. Acesso em: 31 mar. 2016.
Agora, discuta com seus colegas: qual é a crítica que esse meme faz? De que forma essa crítica se relaciona com o poema de Cacaso e com os textos apresentados na seção?
Reflitam sobre a questão proposta por Cacaso em seu último verso e respondam-na oralmente, levando em consideração a crítica identificada no meme e os elementos dos textos da seção no momento de manifestar explicitamente o ponto de vista do grupo a esse respeito.
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Capítulo 6 - A geração de 1945 e o Concretismo
Encontra-se disponível no YouTube um documentário em três partes sobre a vida e obra de Luiz Sacilotto – Concreção 0501. Caso julgue interessante apresentá-lo aos alunos, as informações sobre o desenvolvimento do Concretismo e sobre a obra madura do artista encontram-se na segunda e terceira partes do documentário. Links: Parte 1 – . Parte 2 – . Parte 3 – .
SACILOTTO, L. Concreção 8215. 1983. Têmpera vinílica sobre tela fixada em painel, 80 × 80 cm.
A experimentação característica da geração de 1945 e dos concretistas subverte o verso e as artes plásticas produzindo obras inusitadas.
LUIZ SACILOTTO - COLEÇÃO PARTICULAR
Sugerimos que todas as questões sejam respondidas oralmente para que os alunos possam trocar impressões e ideias.
Leitura da imagem
1. Descreva como você vê a obra Concreção 8215, do paulista Luiz Sacilotto (1924-2003), identificando seus elementos.
2. Qual é o efeito visual criado pela disposição dos quadrados vermelhos?
> A análise atenta da obra sugere um cuidadoso planejamento prévio para garantir que ela tenha uma aparência controlada pelo artista. Explique.
3. Relacione o título à obra, considerando que concreção, segundo o Dicionário Houaiss, é o “ato, processo ou efeito de (se) tornar concreto, sólido, substancial ou real; concretização, substancialização, materialização”.
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Da imagem para o texto
4. O trabalho artístico com a forma pode assumir diferentes manifestações. Na literatura, ele se traduz pelo cuidado com a escolha e o arranjo das palavras, pela maneira como são usados os sinais de pontuação, pelos recursos empregados na construção dos versos. Leia o poema.
Rios sem discurso
Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma se comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.
O curso de um rio, seu discurso-rio,
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloquência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem,
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
em frases curtas, então frase e frase,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate.
Chamar a atenção dos alunos para o lugar em que as vírgulas se concentram na segunda parte do poema. Mesmo em número relativamente alto (7), elas se concentram nos 4 versos finais, ocorrendo somente duas vezes nos iniciais. É isso que faz com que, durante a leitura, tenha-se a impressão de que o “discurso” do texto está fluindo mais naturalmente, sem as interrupções sintáticas marcadas pela presença das vírgulas. Se eles compararem os oito versos iniciais das duas estrofes, observarão que há 7 vírgulas na primeira estrofe, contra 3 na segunda. É assim que o poeta promove o casamento perfeito entre forma e conteúdo, fazendo com que a construção do sentido do texto se dê pela articulação desses dois planos da composição.
MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999. p. 350-351. © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto.
Discurso: fala fluente, texto associado a um contexto específico.
Sintaxe: parte da gramática que estuda as relações entre as palavras em uma frase; no texto, pode ser compreendida como a organização harmoniosa entre partes e elementos.
Discorria: corria em diversas direções, espalhava-se. Metaforicamente, refere-se a expor pensamentos através da fala ou da escrita.
Grandiloquência: modo afetado e pomposo de falar, rebuscamento.
Interina: passageira, provisória.
Enfrasem: termo não dicionarizado. Pela formação da palavra, significa “tornem-se frases”. Representa, no poema, a religação entre os diferentes poços.
a) O poema pode ser dividido em duas partes. Em cada uma, é construída uma imagem do rio. Quais são elas?
b) Na primeira estrofe, o fluxo cortado de um rio é comparado a um discurso interrompido. Para desenvolver essa comparação, o poema relaciona um elemento do rio a um elemento do discurso. Que elementos são esses?
c) Por que o eu lírico afirma que as palavras isoladas estão mudas?
d) Por que a “água paralítica” é comparada a “uma palavra em situação dicionária”?
5. Podemos identificar, no poema, a presença de metáforas. Qual o significado metafórico do fluxo do rio, da interrupção do fluxo, da água em poço, da água em fio, da cheia e da seca?
