja possível entender a fotografia.
Notas de rodapé:
10. Afirma Mirian M. Leite: "O fotógrafo, os fotografados, os recursos técnicos com que contavam e principalmente o interesse do observador, dos colecionadores ou do leitor da fotografia precisam ser delineados, cruzados e encaixados para dar conta dos diferentes níveis de sentido das fotografias já feitas, a que se tem acesso." LEITE, op. cit, p.16.
11.VOUVELLE,Michel. Ideologias e Mentalidades.São Paulo, Brasiliense, 1991,p.71.
Fim das notas de rodapé.
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O surgimento das diversas tecnologias que aperfeiçoavam os processos de fixação e reprodução das imagens fotográficas no século XIX levaram inovadores procedimentos técnico-formais resultando, como afirma ossoy, "em uma estética internacionalmente homogênea e peculiar aos diferentes períodos".12 Concordamos com Leite quando afirma que o estágio tecnológico alcançado pelos recursos fotográficos (diversidade de abertura do diafragma, velocidade do filme, iluminação) deve ser considerado na interpretação da imagem, por permitir artifícios que podem alterar a mensagem que seus produtores desejam transmitir.13
Os Agrupamentos Temáticos a partir da Composição e Figuração
Na desconstrução da imagem fotográfica, os elementos técnico-formais - enquadramento, composição - e de conteúdo compositivo - figuração e sua distribuição espacial, tornam possível a constituição de seqüências temáticas nas quais uma recorrência figurativa ou compositiva indica o conjunto de significantes valorizados seja pelo fotógrafo, seja pelo editor, seja por aquele que preserva um acervo, como um colecionador privado ou uma instituição memória.
2.1. A Construção Plástica
Para Barthes, técnicas de iluminação, impressão e tiragem, dentre outras, seriam componentes significativos em termos de estrutura informativa nas imagens fotográficas. Consideramos que a composição plástica enfatiza unidades formais, as quais são responsáveis por ritmos e ênfases que distinguem a narrativa fotográfica.14 Como observa Leite, "tanto a obediência às regras quanto a desobediência acabam sendo indicações do texto não-verbal sobre o conteúdo da fotografia e sobre seu plano expressivo".15 A fotografia, como código de comunicação não-verbal, revela para o pesquisador o silenciamento produzido com a "zona circunvizinha", cuja contigüidade foi visualmente censurada.
Tanto o pintor como o fotógrafo precisam sempre efetuar uma escolha para recortar na continuidade do mundo o campo significante que lhes interessa. Toda visão pictórica, mesmo a mais realista ou a mais ingênua, é sempre um processo classificatório que joga nas trevas da inviabilidade extra quadro tudo aquilo que não convém aos interesses da enunciação e que, inversamente, traz à luz da cena o detalhe que se quer privilegiar.
Notas de rodapé:
12.Ibid.,p.50.
13. KOSSOY, BORIS, Fotografia eHistória. São Paulo, Ed.Átíca, 1989. p. 54.
14. LEITE, op.cit„p,38.
15. LEITE, op.cit.,p.46.
16.Ibid.,p.163.
Fim das notas de rodapé.
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A intencionalidade do fotógrafo está sempre presente, subjugando o referente ao seu olhar e impondo, "um arranjo, produzindo uma configuração das coisas pela força de sua simples presença"17: Através de recursos formais, as imagens fotográficas apresentam ao pesquisador uma visão de mundo previamente recortado pelo fotógrafo: "Para que seja possível detectar alguma verdade nos sinais que a película registra é preciso antes de se perguntar o que está representado, colocar-se a questão: por que as coisas estão representadas de determinada maneira?"18. Nesse contexto, estabelecemos cinco elementos na leitura plástica, auxiliando à leitura da imagem no plano das relações da figuração, isto é, do visível: composição, iluminação, enquadramento, hierarquia de figuração, planos.19 Para cada um, consideramos quesitos que o detalhavam, orientando o agrupamento temático que realizamos.
