A dama do tempo a wife in Time Cathie Linz desejo 77 como num passe de mágica, eles viveram uma inacreditável paixãO!



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A DAMA DO TEMPO

A Wife in Time

Cathie Linz
DESEJO 77


COMO NUM PASSE DE MÁGICA,

ELES VIVERAM UMA INACREDITÁVEL PAIXÃO!
Suzana Hall não imaginava que aquela seria a noite mais extraordinária de sua vida. De repente, sem saber como, empreendeu uma incrível viagem de volta ao século passado. E em companhia de um homem simplesmente excitante! Durante duas misteriosas e inesquecíveis semanas, Kane Wilder descobriu que o tempo perdia todo o valor, quando vivido ao lado de uma mulher fascinante como Suzana...

DIGITALIZAÇÃO E REVISÃO : Ana Ribeiro



Querida leitora.
É uma delícia viver uma história extraordinária, dessas que, se a gente contar, poucos acreditam, não é mesmo ? É o que ocorreu com Suzana e Kane, os protagonistas de A Dama do Tempo, um romance através do qual Cathie Linz, a autora, pretendeu, fundamentalmente, nos transmitir a seguinte mensagem: às vezes a paixão irrompe por caminhos bastante inusitados. O amor não é burocrático, não se prende a normas rígidas. Ele é transgressor, revolucionário no bom sentido, claro —, e, por isso mesmo, maravilhoso!

Roberto Pellegrino

Editor

Copyright © 1995 by Cathie L. Baumgardner



Originalmente publicado em 1995 pela Silhouette Books

Divisão da Harlequin Enterprises Limited.


Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial,

sob qualquer forma.


Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e o colofao são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V.
Todos os personagens desta obra são fictícios.

Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas

terá sido mera coincidência.
Título original: A Wife In Time
Tradução: Marina Americano
EDITORA NOVA CULTURAL

uma divisão do Círculo do Livro Ltda.

Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 – 2º andar

CEP 01410-901 - São Paulo – Brasil


Copyright para a língua portuguesa: 1996 CÍRCULO DO LIVRO LTDA.

Fotocomposição: Círculo do Livro

Impressão e acabamento: Gráfica Círculo.

CAPÍTULO UM

Ei! Pare imediatamente! Que­ro falar com você!

Suzana Hall ignorou a ordem, certa de que não falavam com ela. Aliás, sentiu pena da pobre alma para quem o grito fora dirigido. Mas logo desviou a atenção, pois tinha bastante com que se preocupar.

Trabalhava como editora havia quase cinco anos; no entanto, aquela era a primeira vez que participava da grande Convenção de Editores ''Americanos, nesse ano se realizando em Savannah. Sua recente promoção para editora sênior da Editora McPhearson significava que deveria participar desse gigantesco show de comércio.

Desde que entrara no Centro de Convenções naquela manhã, Suzana sentira-se como uma garotinha em um circo, rodeada de excitação e en­tusiasmo. Mas agora era preciso cuidar do estô­mago. Já passava das dezesseis horas quando re­solveu deixar a confusão da exposição e sair em busca da lanchonete do Centro.

— Já disse que quero falar com você! — repetiu a furiosa voz masculina, dessa vez diretamente atrás dela.

Ele era alto e tinha cabelos negros e revoltos; no momento, irradiava uma fúria incrível. Suzana estava certa de que jamais o vira em sua vida.

Olhando à volta, sentiu-se confortada pela pre­sença da multidão.

Mantendo a bolsa fortemente agarrada para qualquer necessidade de autodefesa, Suzana di­rigiu-se a ele.

— Está falando comigo? — perguntou.

— Com os diabos, claro que estou falando com você! — confirmou o homem, com uma carranca.

Para ser mais exata, gritando, não é mesmo? E qual pode ser o problema, senhor... — Ela fez uma pausa para ler o nome escrito no crachá que todos os participantes da convenção usavam. — Qual é o problema, sr. Kane Wilder?

— Você — respondeu, encarando-a.