> Há ainda uma metáfora menos evidente. A água em poço ou a palavra estariam sendo comparadas a uma pessoa isolada. Considerando essa possibilidade, o que então significariam o rio, a água em fio, a sentença-rio do discurso único e a seca?
6. Relacione o corte da sintaxe do rio ao combate à seca mencionado no último verso.
a) No texto, qual o trecho em que o eu lírico afirma ser lento e difícil resgatar o discurso-rio depois de o rio haver sido interrompido?
b) Considerando a possibilidade de as metáforas estarem relacionadas também à atuação das pessoas, explique por que seria difícil resgatar o discurso perdido.
7. Na primeira parte do poema, aparecem mais sinais de pontuação que na segunda. Que relação é possível estabelecer entre esse uso da pontuação e o assunto tratado em cada parte?
a) Na primeira parte aparecem também verbos flexionados principalmente em formas nominais (particípio); na segunda, principalmente no presente e no gerúndio. Que relação pode ser estabelecida entre essa flexão dos verbos e a ideia central de cada uma das partes?
b) Considerando as respostas anteriores, discuta com seus colegas: qual a importância da forma para a construção do sentido desse poema?
O mundo após a bomba: indagações e impasses
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa começou o lento processo de reconstrução em meio aos destroços humanos e políticos. A Guerra Fria, iniciada com a ameaça de uma hecatombe nuclear, dividiu o mundo em dois blocos: um capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e outro socialista, sob o comando da ex-União Soviética.
O Brasil aliou-se aos norte-americanos contra a expansão do comunismo. O Partido Comunista entrou na ilegalidade. Escritores como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge Amado tiveram suas obras queimadas em praça pública. Alguns foram presos, outros exilaram-se.
Em 1945, os militares depõem Getúlio Vargas. O general Eurico Gaspar Dutra assume a presidência. Nas eleições de 1951, Getúlio voltou ao poder idolatrado pelo povo. Seu mandato, no entanto, não se concluiu. Acuado por escândalos e pressionado pelo exército, que representava a elite, Vargas optou pelo suicídio. A repercussão popular à sua morte obrigou à convocação de nova eleição, que elegeu Juscelino Kubitschek.
A União Soviética ou União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, oficialmente formada em 1922, chegou a ser composta de 15 países: Rússia, Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Estônia, Geórgia, Letônia, Lituânia, Moldávia, Quirguízia, (atual Quirguistão), Tadjiquistão, Turcomênia, Ucrânia, Uzbequistão. Fatores políticos e econômicos levaram à desintegração da União Soviética em 1991.
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No governo JK, o crescimento industrial acelerado desencadeou um grande crescimento urbano. Massas humanas deslocaram-se do campo para a cidade à procura de oportunidades, comprometendo a estrutura dos grandes centros.
O cenário cultural refletia esse quadro de mudanças. As chanchadas da Atlântida e a criação do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) tornaram conhecidos grandes atores, muitos dos quais ficaram bastante populares: Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, Tônia Carrero, Fernanda Montenegro, Walmor Chagas, só para mencionar os mais conhecidos.
O rádio criava ídolos: Emilinha Borba, Cauby Peixoto, Marlene, Ângela Maria encantavam os ouvintes e conquistavam milhares de fãs. Esse seria, no entanto, um reinado curto, porque, em 1950, o jornalista Assis Chateaubriand trouxe para o país a televisão, que se revelou uma máquina de fazer astros instantâneos e modificou de modo irreversível o perfil da produção cultural brasileira.
Veja no Guia de recursos informações sobre o conceito de Pós-Modernismo adotado nesta obra.
Pós-Modernismo: a arte procura novos rumos
O conceito de pós-modernidade tem sido discutido por muitos historiadores, sociólogos e críticos de arte. De modo geral, embora as definições específicas possam variar, há um consenso em relação às linhas fundamentais que separam o Modernismo do Pós-Modernismo.
Associado ao período do fim da Segunda Guerra Mundial, o surgimento do Pós-Modernismo parece ter sido desencadeado pela crise dos valores que vigoraram a partir do início do século XX. Os conceitos de classe social, de ideologia, de direita e esquerda, de arte, do Estado de bem-estar começam a ruir, afetados pelas duas guerras mundiais. O Pós-Modernismo nasce da ruptura com algumas certezas e definições que sustentavam conceitos do campo social, político, econômico, estético, etc.