Em "composição", consideramos a disposição das figuras presentes a cada imagem em suas ênfases vertical, horizontal, diagonal. É importante considerarmos que os fotógrafos profissionais sempre seguiram as regras pictóricas formuladas pelos renascentistas, estabelecendo a importância de que as linhas de força dos objetos seguissem a diagonalidade, na direção preferencial da do vértice superior esquerdo para o vértice inferior direito.
Por outro lado, as mesmas regras sugerem a importância da mediana horizontal, considerando que a figuração preferencialmente deva predominar na metade inferior, acompanhando uma tendência da própria visão em relevar dos 180 graus que vemos verticalmente, aquilo que esteja na metade inferior (pois é nela que se encontra o "chão", a caça, onde o homem pisa.).
Finalmente, na verticalidade, a necessidade de vermos de uma harmonia entre as texturas e volumes presentes na relação metade esquerda com metade direita. Desde Leonardo Da Vinci os artistas percebiam que o olhar humano tende a iniciar sua "varredura" de uma imagem considerando primeiro o lado esquerdo (superior). Assim, os pintores "resolviam" o quadro no vértice inferior direito, isto é, eles sabiam que o olhar "saía" do quadro dàquele ponto, impondo uma delicadesa e expressão justamente nesse ponto.
Em "enquadramento" - entendido como a relação entre a câmera e o objeto fotografado, estabelecendo não apenas a distribuição da figuração no espaço da imagem, como também o que foi imediatamente excluído pelas bordas da imagem
consideramos as tomadas "frontal", "lateral", "plongê" e "contraplongê".
Notas de rodapé:
17- machado, op.cit.p.76.
18- Leite, op. cit, p. 55.
19.Seguimos as indicações de Ortiz. ORTIZ, Carlos. "A montagem na arte do filme". São Paulo, íris, 1955.
Fim das notas de rodapé.
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Embora bidimensional, a fotografia dispõe de artifícios produzidos pelas objetivas e pelas opções de composição, com a distribuição da figuração por diversos planos para sugerir uma percepção de profundidade e de volume. O "plano" resulta da distância entre o objeto principal fotografado e a câmera, levando-se em conta ainda a presença de outras figuras em diferentes distâncias.20
Em razão da opção do fotógrafo, o objeto privilegiado na fotografia pode encontrar-se em: 1) um cenário panorâmico, também denominado de "plano geral"; 2) reduzido por um enfoque que privilegia o objeto e as figuras mais próximas a si, conhecido como "plano de conjunto"; 3) registra apenas o objeto principal da imagem ("plano americano"); 4) somente um detalhe do objeto, em "close". Em uma fotografia, é possível estabelecermos uma hierarquia aproximada de seus significantes, considerando sua distribuição pelos diversos planos que a compõem.21
Mesmo com a identificação dos diferentes procedimentos técnicos utilizados pelo fotógrafo, respondendo com sua estética às demandas de seu contratante, as imagens fotográficas apenas adquirem um real significado quando analisamos a sua figuração, sistematizando-as tematicamente para, a partir daí, contextualizá-las dentro da comunidade produtora de sentido, legitimadora de sua produção.
2.2. A Construção Figurativa
Barthes reconhecia a importância da figuração na fotografia. As figuras, dependendo da composição adotada sugeria uma interpretação, entendendo-se a imagem de alguns objetos como signos não apenas icônicos, mas também associados a outros significados mais amplos:
O interesse reside no fato destes objetos serem indutores correntes de associações de idéias (livrobiblioteca e intelectual), ou de um modo mais obscuro, de autênticos símbolos (a porta da câmara de gás de Chessmann remete para a porta fúnebre das antigas mitologias).