Ela olhou-o com desagrado, incapaz de imaginar o que poderia ter feito para irritar tanto aquele homem que nunca vira.

— Não faço idéia do que quer dizer — respondeu bruscamente.

— Estou falando sobre meu irmão, Chuck, e sobre o fato de ele ter ameaçado deixar a mulher por sua causa.

Estupefata, Suzana olhou para ele.

— Perdão...

— Não perdôo coisa alguma. Não há desculpa para o que você fez.

— Creio que há algum equívoco por aqui, sr. Wilder. Ele a interrompeu:

— O único erro aqui foi seu, srta. Hall. Você é a srta. Hall, certo? Editora sênior da Editora McPhearson?

— Sou, sim.

— E agora finge que não conhece meu irmão? É esse o seu jogo?

— Não é um jogo, sr. Wilder.

— Sair com um jovem casado é exatamente o tipo de manobra barata que uma Mata Hari como você usaria.

Mata Hari, a famosa espiã da Primeira Guerra Mundial? Ela? Suzana não sabia se devia sentir-se insultada ou elogiada. Não conseguia imaginar ninguém mais distante da imagem de uma mulher sedutora. Tinha cabelos muito longos e muito on­dulados e seu corpo era muito cheio. Também sa­bia que tinha olhos grandes demais e coxas muito grossas. Seu gosto para roupas era demasiado ro­mântico, embora o conjunto azul celeste que tra­java agora fosse bonito e profissional.

Todos sabiam qual o tipo de Mata Hari: esguio, confiante e rude. Suzana era uma sonha­dora inveterada. Porém, quando zangada, podia ser implacável.

Mas Mata Hari? De jeito nenhum. O homem estava completamente louco.

— O nome de meu irmão é Chuck Wilder. Char­les Wilder — continuou Kane, como se falasse com uma criança. — Isso a faz lembrar de alguma coisa ou você anda por aí com tantos homens que já perdeu a conta?

O último comentário não a atingiu em cheio por­que Suzana estava atenta à primeira parte dele.

— Está falando de Charles, o estagiário de meu escritório?

Ela jamais prestara atenção ao sobrenome daquele rapaz. Era apenas Charles, o estagiário. Um deles, por falar nisso. A McPhearson tinha três, no momento.

— Esse mesmo. E tem lhe ensinado um bocado de coisas, não é? — indagou Kane, cáustico.

— Bem, tenho mesmo. E para isso que ele está lá. Para aprender.

— Escute, vou dizer apenas uma vez — rosnou ele. — Fique longe de meu irmão.

— Vai ser um pouco difícil, já que ele trabalha para mim — notou Suzana, secamente.

— Então, demita-o.

— Não vou fazer nada disso. Além do que, ele é um estagiário e não pode ser despedido. Olhe, sinto saber que seu irmão está passando por di­ficuldades no casamento, mas não consigo imagi­nar o que isso possa ter a ver comigo.

— Ora, moça! Não acha que o fato de você estar tendo um caso com ele seja suficiente para criar problemas?

— Um caso?! — repetiu Suzana, espantada. Agora tinha certeza de que Kane Wilder era ma­luco. — Ora, de jeito algum!

Era ridículo demais para sequer dar atenção ao assunto. Era certo que eles haviam lanchado juntos algumas vezes, mas isso não significava terem um caso.

Aquilo fez com que Suzana se sentisse descon­fortável ao pensar que Charles pudesse estar apai­xonado por ela, que nem sequer o notara. Uma paixão tão intensa que ele estava ameaçando dei­xar a mulher por sua causa. Coisas assim não aconteciam com ela, razão pela qual, sem dúvida, não reconhecera antes os sinais.

Olhe aqui, sr. Wilder — começou. — Seu irmão certamente tem um problema...

— Ah, claro, jogue a culpa sobre ele.

— Ele é que é casado — lembrou ela.

— E você é que foi atrás dele, um rapaz muito mais jovem.

— Nem tanto assim!

— Você tem idade bastante para saber isso.