O que importa, no mundo contemporâneo, é a individualidade extrema. A solidariedade e a busca do bem-estar social são postas em segundo plano. No centro da sociedade, o indivíduo reina absoluto.
Nesse mundo, as fronteiras entre ideologias de direita e de esquerda, bem e mal, certo e errado, beleza e feiura tornaram-se pouco nítidas, e os artistas também começaram a questionar os modelos considerados modernos.
A impossibilidade de definir o movimento nascido nesse contexto fez com que os teóricos optassem por apresentá-lo como aquilo que vem depois (pós) do Modernismo, usando a referência cronológica como uma base mais segura.
Esse movimento começa depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945, toma fôlego nos anos 1950 para se realizar mais plenamente na década de 1960.
Muitos são os caminhos estéticos trilhados no Pós-Modernismo. A “matéria” ganha destaque no mundo contemporâneo. Os artistas passam a explorar diferentes possibilidades de criação e interação com o público. A experimentação torna-se o princípio norteador da estética pós-moderna. O sentido deixa de ser algo preexistente para se definir em um processo que se inicia com a concepção de uma obra quando ela é “lida” pelo público.
A arte se alia à mídia e busca atingir o grande público. É nesse contexto que estão inseridas a produção da geração de 1945 e a poesia concreta. Neste capítulo, serão abordados a poesia de 1945, o Concretismo, o Neoconcretismo, o Poema-Processo e a poesia de Ferreira Gullar. A prosa será abordada somente no Capítulo 7.
A poesia em busca de um caminho
Na década de 1940, os poetas, que desejavam devolver aos poemas o rigor formal abandonado pelos primeiros modernistas, passam a privilegiar o trabalho com a materialidade do texto poético (sons, ritmos, rimas, disposição do verso na página, etc.). Algumas formas fixas e modelos poéticos mais “clássicos” foram retomados. Com isso, os escritores esperavam definir de modo mais claro os limites que separavam o poético, fundamentado no trabalho com a forma, do não poético, associado ao mero registro do elemento prosaico do cotidiano.
Participaram dessa retomada da forma autores como Péricles Eugênio da Silva Ramos, Lêdo Ivo, Geir Campos, José Paulo Paes e João Cabral de Melo Neto.
A partir da década de 1950, os efeitos do capitalismo tardio se evidenciaram na crescente individualização de uma sociedade voltada para o acúmulo de bens e para o consumo estimulado pelos veículos de comunicação de massa. Era preciso incorporar à poesia a ideia de multiplicidade, de materialidade e de fragmentação da sociedade pós-moderna. Como veremos na segunda parte deste capítulo, o Concretismo surge como uma resposta a essa necessidade, pondo em prática procedimentos literários que, hoje, são reconhecidos como pós-modernos, embora esse conceito ainda não existisse quando o movimento nasceu.
O projeto literário da poesia de 1945
Em artigo na Revista Brasileira de Poesia, publicado em 1947, Péricles Eugênio da Silva Ramos resume o espírito do projeto literário da poesia de 1945: “Não há obra de arte sem forma, e a beleza é um problema de técnica e de forma”. O mesmo texto define a intenção de transformar o fazer poético, adotando como princípio a renovação estética.
O crítico e professor Alfredo Bosi destaca duas preocupações que orientavam a produção poética da geração de 1945:
• a busca de mensagens (temas, motivos poéticos) que dessem ao texto a dimensão de um testemunho crítico da realidade no plano social, moral e político;
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• o desejo de encontrar códigos formais que trouxessem para o verso estruturas semelhantes às utilizadas para a comunicação de massa (cores, símbolos, exploração do formato das letras, organização gráfica, etc.), elemento essencial da sociedade contemporânea.
Os agentes do discurso
O contexto de agitação política por que passava o país no início dos anos 1940 animava a discussão intelectual e estimulava o contato entre os artistas. Os maiores focos da produção literária ainda eram Rio de Janeiro, onde se localizavam as grandes editoras, e São Paulo. A ampliação do circuito da produção cultural brasileira, iniciado com os romances da geração de 1930, alcançou a poesia. Em 1941, alguns poetas ainda desconhecidos, como João Cabral de Melo Neto e Lêdo Ivo, despontaram em um congresso de poesia realizado em Recife. Em 1942, foi a vez de Fortaleza acolher o 1º Congresso de Poesia do Ceará. Foi fundada, no ano seguinte, a seção cearense da Associação Brasileira de Escritores, confirmando o alargamento dos horizontes literários.
