O dono do morro dona marta



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para ser levado àdelegacia, período em que deu várias entrevistas

através das frestas de ventilação da porta traseira.

- Cana dura só do nosso lado, qual que é, rapá? Põe na manchete: e o

cuzão do Zaca, vai sê preso não? Aí, governador! Explica essa!

Aos poucos os repórteres foram perdendo o interesse nas declarações

de Chico Boca Mole, que não parava de falar.

Os soldados que voltavam da busca ao AR-15 trouxeram vários suspeitos

presos. Algemados uns aos outros, eles foram postos em fila indiana

em frente ao Bar do Guerreiro. A Escadaria virou ponto de concentração

de curiosos e de namoradas, amigos, mães que chegavam até ali para

pedir informação sobre algum parente detido.

A maioria das mulheres que se queixava das prisões era amiga de uma

morena, que chorava muito sem se queixar de ninguém. Chamavam-na

de Olga. Ela usava um vestido verde-escuro justo, um lenço azul-marinho

na cabeça e um sapato preto, salto baixo, mais confortável para quem

planejara andar muito. Quando uma das amigas, a pretexto de consolá-

la, saiu de braços dados com a morena morro abaixo, nenhum policial

percebeu a encenação. No Camburão, Chico Boca Mole ainda ofendia o

governador do estado enquanto Cabeludo fugia travestído de Olga.
CAPÍTULO 9 MEU QUERIDO PAULISTA!

A favela que virou notícia no Brasil e no mundo nunca teve uma

única banca de jornal. Ninguém costumava gastar dinheiro para comprar

informação. As pessoas se informavam pelos meios de comunicação gratuitos,

o rádio, a TV, o alto-falante da Associação de Moradores e pelo

sistema boca a boca das crianças mensageiras, como o menino Paranóia,

de sete anos de idade.

Em 1987, 12 anos antes de enfrentar a polícia a tiros e de assistir ao

momento da morte do amigo Careca, Paranóia era o mensageiro de maior

credibilidade da Santa Marta. Como os rádios e as TVs pouco divulgavam

assuntos de interesse dos moradores do morro, Paranóia assumiu

esse papel. Ele descia até o asfalto para ler nos jornais sensacionalistas

as notícias sobre violência na Santa Marta e levava as novidades para o

morro.


Assim espalhou a notícia da prisão de Pedro Ribeiro, meses antes da

guerra. Foi ele quem avisou, nos dias de combate, que a polícia planejava

uma operação. Também por ele muitos ficaram sabendo do sucesso da

fuga de Cabeludo. Só depois de ouvirem a notícia da boca de Paranóia as

pessoas saíram de suas casas para voltar a trabalhar na cidade. Estavam

certas de que a guerra havia acabado.

Ninguém duvidava de Paranóia quando ele passava correndo pelos

becos anunciando a novidade.

- Mataram Cabeludo!

O assassinato foi a 15 quilômetros da Santa Marta. Houve duas versões

sobre as circunstâncias da morte. Desde a derrota na guerra contra

Zaca, Cabeludo estava morando na Rocinha. E saiu de lá acompanhado

de um amigo, para um encontro com o suposto assassino, o banqueiro

do jogo do bicho Evilásio Macedo, o Macedão. Segundo o amigo, iriam

combinar o acerto do pagamento da dívida de 600 gramas de pó comprados

da boca e distribuídos nas bancas de jogo de Macedão. O bicheiro

chegou ao local combinado, na praça Saens Peña, na Tijuca, num Gol,

acompanhado de um soldado do Serviço Reservado da Polícia Militar.


Era uma manhã ensolarada de sábado e, a uma distância de 50 metros,

Cabeludo viu os dois estacionarem o carro. Avisou ao amigo que iria

sozinho ao encontro deles, com duas pistolas na cintura.

- Vou lá, o Mané tá chegando - disse Cabeludo.