— E ele também. Não que tivesse acontecido qualquer coisa, porque não aconteceu — esclare­ceu ela rapidamente, antes de continuar. — Seu irmão está mentindo se lhe disse que está tendo um caso comigo.

— E você acha que eu devo acreditar na sua palavra, é isso?

Suzana acenou afirmativamente.

— A palavra de uma mulher que acabei de co­nhecer contra a do irmão que ajudei a criar e que nunca mentiu em sua vida.

— Bem, quando ele decidiu começar a mentir, certamente começou muito bem — retorquiu ela. — Meu relacionamento com seu irmão é estrita­mente profissional.

— Ali, é? E vai me dizer que o tratou da mesma maneira como trata os outros colegas dele? Eu sei que não!

A paciência de Suzana se esgotava rapidamente.

— Não, você não sabe de coisa alguma. Está bem — concordou —, eu posso ter dado um pouco mais de atenção a ele. Mas isso não significa que estamos tendo um caso.

— E por que acha que meu irmão iria mentir sobre uma coisa dessas? — perguntou Kane, friamente.

— Não faço idéia. Vai ter que perguntar a ele. Talvez você tenha entendido mal o que ele disse à mulher — sugeriu Suzana. — Não posso acreditar que tenha inventado uma história tão ridícula.

— É esse exatamente o ponto — concordou Kane. — Seria uma grande tolice mentir sobre uma coisa como essa.

— O que não significa que ele esteja falando a verdade — manteve Suzana. — Quando voltar a Nova York, com certeza vou ter que falar com ele.

— Mais uma conversinha em seu apartamento?

— Ele nunca esteve em meu apartamento. — Suzana fez uma pausa, lembrando uma vez que ficara em casa para ler um manuscrito que Chuck lhe levara sobre um contrato que ela precisava autorizar. — Ah, sim. Ele foi ao meu apartamento, uma vez. Por cinco minutos. Talvez quinze. Eu lhe ofereci uma xícara de café.

— Bem, agora vai ter que parar com isso.

— Quantas vezes terei que lhe dizer que não há nada entre mim e ele? — perguntou, com os dentes cerrados.

— Pode ficar aí falando até se cansar. Isso não quer dizer que eu acredite em uma só palavra do que diz. Mas creia em mim quando digo que não estou aqui para ficar vendo meu irmão ser ferido por uma...

— Mata Hari como eu — completou Suzana, sarcástica. — Já percebi tudo, sr. Wilder. E vou ficar esperando um pedido de desculpa seu, por escrito, quando essa confusão se esclarecer. Ele olhou-a com espanto.

— Você tem coragem, minha cara senhora.

— Engraçado, há alguns uns minutos me acu­sou de seduzir seu irmão. Agora sou uma cara senhora. Se não fosse tão absurdo, eu estaria pro­fundamente insultada. Mas da maneira como isso se apresenta, concluo que seu incrível e rude com­portamento se deva à histeria masculina — con­cluiu Suzana antes de virar-se sobre os saltos e marchar para o toalete.

— Ainda não terminei! — Kane gritou, do lado de fora.

— Há alguma outra porta de saída aqui? — perguntou Suzana a uma moça, no toalete.

— Aquela ali dá para o saguão, perto da área de exposição.

— Ótimo. Obrigada. — Seguiu para a saída. Em pé na longa fila da lanchonete do Centro de Convenções, esperou dez minutos. Até então, Suzana não havia comido nada.

Pegou uma maçã e uma salada verde, o tempo todo pensando em como deveria ter lidado com Kane. Não estava nada satisfeita com a maneira como ele a colocara na defensiva. Deveria tê-lo interrompido no momento em que começara a fa­zer suas ridículas acusações.

Enfiando as compras na enorme bolsa, Suzana apressou-se em voltar à barraca de exposições de sua firma. Mas não conseguiu tempo para comer. Como representante da Editora McPhearson, era sua função responder a todas as perguntas que os vendedores dos livros lhe fizessem sobre a linha dos livros que editavam.