A circulação da poesia que começava a ser escrita deu-se de duas formas: em revistas literárias, como Clã e Revista Brasileira de Poesia (editada pelo Clube de Poesia de São Paulo), ou em edições particulares, muitas vezes financiadas pelo autor ou por sua família. Esse foi o caso, por exemplo, de João Cabral, cujo primeiro livro, Pedra do sono, foi publicado por seu pai, depois de saber dos elogios que Murilo Mendes dirigira ao filho em texto do Jornal do Brasil.
• A poesia de 1945 e o público
Não há muita informação sobre a reação do público à poesia da geração de 1945. A maior parte dos autores permanece, ainda hoje, pouco lida e desconhecida dos brasileiros. Como o nome de João Cabral ganhou grande destaque, é possível encontrar alguns comentários sobre o impacto de seus primeiros poemas.
Seu irmão, Virgínio Cabral de Melo, conta que a reação inicial do público aos primeiros poemas de João Cabral foi de choque. A secura da sua linguagem e o rigor na composição provocaram o estranhamento dos leitores, que, de modo geral, o acusavam de ser um poeta sem alma, muito frio, racional, que fazia poemas sem coração, medidos com fita métrica.
Quando o reconhecimento da crítica chegou, a admiração do público também veio, estimulada por matérias em jornais e revistas que o celebravam como um dos maiores poetas brasileiros da atualidade.
Linguagem: o desdobramento dos sentidos
O cuidado formal que define o projeto literário dos poetas de 1945 pode ser percebido na preocupação em escolher a palavra exata, muitas vezes desdobrada em metáforas que ampliam o sentido do poema para campos semânticos inesperados. Observe.
Os derivados do leite
Os magnatas do leite
e seus filhos derivados
têm a carne leve e tenra
dos lactentes.
A pele é alva e acídula
a face sanguínea e túmida
como os queijos de corante.
[...]
O diplomata em Paris
é derivado do leite.
O catedrático enfático
é derivado do leite.
A cadeira na assembleia
é derivada do leite.
O chapéu cardinalício
é derivado do leite.
O ar governamental
é derivado do leite.
[...]
Lactentes: crianças que ainda mamam.
Acídula: ligeiramente ácida.
Túmida: inchada, dilatada.
RIVERA, Bueno de. In: BANDEIRA, Manuel; AYALA, Walmir. Antologia dos poetas brasileiros: fase moderna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 12-13. v. 2. (Fragmento).
A expressão “derivados do leite” se refere aos produtos extraídos do leite (queijo, manteiga, etc.). No texto, trata-se de uma metáfora para todas as pessoas que enriqueceram por meio da pecuária e também para as instituições sociais, culturais, religiosas e políticas que dependem dessa riqueza. A repetição da expressão, ao longo do poema, reforça a ideia da influência dos pecuaristas na sociedade brasileira.
Outro interessante trabalho com a linguagem observado no texto é a associação das características do leite e de seus produtos às pessoas, sugerindo uma espécie de metamorfose em que os seres humanos adquirem o aspecto daquilo que os sustenta.
Os concretistas não são parnasianos!
É importante que não se confunda a valorização da técnica de composição promovida pela poesia de 1945 com o rebuscamento formal que marcou a poética dos parnasianos. Trata-se de um procedimento inverso. No Pós-Modernismo, o domínio da forma deve permitir que a combinação entre código e mensagem aconteça de modo absoluto, para que o poder de significação da palavra seja ampliado e o texto também tenha sua significação ampliada por essa articulação. Os parnasianos investiam no rebuscamento formal sem pretender, com isso, criar novos sentidos para o texto. A arte pela arte, a perfeição formal, a imparcialidade diante do objeto do poema eram seus objetivos. Os concretistas, porém, desejavam que a perfeição formal expressasse uma observação crítica da realidade.
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Literatura e sociedade
A poesia da geração de 1945 retoma o trabalho com a forma, voltando o olhar para os elementos materiais do texto. A sociedade brasileira também procura, nesse período, uma perspectiva mais concreta, de resultados controláveis. Como a adoção, em 1949, de um plano governamental com metas para saúde, alimentação e energia e a construção de Brasília sinalizam essa preocupação?