O amigo o acompanhou a distância e viu quando Cabeludo se aproximou

pelo lado do motorista, onde estava Macedão. Foi testemunha do

momento em que ele inclinou o corpo para conversar pela janela e recebeu

um tiro, no pescoço, à queima-roupa. Cabeludo recuou, e mesmo

desequilibrado sacou a pistola da cintura e disparou alguns tiros sem

direção, tentando atingir o Gol que fugia em alta velocidade. Quando o

amigo, que dava cobertura, chegou para socorrê-lo, já não havia o que

fazer.


Para a polícia, prevaleceu a história contada por Macedão e o soldado

da P-2: a de que Cabeludo se aproximou do carro deles com uma pistola

na mão para assaltá-los. Eles teriam reagido em legítima defesa.

Na favela, ficou a certeza de que Cabeludo foi morto numa emboscada

planejada pela polícia. Como a quadrilha havia sido expulsa na guerra,

o corpo não pôde ser levado para o morro, na época controlado pelos

inimigos. Mas os parentes e amigos não esqueceram de fazer o que ele

havia um dia pedido.

- Quando me matarem, deixem a polícia me levá para longe de vocês

não - pediu à amiga Luz.

Poucos jovens da quadrilha tiveram coragem de acompanhar o velório

no cemitério São João Batista, por causa da presença de figuras

estranhas, provavelmente policiais em investigação. Também no enterro

poucos homens apareceram, menos de cinqüenta. O pessoal da Turma da

Xuxa, que estava exilado nos morros vizinhos, chegou em cima da hora,

preocupado em dar um amparo aos sobrinhos Renan e Mendonça, que

perderam a referência deles no crime.

- Ele não podia nos deixar agora. A gente tinha tudo pra fazer a melhor

quadrilha do Rio de Janeiro - disse Mendonça, que passou todo o

tempo abraçado à amiga Luz, como se fosse seu namorado.

O primo Renan, que acompanhou o enterro no meio do grupo dos

amigos homens, teve que dar explicações aos policiais e só não foi levado

preso para fora do cemitério porque as mulheres interferiram e ameaça
ram fazer um tumulto. As mulheres lotaram o cemitério. Eram cerca de

300 e muitas se consideravam viúvas de Cabeludo. Uma delas, a secretária

Renata, de uma família de classe média, deu uma entrevista coletiva

como se fosse a preferida, a substituta da “rainha” morta. Disse que não

se incomodava de saber que Cabeludo a dividia com tantas. E, com as outras

mulheres, improvisou um cerco ao caixão, para evitar a aproximação

dos policiais e esconder o conteúdo de algumas homenagens.

Na hora em que a tampa foi aberta para o ritual de despedida dos parentes,

a amiga Luz, discretamente, tirou uma pequena jóia do pequeno

bolso de moedas da calça jeans e se aproximou do caixão. Beijou a testa

de Cabeludo e cochichou:

- Obrigado por ter confiado em mim, cara.

Antes de se despedir, Luz pôs um anel de ouro, com uma pedra de

rubi, no dedo médio da mão esquerda de Cabeludo.

- Era de um bacana. Você tinha encomendado, lembra?

Luz abraçou a irmã de Cabeludo e se afastou para dar lugar a uma

das ex-namoradas. Era uma mulher de óculos escuros, que se aproximou

do caixão e pôs sobre o peito de Cabeludo um ramalhete de margaridas

e de rosas vermelhas. No meio das flores estava a única herança que ele

deixara na favela: uma enferrujada minimetralhadora, a Baby.

Embora a família Fumero fosse católica, não houve orações em respeito

a Cabeludo. Ele era umbandísta, freqüentador assíduo do Terreiro

de Maria Batuca e adorava os ritos da religião. Todo sábado à noite, ou

sempre que julgava precisar de proteção, ele acendia velas, ofertava aos

“deuses do além” milho com pedaços de frango assado e sangrava um

bode para beber gotas de sangue. Jurava que tinha um pacto com o animal,

que se chamava Jorge e vivia amarrado a uma cerca no limite da

favela com a floresta.