Notas de rodapé:
20. LEITE, op. cit, p. 163.
21. Ver também LEITE, Para a autora, o plano (ou campo), caracteriza a importância do tema em relação aos elementos do tema presentes na imagem. LEITE, op. cit., p. 162. Desde a nomeclatura fotográfica utilizada- contraste, focalização, ampliação, primeiro plano, escala, exposição, fixagem - até as diferentes maneiras de lidar com recursos fotográficos na pesquisa, destacam, mais do que nas abstrações verbais, que se está trabalhando apenas com uma fração do real, uma iluminação do detalhe, com vistas à compreensão do todo que ele faz parte. LEITE op. cit, p. 147.
Fim das notas de rodapé.
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Esses objetos constituem excelentes elementos de significação; por um lado, são descontínuos e completos em si mesmos; o que para um signo é uma qualidade física; e, por outro lado, remetem para significados claros, conhecidos; são pois, elementos de um verdadeiro léxico, de tal modo estáveis que facilmente os podemos constituir em sintaxe.22
Na perspectiva dos historiadores de forma geral, para a leitura de documentos iconográficos é necessária a leitura plástica mas, não apenas, referente ao reconhecimento das figuras icônicas.23 Para Mauad, esse momento é considerado como "plano da forma de conteúdo" e abrange aspectos como as opções temáticas "e tudo o que delas decorrem, tais como o local, os objetos, as pessoas, as poses". Mírian Moreira Leite entende que os elementos visualizáveis como vestuário, habitação, gestos, alimento, expressões e marcas físicas servem como ponto de partida para a inteligibilidade das imagens, pois envolvem metáforas qualitativas "que ligam o universo do destino humano e à ordem social", anunciando uma lógica que subordina o significado do conteúdo à sua forma de expressão.24
2.3 A Construção Temática
Para novo olhar investigativo sobre acervos fotográficos, é necessária uma disposição das imagens em séries temáticas, considerando tanto as características singulares a cada fotografia, quanto sua inserção no conjunto de cenas preliminarmente definidas. Constituem-se assim seqüências temáticas que identificam as propriedades gerais do conjunto documental. O tratamento do conjunto fotográfico em seqüências temáticas é reconhecido por Barthes como da própria "sintaxe" fotográfica, em que o "significante de conotação já não se encontra então no nível de nenhum dos fragmentos da seqüência, mas no nível do encadeamento".25 Segundo Leite, a construção de seqüências é um processo de leitura que precisa ser construído através de uma seleção.26 Kossoy, por sua vez, a partir de Marrou, reconhece a validade de criação de conjuntos temáticos, a partir das recorrências e singularidades.27
Notas de rodapé:
22. BARTHES, Roland. O Óbvio e o obtuso. Lisboa, Edições, 70. 1980. pp. 18.
23. KOSSOY, op. cit, p.50.
24. LEITE, op.cit.,p.162-3
25. BARTHES, op. cit., p.20
26. LEITE, op. cit, p. 163-164.
27. Afirma Kossoy: "Quanto mais pontos comuns um documento apresentar com uma série bem homogênea de documentos análogos e já conhecidos, com tanto mais facilidade e segurança chegamos à sua interpretação (isto é, ainda uma vez à compreensão daquilo que na realidade ele é, do seu quid sit)". MARROU apud KOSSOY, op. cit., pg. 53.
Fim das notas de rodapé.
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Como critérios preliminares na definição das seqüências temáticas consideramos a recorrência figurativa e a composição - enquadramento, iluminação da figuração - permitindo identificar uma intencionalidade e "unidades de significação". As seqüências portanto tem seu sentido derivado dos dados espaciais, formais e figurativos.28
A identificação do conteúdo figurativo da fotografia, sua reunião em cenas e agrupamento em seqüências temáticas impõe o transbordamento na interpretação do que a câmara elegeu e excluiu, tentando, a partir desse momento, "deduzir o que não se vê, em torno daquilo que se está vendo", a partir de um trabalho analítico, que revele "as articulações de conteúdo interno com o externo da foto".29
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