João Cabral: a “máquina” do poema
A essência da poética de João Cabral De Melo Neto (1920-1999) foi investir na forma, construindo poemas palavra por palavra, como um operário constrói uma parede tijolo por tijolo. Como diz numa entrevista.
[...] Creio que uma das bases da minha poesia sempre foi [...] essa coisa visual. Sempre achei que a linguagem, quanto mais concreta, mais poética. Palavras como melancolia, amor, cada pessoa entende de uma maneira. Se você usar palavras como maçã, pedra ou cadeira, elas evocam imediatamente ao leitor uma reação sensorial. [...]
MELO NETO, João Cabral de. In: LUCAS, Fábio. O poeta e a mídia: Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. São Paulo: Senac, 2003. p. 95. (Fragmento).
João Cabral é um poeta cerebral. Isso significa que o planejamento do poema e a reflexão sobre o próprio processo de composição são a base do seu fazer literário. Sua preocupação em buscar extrair a máxima significação de cada palavra e a qualidade literária de seus poemas fizeram com que ele alcançasse uma importância muito grande para a literatura brasileira no século XX.
Seu universo poético é essencialmente nordestino, com muitas referências à zona da mata e ao sertão. A linguagem que utiliza aparece despida de ornamentos, uma “faca só lâmina”, como ele mesmo definiu. Pela linguagem de seus versos, por não falar de sentimentos, não abordar estados de espírito, os críticos o reconheceram como um poeta não lírico.
As imagens da realidade, na obra de João Cabral, são reduzidas à sua essência. As palavras estão sempre dispostas de forma a construir imagens que transformam o poema em “máquina” que produz significados.
A reflexão sobre o fazer poético é o principal tema do autor. São frequentes, em sua obra, os metapoemas, ou seja, os poemas que falam sobre a composição poética. Neles, João Cabral recorre muitas vezes à aproximação entre a atividade de escrever e outra atividade cotidiana, para oferecer ao leitor imagens que simbolizem o aspecto da composição sobre o qual deseja refletir. Observe a seguir.
Catar feijão
1
Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
2
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.
MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999. p. 346-347. © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto.
Alguidar: vaso de barro utilizado para guardar água.
Fluviante: termo não dicionarizado. Criado a partir de fluvial (aquilo que é relativo ou próprio de rio), significa a leitura fluente, sem interrupções.
Flutual: termo não dicionarizado. Criado a partir do verbo “flutuar” (conservar-se à tona, boiar), significa a leitura leve, que “boia” sem empecilhos.
Açula: provoca.
A composição de poemas que articulam forma e conteúdo fez com que sua obra desencadeasse uma revolução formal na poesia brasileira, criando a base para novas propostas estéticas como o Concretismo, que surgiria alguns anos mais tarde.
Lembrar aos alunos que um auto é uma peça curta, em geral de cunho religioso.
Morte e vida severina: recriação do nascimento de Cristo
A mais conhecida obra de João Cabral, Morte e vida severina, era a de que ele menos gostava. Feita para atender a uma encomenda de Maria Clara Machado, que precisava de um auto de Natal, o poema situa em um manguezal do Recife a cena bíblica do nascimento de Cristo, representada pelo nascimento do filho de um carpinteiro pernambucano.
Severino, o protagonista, é um nordestino que sai do interior do sertão em direção ao litoral, em busca de melhores condições. Na sua fala inicial, percebe-se o drama da personagem: incapaz de encontrar características pessoais ou sociais que o diferenciem de tantos outros retirantes, Severino torna-se um símbolo do drama vivido nas regiões assoladas pela seca. Veja.
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[...]
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
[...]
MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999. p. 171-172. (Fragmento). © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto.
O retirante chega ao Recife com uma dúvida: será que vale a pena uma pessoa como ele permanecer viva, tendo que enfrentar tanta dificuldade? No momento em que faz essa pergunta a José, um carpinteiro com quem conversava no cais do rio Capibaribe, é interrompido por uma mulher, que vem avisar José do nascimento do filho. Severino testemunha, então, a solidariedade dos outros habitantes do manguezal, dispostos a dividir o pouco que têm com a criança recém-nascida. Naquele momento, compreende que a própria vida deu a resposta que procurava: mesmo sofrida, difícil, a vida merece ser vivida.
Escultura de João Cabral de Melo Neto no Circuito da Poesia, em Recife, PE. Foto de 4 out. 2014.