Ninguém sabe quem levou Jorge ao cemitério amarrado por uma

corda. Já começava a escurecer. Justamente na hora em que os coveiros

jogavam terra sobre o caixão, o bode se livrou da corda e correu para o

meio das pessoas, saltando, dando coices para o ar.

- É Satanás! É Satanás! - gritou Luz.

Parte da multidão assustada correu para fora do cemitério.

A morte de Cabeludo atingiu diretamente a família de Juliano. Na
mesma semana, Zaca, que havia vencido a guerra, assumiu o controle

ostensivo do morro e decretou a morte ou a expulsão de quem fosse da

quadrilha inimiga. Da Turma da Xuxa, embora a maioria não tenha se

envolvido na guerra, todos receberam ameaças. Mentiroso, os sobrinhos

Renan e Mendonça, Alen e Claudinho foram pressionados a abandonar o

morro no prazo de três dias.

Carlos da Praça nem esperou as ameaças. No mesmo dia da morte

de Cabeludo, abandonou tudo o que tinha no barraco de alvenaria e foi

morar na Ilha do Governador com a mulher e as duas filhas.

O pai de Juliano não teve tempo de fugir. Na hora em que desceu para

buscar mantimentos, um grupo de Zaca aproveitou para invadir a birosca.

Levaram tudo o que estava nas prateleiras e no estoque. Destruíram o que

restou. Na volta, Romeu tinha nas mãos sacolas cheias de sacos de leite

e tabletes de margarina. Sobre a cabeça equilibrava um pacote retangular

com mantimentos pesados. As crianças o interceptaram para avisar da

invasão. Mas Romeu não acreditou:

- O Zaca me respeita. Vocês estão enganados.

Ao chegar no beco padre Hélio, Romeu percebeu que era verdade.

Havia muitas garrafas vazias e coisas destruídas espalhadas pelo chão em

frente ao seu comércio.

- Bandidos! Bandidos! - gritou Romeu, falando consigo mesmo ao

constatar que dentro da birosca a destruição era total. - São trinta anos de

trabalho, trinta anos!

Os gritos foram interrompidos pela chegada de um jovem, que carregava

um fuzil pendurado no ombro.

- Aí, coroa. Tu é o pai do Juliano?

Romeu tentou argumentar.

- Vocês é que fizeram isso comigo? Eu sou trabalhador, não me meto

em briga de ninguém.

- O Juliano é teu filho, né?Tu é o pai dele ou tá querendo se fingi de

salame? O Zaca mandô passá o rodo, coroa. Melhor saí fora logo, hein!

- O Zaca tinha que ter mais consideração. Não tenho a ver com as

coisas que meu filho anda fazendo por aí...

Romeu começou a catar do chão alguns pedaços de documentos rasgados

e a recolher das paredes três quadros com fotografias de seus pais,
do time de futebol do Botafogo e de um personagem idolatrado no nordeste,

o Padre Cícero. Queria pôr tudo numa velha sacola de plástico,

mas foi surpreendido pela chegada de cinco homens de Zaca.

- Esse coroa tá pensando o quê? - disse o mais exaltado deles. - Ou tu

vaza já ou vamo passá o rodo!

Eles confiscaram até o pacote de mantimentos. Ofendido, humilhado,

Romeu desceu o morro levando apenas a sacola de plástico com o pouco

que conseguira recuperar. No caminho encontrou os irmãos Vico e Careca,

da Turma da Xuxa, e desabafou:

- Viu o que vocês fizeram com a minha vida? Vocês tinham que ter

morrido. Vocês todos!

Os irmãos se mantiveram calados.

- E o Juliano, sabem dele? Se eu encontrar, mato aquele filho da

puta.


- Que é isso, tio! Seu filho teve culpa, não. É a guerra.

- Meu filho, não. Digam pra ele que a partir de hoje ele morreu pra

mim.

Romeu continuou a descida, esbravejando. No caminho parou para



conversar com alguns fregueses da birosca, que o interceptaram para saber

o motivo da expulsão dele. Para todos falou da sua decisão de romper

com o filho Juliano, a quem atribuiu toda a responsabilidade pelo maior

fracasso de seus 44 anos de vida. Já fora da favela, na praça Corumbá,

Romeu tomou um ônibus com destino à zona norte, morro da Mangueira.