Sorrindo aos participantes da convenção que passavam por ela, não conseguiu evitar de se per­guntar se Charles, o estagiário, teria contado essa ridícula história para mais alguém, além da mu­lher e do irmão.

Resolveu averiguar, com discrição. Começou com Roy, o chefe de vendas.

— Qual é a sua impressão sobre o grupo de estagiários deste ano? — perguntou-lhe quando tiveram uma pausa.

— Parecem legais — replicou Roy. — Será ima­ginação minha, ou eles parecem ser mais ingênuos a cada ano?

Suzana sentiu-se tentada a perguntar sobre Charles especificamente, mas reconsiderou, pen­sando que sua indagação poderia apenas desper­tar mais especulações.

Quando voltasse ao escritório iria perguntar a ele que história era aquela e certamente faria com que desejasse ter pensado duas vezes antes de arrastar para a lama sua reputação.

Voltou-se novamente para Roy.

— Já ouviu falar na Empresa Wilder?

— Não é aquela companhia de vanguarda da nova tecnologia de CD-ROM?

— CD o quê? Fale claro comigo, Roy!

— Esqueci que estava diante de uma editora que tem medo de ligar o computador de sua pró­pria mesa.

— Não tenho medo de ligá-lo — disse Suzana calmamente. — Nós nos entendemos. Eu não o perturbo e ele não me amola.

— Ele poderia facilitar seu trabalho um bocado.

— Sei muito bem que terei de aprender a usá-lo eventualmente — admitiu ela. — Mas não tenho pressa, já que o restante do escritório ainda não está todo conectado.

— Estará, até o fim do ano.

— Vamos voltar à Empresa Wilder e ao tal de CD-ROM? O que é isso, afinal

— Trata-se de armazenar informações em discos compactos e depois lê-los em seu computador. Que tal ter sua própria biblioteca com quatrocentos e cinqüenta dos mais importantes livros do mundo em um disco?

— Quem é que vai querer ficar olhando para uma tela em vez de ler um livro no conforto de sua própria poltrona? — perguntou ela, admirada pela simples idéia.

— Existem computadores pequenos o bastante para serem segurados na palma da mão — lem­brou Roy. — O século vinte e um está bem aí na próxima esquina, meu bem.

— Nem me lembre disso — murmurou.

— Então, por que o interesse na Empresa Wilder?

— Acabei de encontrar Kane Wilder...

— Não brinca! Ele é considerado um visioná­rio da tecnologia do futuro. Um verdadeiro ga­roto prodígio.

— Ele não é um garoto — retorquiu Suzana —, apesar de ter um irmão mais jovem. Nosso próprio Charles, o estagiário.

— Qual deles é esse? — indagou Roy.

O mentiroso, o enganador, Suzana ficou tentada a responder.

— Aquele de cabelos escuros, que usa óculos com aros de metal.

— Está me parecendo que a família é toda es­quisita... — notou Roy com uma risada.

Imagine isso, pensou Suzana. Se havia qualquer sinal esdrúxulo em Kane, ela não havia notado. O terno escuro de corte europeu mostrava lima elegância discreta. Nem sequer uma dessas ma­lucas canetas plásticas à vista. O único elemento destoante que notara fora a gravata que, lembrava agora, tinha pequenas telas azuis de computador adornando a seda cor de vinho.

Ele poderia ser atraente, não fosse o jeito com que a olhara. Não era a espécie de homem que se desculpa com facilidade. Mas iria desculpar-se com ela, porque cometera um enorme erro ao indispor-se.

Kane entrou em seu quarto do hotel e foi direto ao telefone. Passara a tarde toda lidando com os negócios da empresa da família. Agora era hora dos assuntos particulares.

Digitando automaticamente os números de seu cartão, Kane refletiu sobre seu encontro com Su­zana Hall. Não tinha sido o que esperara. Odiava surpresas, e ela certamente fora uma.

