Português: contexto, interlocução e sentido



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. Acesso em: 13 abr. 2016.

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O cantor Fagner durante apresentação em Natal, RN, 20 dez. 2014.

FRANKIE MARCONE/FUTURA PRESS

Depois de musicar poemas de Cecília Meireles e de Florbela Espanca, Raimundo Fagner tornou conhecido o poema em que Ferreira Gullar trata da dificuldade de conciliar os lados racional e passional do ser humano.

A busca pela ampliação dos sentidos do poema marca as primeiras obras de Gullar, escritas entre os anos de 1940 e 1950.

A partir dos anos 1960, o discurso politizado, marxista, ganha força e dá um caráter mais engajado à sua obra poética. Depois do golpe militar de 1964 a inquietação pessoal do autor com os rumos políticos do país aparece em Dentro da noite veloz (1975), em que procura o equilíbrio entre a expressão dos sentimentos subjetivos (manifestação de suas angústias e temores) e a comunicação de uma visão de mundo.



Homem comum

Sou um homem comum


de carne e de memória
de osso e esquecimento.
Ando a pé, de ônibus, de táxi, de avião
e a vida sopra dentro de mim
pânica
feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
cessar.

[...]


Sou um homem comum
brasileiro, maior, casado, reservista,
e não vejo na vida, amigo,
nenhum sentido, senão
lutarmos juntos por um mundo melhor.
Poeta fui de rápido destino
Mas a poesia é rara e não comove
nem move o pau de arara.

Quero, por isso, falar com você


de homem para homem,
apoiar-me em você
oferecer-lhe meu braço
que o tempo é pouco
e o latifúndio está aí, matando.

[...]
Homem comum, igual


a você,
cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.
A sombra do latifúndio
mancha a paisagem,
turva as águas do mar
e a infância nos volta
à boca amarga,
suja de lama e de fome.

Mas somos muitos milhões de homens


comuns
e podemos formar uma muralha
com nossos corpos de sonho e margaridas.

GULLAR, Ferreira. Dentro da noite veloz. In: Toda poesia (1950-1999). 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. p. 167-168. (Fragmento).

Construir sua identidade como “homem comum” significa, para o eu lírico, reconhecer-se semelhante a tantos outros homens que compartilham de um destino como o seu, enfrentam as mesmas forças opressoras (o imperialismo, o latifúndio, a miséria). Significa também irmanar-se a todos os seus semelhantes e, junto com eles, criar condições para resistir: formar uma muralha que combata a exploração, ainda que ela seja feita de “corpos de sonho e margaridas”.
Página 103

“Pretendo que a poesia tenha a virtude de, em meio ao sofrimento e ao desamparo, acender uma luz qualquer, uma luz que não nos é dada, que não desce dos céus, mas que nasce das mãos e do espírito dos homens”, afirma Ferreira Gullar na abertura de um de seus livros. Nessa perspectiva, a poesia aparece como uma afirmação da força da humanidade para resistir às pressões sociais, econômicas e políticas que trazem sofrimento e desamparo ao ser humano.



TEXTO PARA ANÁLISE

O texto a seguir refere-se às questões 1 e 2.

Texto 1

Um movimento

Neste texto, percebemos a principal característica do Concretismo: o poema deve ser lido e visto.

u m
m o v i


mento
compondo
além
da
nuvem
um
campo
de
combate
mira
gem
ira
de
um
horizonte
puro
num
mo
mento
vivo

PIGNATARI, Décio. Poesia pois é poesia. São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: Editora da Unicamp, 2004. p. 100.



1. Embora os poemas concretos nem sempre sejam facilmente compreensíveis, é possível identificar seu tema ou assunto. O que é tematizado no poema transcrito?

> Que palavras ou expressões remetem a esse tema? Por quê?

2. Agora observe o formato do poema. Que relação é possível estabelecer entre a disposição dos versos e a palavra movimento?

> De que maneira essa relação garante a concretude do poema?

O texto a seguir refere-se às questões de 3 a 6.

Texto 2

Uma nordestina

Neste poema, o eu lírico descreve uma mulher nordestina.