As filhas Zuleika e Zulá ficaram sabendo da expulsão de Romeu pelos

homens de Zaca, que horas depois chegaram à casa delas à procura de

Juliano.


O grupo era liderado por Caga Sangue. Trazia junto um homem do

exército de Cabeludo preso por uma corrente amarrada ao pescoço. Ameaçaram

invadir o barraco, mas encontraram a resistência de Betinha.

- Aí, Juliano, chegô a tua hora, cara. A casa tá cercada, é bom saí na

moral - gritou Caga Sangue.

- Que negócio é esse de bater aqui na minha casa? Onde está o respeito?

- reagiu Betinha.

- Se mete não, Betinha. A parada é com o Juliano. Ou ele sai na moral

ou vamo invadi.
- Isso é absurdo! O meu filho não está. Ninguém vai pôr o pé na minha

casa. O Zaca tá sabendo dessa história? Duvido, duvido - esbravejou

Betinha.

Diante dos argumentos convincentes de Betinha, Caga Sangue acreditou

que Juliano realmente não estivesse em casa. Aceitou levar Betinha

para uma conversa particular com o chefão Zaca. A conversa foi próxima

ao Cruzeiro, na antiga base de Cabeludo, agora ocupada pelos seus inimigos.

- O que você quer fazer com o meu filho, Zaca? Nunca esperava isso

de você!

- E eu também nunca esperava isso do seu filho. Lutô contra mim e

agora tá fazendo concorrência, vendendo cocaína lá embaixo na boca da

praça. Você qué o quê?

- Quero meu filho vivo. Ele só tem 17 anos.

- Então tá ficando velho. Traficante bom morre com 15.

- Você vai se arrepender... Se tocar o dedo no meu filho vou atrás de

você até no inferno.

- Eu não disse que vô matá o Juliano. Mas só digo isso em consideração

a você. Dessa arma ele não morre, mas das outras aí

- E o Caga Sangue? Ele queria invadir a minha casa.

- Não dá para segurá a turma. Eles tão mordido com o Juliano. Ele é

muito abusado. O jeito é você convencê o seu filho a sumi da praça, senão

o bicho vai pegá.

A perda da guerra provocou o rompimento definitivo de Juliano com

o pai e o levou a se afastar das pessoas de que mais gostava: a mãe, as

irmãs, os amigos, a namorada. Foi uma decisão involuntária e num momento

especialmente difícil. Marisa acabara de dar à luz seu primeiro

filho. Os combates o impediram de acompanhar o parto na maternidade.

Pressionado por todos a sumir do morro, Juliano marcou um encontro

para se despedir da família num cartório, onde aproveitou para conhecer

o bebê e registrar seu nascimento. Marisa escolheu o primeiro nome, Juliano,

e ele, o segundo, William, em homenagem ao irmão de Carlos da

Praça, assassinado pela quadrilha de Zaca meses antes da guerra. Betinha

não gostou da motivação.

- Não sei por que dar tanta importância a este homem, Juliano.


- Ele tá me ensinando a conhecê a vida.

- Que vida é essa, que destrói a vida do seu pai, te obriga a se afastar

de nós e agora até do teu filho...

- Se preocupe, não. Tá tudo certo. Vamo panhá uns ferro aí e dá o

troco no Zaca. Esse morro é nosso, mãe. Muita gente deu o sangue por

ele. Vamo deixá barato não.

Perdeu a convivência com a família, mas ganhou um segundo pai e

uma segunda mãe: o casal Paulista e Maria Brava. Respeitado pela velha-

guarda do crime, logo depois da derrota na guerra o casal comprou uma

casa no morro do Cantagalo, em Copacabana, com dinheiro que havia

lucrado em alguns assaltos. Era um sobrado grande para os padrões dos

barracos na principal rua de acesso à favela. Tinha cinco quartos, o suficiente

para convidar Juliano a morar com eles e os quatro filhos, Difé,

Santo, Diva e Leda. Paulista ainda ofereceu abrigo para outros quatro

jovens também expulsos da Santa Marta: Mendonça, Du e Claudinho,

que levou junto seu irmão Raimundinho.