Imaginara alguma coisa diferente, alguém di­ferente, não uma mulher de rosto delicado e lín­gua afiada, com um temperamento que rivali­zava com o seu.

Kane não estava acostumado a ser olhado daquela maneira. A maioria das pessoas o conside­rava alguém com uma inteligência acima da mé­dia. Bem acima. Fora declarado superdotado por seus professores e bonito pelas mulheres de sua vida. Orgulhava-se por não se conformar com o estereótipo de "diferente", com que tantos de seu grupo eram apelidados.

As vezes se sentia só. Felizmente, ainda tinha Chuck. Sua mãe havia morrido quando o irmão mais novo contava apenas quatro anos. Kane ti­nha catorze; estava pronto, desejoso e sentia-se capaz de tomar o irmão sob sua proteção contra os abusos do pai alcoólatra. Este, finalmente, bebera até morrer na noite do décimo oitavo ani­versário de Kane. Não guardava nenhuma lem­brança carinhosa do pai.

Com o auxílio de Philip Durant, seu conselheiro no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, so­licitara a guarda legal do irmão, então com oito anos. Philip e a mulher tornaram-se avós adotivos de Chuck, confiando plenamente na determinação de Kane em construir uma vida melhor para ele e para o irmão.

Agora Kane tinha essa vida melhor, mas seu irmão não parecia apreciá-la. Bem que gostaria que Philip ou sua mulher ainda estivessem vivos para orientá-lo, mas ambos haviam morrido em um acidente de carro, dois anos antes. Kane ainda sentia falta deles, especialmente em momentos como esse.

O som da voz da cunhada interrompeu seus pensamentos.

— Olá, Ana — cumprimentou, com alegria.

Apesar da apreensão que sentira no início sobre a conveniência de seu irmão casar-se aos dezenove anos, acabara decidindo que Ana era boa para Chuck. Ela mantinha os pés dele no chão. Pelo menos, sempre o conseguira, no passado. Era uma moça gentil e não merecia o que o irmão estava fazendo, Kane pensou com raiva.

— Ele não está — replicou Ana com a voz trê­mula e rouca pelas lágrimas.

— O que aconteceu? — perguntou Kane, gen­tilmente, não desejando colocar a cunhada em guarda. — Tiveram outra briga?

— Na verdade, Chuck não briga, você sabe dis­so. Ele apenas vai fazendo calmamente o que quer.

Kane praguejou mansamente.

— Eu fui muito mole com ele.

— Não se culpe — disse Ana. — Nós dois sa­bemos que só há uma pessoa para se culpar. Você a encontrou? Falou com ela?

Desde que isso começara, Ana se recusava a dizer o nome de Suzana. Kane falara de sua in­tenção de confrontá-la, assim que descobriu que ela estaria participando da convenção. Como ele trabalhava fora de Boston, essa era a primeira chance que tinha de encontrar a moça.

— Eu a vi e falei com ela — afirmou.

— E o que ela disse?

Kane estava relutante em contar a Ana que Suzana Hall afirmava ser inocente naquilo tudo. Até que pudesse falar com o irmão, Kane decidiu não ser muito claro sobre os detalhes.

— Não se preocupe, Ana — assegurou ele. — Tenho tudo sob controle.

Suzana estava atrasada. Atirou a pasta execu­tiva sobre a cama e chutou os sapatos de salto alto. Respirou aliviada, esfregando os pés enquan­to se sentava na cama a fim de respirar um pouco.

Depois, dirigiu-se ao closet. Tinha apenas meia hora para aprontar-se para a grande festa daquela noite.

Era um evento do qual precisava participar, e prometia ser um jantar espetacular. Os organi­zadores haviam alugado um dos mais conceitua­dos salões históricos de Savannah para a festa. Haviam pensado em tudo: desde os ônibus que os levariam ao monumento histórico até ao for­necimento de roupas de aluguel da época vitoria­na, nos tamanhos que solicitassem.