CARLOS EZEQUIEL VANNONI/AGÊNCIA JCM/FOTOARENA
TEXTO PARA ANÁLISE
Texto 1
Tecendo a manhã
Neste poema, o eu lírico tematiza, por meio de uma metáfora, o fazer literário.
1
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
Que, tecido, se eleva por si: luz balão.
MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999. p. 345. © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto.
1. O poema apresenta duas partes, representadas pelas duas estrofes que o compõem. A que se refere cada uma delas?
a) Todo o poema é construído a partir do significado dos dois primeiros versos. Qual é ele?
b) De que maneira o canto conjunto dos galos tece a manhã?
2. Releia o trecho que vai do 3º ao 7º verso da primeira estrofe.
a) Que diferenças há entre a estrutura sintática dos versos desse trecho e a dos dois primeiros?
b) Agora, observe o 3º verso da primeira estrofe. É possível perceber que há dois termos que não estão expressos, mas que podem ser facilmente subentendidos. Quais são eles?
c) O mesmo ocorre no verso seguinte? Explique.
d) Explique a relação estabelecida entre essa organização sintática dos versos e o tema desenvolvido no poema.
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3. Qual é a imagem associada ao nascimento da manhã nestes versos?
“para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.”
> Que outras expressões são utilizadas para representar a manhã que vai nascendo?
4. Na segunda estrofe, o eu lírico seleciona palavras com sons semelhantes. Transcreva-as em seu caderno.
> O uso dessas expressões contribui para reforçar a ideia de que o nascimento da manhã é realizado por meio da ação conjunta. Explique.
5. Um dos temas frequentes na poesia de João Cabral de Melo Neto será o fazer poético. “Tecendo a manhã” tematiza essa questão por meio da metáfora do canto dos galos que fazem nascer a manhã. Considerando essas informações, o que simbolizariam os galos?
a) Como a imagem do canto que vai sendo lançado de um galo a outro pode ser associada à construção do fazer poético?
b) O “resultado” desse canto conjunto é, no poema, a manhã que nasce. De que maneira essa imagem é uma metáfora construída para tematizar o fazer literário?
Texto 2
Assiste ao enterro de um trabalhador de eito e ouve o que dizem do morto os amigos que o levaram ao cemitério
Severino assiste ao destino dos trabalhadores rurais nordestinos: a terra que terão é apenas a da própria cova.
— Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a conta menor
que tiraste em vida.
— É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
— Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
— É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
[...]
MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999. p. 183-184. (Fragmento). © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto.
Eito: plantação, lavoura.
Ancho: espaçoso, livre.
6. Observe a disposição de cada quadra do trecho transcrito. Todas são introduzidas por um travessão. Considerando que se trata de um enterro feito por outros trabalhadores, que se despedem do defunto, o que simbolizaria cada quadra?
> É possível identificar, pela fala dos lavradores sobre aquele que enterram, uma caracterização do morto. Como ele pode ser descrito?
7. Nesses versos, também há referências ao tamanho da cova em que o lavrador está sendo enterrado. No caderno, transcreva as expressões que indicam as dimensões da cova.
a) Explique o significado da comparação entre as dimensões da cova e o latifúndio, a terra que o defunto queria ver dividida.
b) “É uma cova grande / para teu pouco defunto”. Esses versos parecem contradizer o primeiro verso da fala anterior. Aponte essa contradição e explique por que ela é apenas aparente.
8. Nesse auto, o nome próprio Severino (que significa “austero”, “rigoroso”) é transformado em adjetivo (severina) no título. Explique de que maneira, por meio desse adjetivo, o eu lírico dá a dimensão do drama dos nordestinos.
9. Embora o trecho se refira a um lavrador específico, podemos dizer que ele simboliza todos os trabalhadores rurais. Explique por quê.
> O protagonista desse texto, Severino, sai de sua terra em busca de melhores condições de vida. Poderíamos dizer que, embora escrito em 1956, o tema continua atual. Considerando a realidade brasileira, discuta com seus colegas: quem seriam os “severinos” de hoje? Por quê?
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Optamos por apresentar o Concretismo no mesmo capítulo que a poesia da geração de 1945 por entender que a retomada do trabalho com a forma, característica dos poetas dessa geração, acabou por representar o primeiro e mais importante passo para a elaboração de uma nova definição de poesia, em que a relação entre forma e conteúdo na construção do sentido do texto passou a ser vista de modo mais radical. Essa radicalização atingiu o auge com o Concretismo. Além disso, os concretistas também sofreram influência da obra de João Cabral de Melo Neto, autor estudado neste capítulo. Essas afinidades nos levaram a tratar da poesia concreta aqui.