Acolher Juliano em casa representava mais do que retribuir a generosidade

de Ribeiro. Paulista lutara em duas ocasiões no mesmo bonde de

Juliano. Impressionaram-no a desenvoltura e a firmeza de um jovem de

17 anos em momentos críticos, como na prisão em que resistiram juntos

à pressão do grupo do delegado Vígio. O fato de Juliano ter enfrentado a

situação difícil sem delatar o parceiro também contou pontos a seu favor

para conviver numa família formada por bandidos de primeira.

Paulista o acolheu convencido de que estava trazendo para casa um

exemplo de forte personalidade para os seus dois filhos homens, Difé e

Santo. Durante as conversas com Brava sobre o novo integrante da família,

os dois concordaram num ponto.

- Me preocupa o futuro desse moleque, Brava - disse Paulista.

- É, ele já tem 17 anos e ainda não passô da quinta série - constatou

Brava.


- Não é disso que tô falando, Brava. Escola, trabalho... nunca vão sê

o caminho dele. Acho que ele nasceu para sê bandido.

- Sei, não. Essa molecada de hoje tá vindo muito frouxa. Acho melhor

cuidá dos estudos, prepará pra um outro tipo de vida.

- O tempo vai mostrá.
Em poucos meses, os filhos de Paulista e os amigos da Santa Marta se

envolveram com os traficantes do Cantagalo, que também eram do Comando

Vermelho. Apenas Mendonça mudou de ramo. Ele formou uma

quadrilha de assalto, embora mantivesse vínculos com o tráfico para o

empréstimo e troca de armas.

Juliano, Claudinho, Raimundinho e Du assumiram a função de vapor

do Cantagalo, mas continuaram ligados a Carlos da Praça em outras atividades

do tráfico fora dos morros. Paulista orientava a distância as atividades

dos amigos na boca, que ficava bem longe de casa para ninguém

associá-la ao tráfico. Cultivava uma vida discreta e clandestina. Adotou

um terceiro nome falso: Charles de Souza, com o qual tinha carteira de

identidade e carteira profissional com registro de emprego numa firma

de pinturas. Providenciou documentos falsos porque era um foragido da

justiça, condenado por assalto a mão armada, tentativa de homicídio e

porte ilegal de arma.

Pela aparência do sobrado de dois pisos e o comportamento discreto

do casal, parecia uma família de trabalhadores de baixa renda. Diziam

aos vizinhos que Paulista era motorista de uma empresa e por isso passava

o dia na cidade, enquanto Brava cuidava da administração da casa.

Preocupavam-se em esconder qualquer sinal de prosperidade. Nem os

filhos participavam de todos os segredos de seus crimes. Eles só sabiam

que as atividades dos pais foram bem-sucedidas quando a família viajava

para fora do Rio de Janeiro.

Sempre viajavam em carros legalizados, comprados com o dinheiro

de roubo. Freqüentavam hotéis quatro estrelas nas praias do litoral

do Rio e dos estados do Nordeste, onde podiam esbanjar sem chamar a

atenção de ninguém. Paulista procurava dar conforto à família, mantê-la

unida até nos momentos mais difíceis de suas aventuras no crime. Nunca

roubou perto de casa ou levou algum parceiro de quadrilha para conhecer

a mulher e os filhos. Eram regras de segurança que respeitava com

rigor. Desde os tempos de assaltos a banco na quadrilha de Cabeludo e

Ronaldo Maldição.

Eles sempre estiveram à frente das ondas de delinqüência no Rio

de Janeiro. Foram alguns dos primeiros, por exemplo, a usarem arma

de guerra nos assaltos a banco, em 1986, motivo de traumas na cidade.
Três anos depois, os seguidores da quadrilha multiplicariam os ataques

às agências bancárias. Assaltaram 420 agências no Rio em 1989, o que

obrigou os bancos a reformularem seus sistemas de segurança e reduzirem

as reservas de dinheiro nos caixas.