O vestido de Suzana chegara enquanto ela ain­da se encontrava no centro de convenções, por isso foi com certa ansiedade que o tirou da sacola. Abriu-o e surgiu um encantador vestido de veludo vermelho-escuro em modelo antigo. Ela não podia acreditar que a companhia lhe houvesse realmen­te providenciado aquele vestido de época com a cor e o tamanho corretos.

Após livrar-se do conjunto que usava, cuidado­samente colocou o vestido. Sentiu-se aliviada ao perceber que lhe servia perfeitamente. Mas não apreciou o tamanho do decote.

A saia longa terminava exatamente sobre seus tornozelos. Depois de passar o dia em pé, não es­tava a fim de se equilibrar outra vez sobre saltos altos. Escolheu um par de sapatos rasos de veludo.

Não havia muito tempo para se pentear. O me­lhor que pôde fazer foi prender as longas mechas onduladas para cima com uma fivela, a fim de não sentir muito calor.

O toque final foi um antigo colar de granada, pedra preciosa rubra, seu favorito. Brincos de pingentes e um bracelete com as mesmas pedras com­pletavam o conjunto que herdara de sua bisavó. Normalmente Suzana levava as jóias em viagens de trabalho, mas a promessa de uma festa a ca­ráter nessa noite era uma oportunidade boa de­mais para resistir.

Olhando rapidamente para o relógio, assustou-se. Tinha apenas cinco minutos para descer e apa­nhar o ônibus que ia levá-los à festa. Pegou a bolsa e já estava no hall quando percebeu que deveria tê-la trocado por outra menor.

Foi a última pessoa a subir no ônibus onde todos usavam roupas do século dezenove. Assim que atingiram a mansão histórica, precisaram mostrar seus convites à porta para entrar. Suzana levou cinco minutos para encontrar o convite dentro da bolsa, que ainda continha a maçã que comprara para o almoço, assim como o gravador e as fitas cassete que ouvira durante o vôo da manhã, entre outras coisas.

Pendurando a bolsa no ombro e quase derrubando o homem atrás de si, Suzana seguiu as pessoas para o hall de entrada. O lugar estava lotado. Passou pelo salão de jantar onde a mesa se encontrava re­pleta de iguarias, mas preferiu juntar-se a um grupo que se reunia no pé da escadaria para fazer uma visita, com guia, à mansão.

A meio caminho, sua bolsa chocou-se com alguém.

— Desculpe! —. disse com um sorriso que se evaporou ao reconhecer Kane Wilder. — O que está fazendo aqui? — perguntou.

— Procurando por você — respondeu Kane. — Eu lhe disse que ainda não havia terminado.

— Bem, eu já terminei.

Com essas palavras Suzana desviou-se e, pas­sando por ele, subiu a escadaria com o resto do grupo da excursão. Desapontada, viu que Kane a seguia.

— Apenas duas pessoas em cada degrau, por favor! — pediu a guia quando Kane juntou-se a eles na escada. — Estamos tentando minimizar os danos na estrutura.

Suzana forçou-se a prestar atenção ao segurar sua longa saia enquanto subia os degraus. Era melhor do que pensar em Kane, que estava bem atrás dela.

Ele parecera incrivelmente elegante em sua roupa preta formal e gravata branca, além de um colarinho engomado exatamente como se usava no período vitoriano. Suzana podia sentir os olhos dele sobre si e ficou desejando ser alguns quilos mais magra. Talvez uns sete. O vestido não fazia nada para esconder-lhe as medidas.

Kane reparou no colar sobre os ombros desnu­dos de Suzana, que irradiava um brilho gelado. Ele podia ver a pálida nuca quando ela se incli­nava para a frente. Pela primeira vez desde que chegara, ficou contente por ter decidido ir àquela festa de gala.

Nesse momento a guia era a única a falar.

— A mansão Whitaker é um belo exemplo da arquitetura federal. Em seus bons tempos, esta casa era o centro da sociedade de Savannah. No pior período, nos anos trinta, tornou-se um prédio de apartamentos e quase foi posta abaixo nos anos cinqüenta para que fosse construído um estacio­namento. Foi quando, graças a Deus, a Liga de Preservação Histórica salvou-a.