Ela é uma pessoa


no mundo nascida.
Como toda pessoa
é dona da vida.

Não importa a roupa


de que está vestida.
Não importa a alma
aberta em ferida.
Ela é uma pessoa
e nada a fará
desistir da vida.
Nem o sol de inferno
a terra ressequida
a falta de amor

a falta de comida.


É mulher é mãe:
rainha da vida.

De pés na poeira


de trapos vestida
é uma rainha
e parece mendiga:
a pedir esmolas
a fome a obriga.

Algo está errado


nesta nossa vida:
ela é uma rainha
e não há quem diga.

GULLAR, Ferreira. Melhores poemas de Ferreira Gullar. Seleção e apresentação de Alfredo Bosi. 7. ed. São Paulo: Global, 2004. p. 194-195.



3. Que características da mulher nordestina são apresentadas pelo eu lírico?

4. A descrição da mulher indica que se trata de alguém cuja vida é bastante difícil e que poderia, por isso, “desistir da vida”. Que motivos apresentados no poema poderiam levar essa mulher a pensar nessa possibilidade?

> Segundo o poema, o que parece fazer a nordestina não desistir de viver?

5. Na terceira estrofe, o eu lírico indica, por meio de duas imagens, a oposição entre a essência da nordestina e a sua aparência. Explique em que consiste essa oposição.

> Com base nessa oposição, o eu lírico chega a uma conclusão a respeito “desta nossa vida”. Que conclusão é essa?

6. Ferreira Gullar é um poeta engajado, que tematiza, em seus textos, a realidade brasileira. De que maneira a caracterização da mulher nordestina revela, ao longo do texto, a denúncia da miséria em que vivem nordestinas como a que foi descrita no poema?
Página 104

Diálogos literários: presente e passado

Na literatura contemporânea de língua portuguesa, as mulheres ainda são minoria. Porém, suas vozes atravessam o mar, vindas de Portugal e da África, revelando — em textos de diferentes gêneros — uma maneira particular de apreender a vida e de usar a linguagem de modo a tornar visíveis seus pensamentos e fantasias mais profundos.

A tradição das narrativas intimistas feitas por mulheres, em que o narrador se detém mais na vida interior das personagens do que nos acontecimentos externos, é relativamente recente, se considerarmos a história da literatura. Apenas no início do século XX angústias e dramas existenciais passaram a ser expostos a partir do olhar feminino, que busca revelar, muitas vezes por meio do fluxo de consciência, os aspectos mais profundos e ocultos da existência.

Como você verá no próximo capítulo, Clarice Lispector, no Brasil, é o exemplo mais forte dessa produção literária e se tornou uma grande influência para muitas autoras que surgiram depois dela, como Lygia Fagundes Telles, escritora brasileira que teve seu primeiro livro publicado na década de 1950 e que trata principalmente das experiências afetivas das personagens em seus textos.

Para que você possa começar a tomar contato com o olhar criador feminino, escolhemos fragmentos da obra de três autoras diferentes. Observe como elas abordam a realidade e as relações humanas.

Orlanda Amarílis: a mulher em Cabo Verde

A casa dos mastros

[...] O imaterial do meu riso porventura espalhou-se naquela detardinha sobre os meus sujos e acinzentados ossos. A minha caveira desgraciosa, porque desproporcionada ao seu antigo invólucro, tinha estremecido. As tíbias e os metatarsos, as omoplatas e as minúsculas apófises que se esmagaram durante o acidente onde perdi o meu eu, a minha presença, saltaram dentro do saco e um som seco e surdo elevou-se no ar. Não fora bem acidente, mas a escolha deliberada e assente quando decidi saltar do terraço do segundo andar da casa de João B. Saltei e vi o meu pobre e lindo corpo desfeito, abandonado a si mesmo. Eu de novo para a eternidade de onde vim. [...]

AMARÍLIS, Orlanda. In: CARDOSO, Jaqueline Teodora Alves. O tempo espiralar na narrativa de Orlanda Amarílis. Cadernos CESPUC de Pesquisa. Série Ensaios 18 (2011): 79-87. Disponível em:


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