O Concretismo
A publicação, em 1956, da revista Noigandres trouxe à cena literária brasileira uma proposta radical de experimentação com a forma que propunha incorporar à poesia os signos da sociedade moderna, aliando a exploração de aspectos formais e a observação crítica da realidade.
O Concretismo, como ficou conhecido esse movimento, determinava uma ruptura radical com o lirismo. A poesia intimista deveria ser substituída pela concretude das palavras, utilizadas no seu aspecto verbivocovisual (semântico, sonoro e visual). Veja o exemplo a seguir.
CAMPOS, Augusto de. Luxo. Poesia – 1949-1979. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 119.
AUGUSTO DE CAMPOS
O título do poema é “Luxo”. Ele é composto de uma só palavra — lixo —, formada pela repetição da palavra luxo, disposta para formar as letras L, I, X e O. O poema tem um forte sentido social que nasce da oposição entre os termos lixo e luxo: a “nobreza” decorativa das letras douradas sugere um imenso “lixo” formado por pequenos “luxos”. Pode-se perceber, ainda, o teor crítico em relação a uma sociedade que, dominada pelo consumo, favorece o luxo e abandona o essencial.
A poesia concreta pretendia promover a expansão dos sentidos da poesia, incorporando o signo visual como elemento carregado de significado, que interage com as palavras, criando novos sentidos e multiplicando as possibilidades de leitura.
Entre os recursos utilizados para realizar esse projeto, destacam-se a valorização da disposição gráfica das palavras, o uso da elipse, a exploração do espaço da página como elemento de composição do poema.
Capa da revista Noigandres, n. 1, publicação de poesia concreta lançada em 1952 pelos poetas Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos.
REPRODUÇÃO
Lembre-se
Signo é a denominação de qualquer objeto, forma ou fenômeno que remete para algo diferente de si mesmo e que é empregado em seu lugar em diversas situações. A balança, por exemplo, pode ser empregada para remeter o observador à ideia de justiça.
Os três cavaleiros do Concretismo
Em 1952, três jovens paulistas, Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, amigos desde o fim da década de 1940, que se encontravam todos os sábados para discutir música erudita contemporânea, falar sobre as inovações do cinema e das artes plásticas e ler poesia moderna, fundaram o grupo Noigandres e lançaram uma revista com o mesmo nome. Na revista já começaram a praticar a poesia concreta. Lançaram oficialmente o Concretismo durante a Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1956.
Os caminhos literários dos três jovens concretistas mantiveram-se próximos, mas a obra de cada um deles tem características um pouco distintas. Haroldo de Campos (1929-2003) criou textos em que a intenção de eviden ciar as relações entre as palavras (ecos, semelhanças sonoras, etc.) fica em primeiro plano. Isso faz com que sua obra adquira algumas características barrocas, pelo alto grau de elaboração alcançado. Destaca-se, entre os livros que publicou, Galáxias (1984), prosa poética iniciada em 1963 que revela estranhos nexos entre as palavras. São também importantes os livros de poesia Xadrez de estrelas (1976) e Signância quase céu (1979).
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Augusto de Campos (1931-) é o autor da série de poemas em cores Poetamenos (1955), considerada o primeiro exemplo da poesia concreta brasileira. A maior parte de seus poemas está reunida nos livros VIVAVAIA (1979) e Despoesia (1994). Traduziu, muitas vezes em parceria com o irmão Haroldo e Décio Pignatari, importantes poetas estrangeiros modernos, como e. e. cummings, James Joyce, Maiakovski, Ezra Pound. Também resgatou a obra de autores brasileiros esquecidos, como Pedro Kilkerry e Sousândrade.
Décio Pignatari (1927-2012) associou a poesia concreta à paixão pelo estudo da semiótica, incorporando signos visuais às palavras e criando o poema-código. Publicou, entre outros, os livros de poesia Exercício findo (1958), Poesia pois é poesia, 1950/1975 e Poetc,1976/1986. a
a Explicar aos alunos que a Semiótica dedica-se ao estudo dos mecanismos a partir dos quais os signos produzem sentido. Interessa-se pelo estudo de fenômenos culturais e analisa práticas sociais e comportamentos como signos que, em um determinado contexto, adquirem um sentido específico para todos os indivíduos que partilham de um mesmo sistema de significação. O grande teórico inspirador da semiótica foi Charles S. Peirce (1839-1914).
Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos em 1952.
KLAUS WERNER
Desdobramentos do Concretismo
Decorrentes do Concretismo, surgem alguns outros movimentos poéticos, como o Neoconcretismo (1959) e o Poema-Processo (1967).
Lygia Clark, escultura da série Os bichos. 1960. Ao expor essa obra, a artista esperava que o público interagisse com ela. Exemplar do Neoconcretismo brasileiro, a peça tem dobradiças que permitem que as dobras se movam, alterando a forma final.
ASSOCIAÇÃO CULTURAL MUNDO DE LYGIA CLARK
• Neoconcretismo
O Neoconcretismo distinguiu-se do Concretismo por atribuir ao leitor outro papel na construção do poema. Para o poeta Ferreira Gullar, o sentido do texto nascia no momento de composição do poema, mas só se realizava de fato quando era decodificado pelo leitor. Defendia, assim, uma concepção de arte mais participativa, interativa, que também foi adotada por artistas plásticos como Lygia Clark e Hélio Oiticica.
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Gullar explica que o poema neoconcreto convoca o leitor para também estabelecer as relações do texto, contribuindo para “explicitar, intensificar, concretizar” a vocação da palavra de expressar múltiplos sentidos. Essa concepção de poesia fez com que os neoconcretos chegassem a afirmar que o poema era um “não objeto”, algo que tinha somente um projeto de existência, mas só se realizava quando lido. Ou seja, era o leitor quem dava “realidade” ao poema.
Para tornar mais evidentes essas relações, a poesia neoconcreta criou textos que obrigam a interação do leitor com o texto, usando dobras e recortes na página e chegando, por fim, à produção de poemas-objetos (poemas com formato de cubos para encaixe).
• O Poema-Processo
Opondo-se radicalmente à discursividade da poesia, surge no Rio de Janeiro, em 1967, o Poema-Processo. À frente do novo movimento estava Wlademir Dias-Pino, que propunha a criação de uma poesia que podia nem mesmo ter palavras, atribuindo ao signo verbal um lugar secundário.
O sentido da palavra “poema” é tão ampliado pelo grupo que pode denominar uma passeata ou outra performance coletiva, bem como um objeto gráfico desprovido de letras ou palavras.
Livres da “prisão da palavra”, os membros do grupo do Poema-Processo utilizam signos gráficos (figuras geométricas, perfurações no papel) e abandonam o livro como suporte tradicional. Um bom exemplo das criações de Wlademir Dias-Pino são seus dois livros-objetos: A ave e Sólida. A ave apresenta um conjunto de páginas encadernadas juntas; algumas páginas aparecem perfuradas, outras recortadas; há ainda algumas folhas de papel vegetal sobrepostas às folhas normais.
DIAS-PINO, Wlademir. A ave. 1956. In: MENEZES, Philadelpho. Roteiro de leitura: poesia concreta e visual. São Paulo: Ática, 1998. p. 56.
REPRODUÇÃO/WLADEMIR DIAS-PINO
A superposição do desenho de linhas (impressas no papel vegetal) sobre a página onde se encontram algumas palavras soltas cria um trajeto de leitura que orienta o olhar do leitor e dá sentido ao conjunto: A ave voa dentro de sua cor.
Ferreira Gullar: a poesia engajada
José Ribamar Ferreira, que adotou o nome poético de Ferreira Gullar (1930-), participou do movimento concretista e ajudou a fundar o Neoconcretismo. Mas o poeta maranhense se destacou ao encontrar um tom próprio para sua produção poética, abandonando o experimentalismo formal que marcou esses movimentos. Sua trajetória artística pode ser entendida a partir de uma declaração feita pelo próprio autor.
[...] Fiz sempre poesia como uma luta em busca do sentido das coisas, do sentido da própria vida e da literatura e, ao mesmo tempo, como a necessidade de resgatar a experiência da vida, de não deixar que ela se perca. [...]
GULLAR, Ferreira. Literatura comentada: Ferreira Gullar. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 166. (Fragmento).
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Trilha sonora
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
[...]
Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
GULLAR, Ferreira. Intérprete: Raimundo Fagner. Traduzir-se. CBS, Rio de Janeiro, 1981. Disponível em:
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