Suzana estremeceu ao imaginar aquela bela casa sendo demolida, e o terreno, cimentado. Sen­tindo Kane aproximar-se, esgueirou-se mais pára a frente. Por todo o segundo andar conseguiu ca­minhar para dentro e para fora da multidão, per­manecendo sempre um passo à frente dele.

— Como podem ver — continuou a guia —, aqui estão os dormitórios da família, decorados com mobília da época. Na parede sobre a escadaria encontram-se vários retratos, inclusive o de Elsbeth Whitaker, que supostamente cometeu suicí­dio nestes mesmos degraus.

Suzana correu as mãos pelos braços nus quando um arrepio gelado desceu sobre ela. Não podia ver o retrato devido à multidão que ainda se aglo­merava no patamar da escada onde ela se encon­trava. Quando as pessoas começaram a se mover, ela teve uma rápida visão do retrato: um rosto pálido, de olhos tristes. A imagem permaneceu mesmo depois de ela se voltar e sair.

— O que há no terceiro andar? — perguntou alguém.

— É uma área de depósito que atualmente se encontra em obras, sendo restaurada. Não está aberta ao público — retornou a guia. — Agora, no caminho de volta para baixo, lembrem-se de que somente duas pessoas de cada vez devem ficar em cada degrau. Por isso, por favor, desçam a escada devagar e de dois em dois.

— Precisamos conversar — Kane murmurou no ouvido de Suzana. — Não vou deixá-la até que me prometa ficar longe de meu irmão.

— Vá embora! — Empurrou-o, zangada. Precisava afastar-se dele, e rápido. Já estava se sentindo suficientemente desorientada aquela noite. Não era necessária mais nenhuma confron­tação. Mas não havia lugar algum para se escon­der. A não ser... Seu olhar voltou-se para cima. Talvez conseguisse livrar-se de Kane esgueiran­do-se para lá e esperando alguns minutos até que ele desaparecesse.

Enquanto a guia lhe dava as costas e a multidão ainda a protegia, Suzana fez exatamente isso. Nem sequer teve tempo para pensar sobre seu ato. Apenas agiu. Foi quase como se tivesse sido forçada a fazê-lo.

Kane ia começar a descer quando a viu pelo canto do olho. Suzana estava subindo as escadas. Res­mungando, seguiu-a, esgueirando-se por trás da guia. Não iria deixá-la escapar assim tão facilmente.

Em vez de um depósito em obras, conforme in­formara a guia, ele viu uma sala completamente mobiliada, ainda que muito mal iluminada por um trêmulo candelabro. E também viu Suzana, exatamente no limiar desse cômodo.

Não desejando ser apanhado em uma área proibida antes de ter a chance de falar com ela, sussurrou seu nome, apesar de preferir chamá-la aos gritos.

Não lhe dando a menor atenção, Suzana foi adiante, afastando-se dele em direção à brilhante luz azul que vinha de uma cadeira de balanço no canto mais distante, próximo à outra porta da sala.

Fascinada, Suzana esqueceu-se de Kane. Esta­va sendo levada para a frente como se atraída por forças invisíveis. Quanto mais próximo che­gava, mais a luz ia para longe dela, em direção à segunda porta. Acompanhando-a, por um ins­tante Suzana viu um rosto por entre a etérea luz azul: era o rosto da moça do retrato.

Kane estava bem atrás dela quando chegou para tocar a fonte da luz, mas, assim que ambos atra­vessaram a soleira da porta, a luz desapareceu. O que quer que fosse que houvessem visto, havia se desvanecido.

— Viu aquilo? — murmurou Suzana. — Não vai me dizer que não viu nada, vai?

— Não vou lhe dizer coisa alguma, a não ser que deixe meu irmão em paz — replicou Kane, bruscamente.

— Você parece um gravador quebrado. — Correu de volta para a escada que levava ao segundo andar.