No período de convivência na casa do Cantagalo, Juliano foi muito

influenciado pela experiência de Paulista no crime. Adorava ouvir o pai

adotivo contar histórias do passado, para conhecer os segredos de ações

de roubo, em que a quadrilha dele fora bem-sucedida, contra carros de

transporte de valores, postos de gasolina, escritórios de empresas em dia

de pagamento, salões de festas e hotéis. Eram ações inusitadas na época

- começo dos anos 80 - e que levaram Paulista, Maldição e Cabeludo para

a lista dos procurados com prioridade pela polícia.

Os turistas hospedados no Hotel Paissandu, no Flamengo, conheceram

os métodos de Cabeludo, Paulista e seus parceiros. Eles reservaram

por telefone dois apartamentos e foram de táxi ao hotel no começo da

noite. Chegaram com duas malas à recepção, preencheram a ficha de registro

de hóspedes e, quando os funcionários entregaram a chave, anunciaram

calmamente o assalto.

- Se preocupem, não, aí. Nossa estadia será curta. Mas se alguém não

quisé colaborá podemo ficá aqui pra sempre.

Dois parceiros assumiram a segurança na portaria, com armas escondidas

na cintura. Cada hóspede que chegava era acompanhado até a recepção,

onde Cabeludo, atrás do balcão, anunciava o assalto e o obrigava

a acompanhá-lo até o restaurante, uma área mais reservada. Ali Paulista

recolhia dinheiro e os objetos de valor dos turistas.

Paulista conhecia bem o funcionamento do hotel. Semanas antes estivera

no prédio para pintar as paredes dos corredores de acesso aos apartamentos

e à saída de emergência. Era pintor profissional desde os 16 anos,

quando saiu de Natal para morar em São Paulo, motivo do seu apelido.

No Rio, onde chegou em 1979, Paulista trabalhou como faxineiro e ajudante

geral de algumas lojas de moda feminina, até ser contratado, três

anos depois, pela empresa Engemp (Engenharia e Emprendimentos), da

Lapa, especializada em pinturas de prédios e que prestava serviços ao

Hotel Paissandu. Como pintor de paredes, em 1984, Paulista teve o seu

mais alto salário: ganhava o equivalente a 3 dólares por hora. Antes, nos
anos de 1982 e 1983, havia 138 trabalhado como auxiliar de escritório

da Doviane Modas, em Ipanema, e como faxineiro da G.B. Assessoria e

Planejamento, no Centro, em troca de 50 centavos de dólar por hora, um

salário que considerava humilhante, e que dava apenas para alimentar

precariamente a mulher e os quatro filhos. Brava ajudava a complementar

a renda da família costurando sob encomenda para algumas confecções

e vendendo “salgadinhos” nas feiras de artesanato nos fins de semana.

Uma equação simplista levou Paulista para o crime, apesar da oposição

da mulher.

Certo dia seu anfitrião na Santa Marta, Pedro Ribeiro, pegou a sua

carteira profissional para comparar o seu salário com a renda média dos

assaltos a banco no Rio de Janeiro, que era de 60 mil dólares em 1984. O

salário de pintor de paredes representava um por cento da renda de uma

única ação criminosa. Paulista gostou do cálculo de equivalência roubo-

trabalho e passou a adotá-lo em casa, nas conversas com Brava sobre os

futuros investimentos da família. Nas vésperas de um assalto e, sobretudo

depois do roubo, a equivalência era motivo de cálculos intermináveis

do casal.

No dia do assalto ao hotel, a carteira profissional de Paulista marcava

60 mil cruzeiros de salário, o preço da caneta-tinteiro roubada do juiz

paulistano José Roberto Escutai Tomé de Almeida, que passava o fim

de semana no Rio com a mulher e duas filhas. O juiz, uma das quarenta

vítimas do assalto, também foi obrigado a passar às mãos de Paulista um


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