Kane deixou-a ir. Ela lhe causara aborrecimen­tos suficientes por um dia. Iria falar-lhe nova­mente depois e conseguir a promessa de que dei­xaria seu irmão. Tivera um dia exaustivo e comera muito pouco. Quanto àquela estranha luz que ha­viam visto lá em cima... Bem, devia ser algum truque para impressionar as pessoas que visitas­sem a mansão histórica.

A festa estava animadíssima. As salas se en­contravam lotadas. Olhando à volta, Kane não viu ninguém conhecido. Com tanta gente assim, não era de estranhar. Além do mais, aquela era a sua primeira convenção de editores. Normal­mente ele demonstrava seu material de CD-ROM em exposições específicas de computadores.

Dirigindo-se à mesa das iguarias, Kane obser­vou, desconfiado, o que estavam servindo. Nada parecia bom. Nem bastante substancial para es­tancar o ronco de seu estômago. Lembrou-se de ter visto uma máquina de refrigerantes perto da loja de suvenires na parte de trás da casa, mas, quando encaminhou-se para lá, só viu uma con­fusão de salas. E todas repletas de gente.

Kane repuxou o colarinho duro mais uma vez.

— Que raio de roupa! — murmurou enfiando um dedo embaixo do colarinho e fazendo uma ca­reta ao senti-lo tão apertado.

O lugar estava se tornando terrivelmente quen­te. O ar-condicionado não deveria estar funcio­nando direito. Ou então os organizadores estavam realmente se atendo à absoluta exatidão da época para aquela festa.

De um jeito ou de outro, era a última gota. De­cidindo que já era o bastante, Kane optou por deixar a festa e ir em busca de um hambúrguer e de um enorme refrigerante, com um pedido extra de bata­tas fritas. Conseguiu chegar à porta principal le­vando um bom tempo para alcançá-la através da multidão. Quando chegou à porta da frente, viu que Suzana também ali chegava pelo outro lado.

— As damas primeiro! — disse ele com uma curvatura exagerada que quase lhe cortou a circulação no pomo-de-adão. — Não sei sobre você, mas já vi o suficiente desta festa de fantasia. Estou indo até a lanchonete mais próxima e vou pedir um hambúrguer com tudo o que eu tiver direito.

Seguindo em frente, esbarrou em Suzana, que parará nos degraus à sua frente.

— Alguma coisa não está certa — ela murmurou. Olhando à volta, procurou pela causa de sua

inquietação. Ela sempre acreditara nos seus pres­sentimentos. Sua avó dizia que era um toque de uma segunda visão. Qualquer que fosse o nome, Suzana acreditava em sua intuição.

A casa ficava em frente a um pequeno parque, um dos muitos dessa parte da cidade. Quando chegaram, a rua estava coalhada de carros para­dos dos dois lados. Agora, haviam sumido. Ne­nhum carro, em lugar algum, nenhum estaciona­do, nem andando, nada.

— Os carros foram embora — disse ela em voz alta.

Kane olhou à volta.

— Que carros? Eu vim de ônibus.

— Havia carros estacionados por toda a parte na rua toda. Agora eles se foram.

— Provavelmente só é permitido estacionar du­rante o dia — sugeriu ele.

Suzana sacudiu a cabeça.

— Alguma coisa não está certa. Também não há trânsito.

— Você tem uma imaginação superativa, sabia? Ao que ela respondeu:

— Não imaginei aquele luz azul lá em cima. Aquela no terceiro andar. Com certeza você tam­bém a viu, não foi?

Kane não respondeu, olhando para um casal que passava pela calçada. Eles usavam roupas semelhantes àquelas usadas na festa. Ele se pre­parava para mover-se para o lado a fim de deixar que entrassem na mansão, quando continuaram andando e entraram em outra casa, algumas por­tas adiante.

Suzana também viu o casal e a casa onde entra­ram, um edifício que ela podia jurar ter visto vazio e com as portas e janelas pregadas com tábuas.

― Estou lhe dizendo que alguma coisa não está certa por aqui — murmurou.


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