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(2) Essa concepçãojusnaturalista do direito pode-se colher em diversas pas- sagens do Manifesto, a exemplo daquela que se vê logo ao início, quando Marx e Engels tratam dos burgueses e proletários. Há, entretanto, no mesmo Manisfesto, fragmentos que parecem desautorizar essa interpretação, dando a entender que a visão de um direito eterno é pura metafísica. Ao tratar, no segundo capítulo, dos meios para conduzir o proletariado à condição de classe governante, os autores assim se expressam: Sem dúvida, dir-se-ia, as idéias religiosas, morais, fiiosóficas e jurídicas foram modificadas no curso do desenvolvimento histórico. Mas a religião, a moralidade, a filosofia, as ciências políticas e a Iei sobreviveram, com firmeza, a esta mudança. AIém disto, existem verdades eternas como a liberdade, a justiça etc., que são comuns a todos estados da sociedade. Mas o comunismo proscreve as verdades eternas, proscreve toda religião e toda moralidade, em vez de constituí-las sobre uma nova base. Portanto, age em contradição a todas as experiências históricas do passado (Marx e Engels, op. cit., p. 40 e 41). O certo é que não há, nas obras de Marx, uma refiexão mais detida sobre o direito. Ao que se vê, na Crítica ao Prograina de Gotha, por exemplo, Marx se volta con- tra o direito burguês. Como sustenta Alan Stone (The place oflaw in the marxian structure-superestructure archetype, in Law & Sociely Review, Colorado, vol. 19, ed. 1, 1985, p. 39-67), há interpretações economicistas

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Em Rousseau, quer no Contrato Social3 quer na Origem da Desigualdade,4 defende-se a tese de que o homem nasce livre e depois, com o surgimento da propriedade, que traz consigo as desigualdades, acaba tendo de outorgar ao Estado seus direitos naturais, como forma de garantir suas liberdades, o qual os devolve em for- ma de direitos civis. Embora Rousseau considerasse a democracia uma forma utópica de governo,5 nele se inspirou a idéia do Estado Democrático de Direito, fundado no respeito à Iei, como expressão da razão humana manifestada pela vontade geral, e na independência do juiz. Mas se é certo que a distribuição antissocial da proprie- dade privada, tão bem retratada na descrição que Rousseau fez das ruas de Montpellier — bordejadas de soberbos palácios e de choças miseráveis, cheias de barro e de esterco — leva ao reconhecimento da necessidade de recompor o contrato social, não menos certo é também que na Revolução, uma vez vitoriosa, predominou o es- pírito reformista da burguesia, sem espaço para a idéia de justiça social.

Intensificou-se, assim, o movimento de codificação, processo que se cristalizou na edição do Código de Napoleão (1804) e do

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acerca da visão que Marx e Engels tinham do direito. Em muitas passagens do Prefácio da críticcl ò Economia Política, lê-se que os elementos da superestrutura estão separados da base econômica. Neste exato sentido, ver também a posição de Engels, na carta que escreveu a J. Bloch, datada de 2 1 /22 de setembro de 1 890, nas cartas endereçadas a Starkenburk (25 dejaneiro de 1894), e a Conrad Schmidt (27 de outubro de 1890), bem como na missiva endereçada a Franz Mehring, em 14 dejulho de 1 893 (Marx/Engels, Obras Escolhidas, vol. 3, São Paulo, Alfa-Omega, s.d., p. 284-285). A propósito do tema, ver também Roberto Lyra Filho, Karl, ineu amigo: diálogo com Marx sobre o Direito, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1 983 (particularmente importante é a síntese desenvolvida na página 70, onde o autor enumera as razões da decepção de Marx em relação ao direito).

(3) Jean-Jacques Rousseau, Contrato Social, Bauru, Edipro, 2000 (Coleção Princípios de Direito Positivo), Livro 1, p. 25-43.

(4) Jean-Jacques Rousseau, E1 origen de Ia desigualdad, México, Fondo de Cultura Económica, 2.000, Primeira Parte, p. 5-44.

(5) Rousseau, Contrato Social, Livro 111, Capítulos 111 e IV, p. 85-90.

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Código Alemão (1896), ambos orientados por uma espécie de de- formação da Escola Histórica, que prescindindo de toda a historicidade do direito, pôs a tônica no aspecto sistemático, do que é prova a preocupação de Savigny, ao reunir sob forma ordenada os textos do direito romano. Paulatinamente, acentuou-se também o individualismo, marca comum ao liberalismo político e ao liberalismo econômico, nos quais só há espaço para uma liberdade negativa, como já se acentuava no primeiro capítulo (seção 1.3). Corolário do egoísmo liberal-burguês é a noção de direito subjetivo, havida como poder de impor aos demais o respeito à vontade do sujeito jurídico. Não tardaram a surgir respostas a esta concepção, a princípio tímidas, na base dos conflitos meta-individuais de vontades e interesses, como se vê em Léon Duguit.6 Mas mesmo sob esta ótica — orientada para uma filosofia do sujeito, na qual historicamente se alternam a transcendência dojusto (jusnaturalismo) e a imanêncía dojusto (relação homem-consciência) —já começa a se esboçar a idéia de uma liberdade-função para substituir a liberdade-direito.7

É nesse contexto, como acima delineado, que ressurge a discus- são acerca do abuso do direito, agora orientada por uma visão inter- subjetiva, que tem em conta a alteridade, a existência não só do outro, mas da sociedade, de forma que não se há mais de indagar de uma intenção de prejudicar (aemulatio). As necessidades do homem ultrapassam a esfera daquilo que é simplesmente físico ou fisiológico para se inscrever no campo cultural. Paralelamente, o interesse juridicamente protegido, com as repercussões que o conceito tem no campo processual, ganha uma dimensão política, que diz com o direito de estar em juízo, provocando a tutela jurisdicional do Estado, o que também exige dos atores processuais a consciência da inter- subjetividade, e mais, dos deveres impostos pela convivência social. Ocorre que a essa razão ética contrapõe-se uma razão funcional,

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(6) Léon Duguit sustenta que não se pode cogitar da noção de direito subje- tivo, de ordem metafísica, mormente em uma época de realismo e positivismo filosófico (Las transformaciones del derechoprivado, Buenos Aires, Heliasta, 1975, p. 173-176).

(7) Idem, p. 189.

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que tem um substrato muito mais sociológico do que propriamente ontológico ou epistemológico.8

Aquela razão libertária dos iluministas, voltada à emancipação do homem, por um paradoxo, conduziu a humanidade a um cres- cente processo de dominação, que se faz através de uma razão tec- nocrática, totalitária, como denuncia Max Horkheimer em Eclipse da Razão.9 Ao lado dessa razão instrumental está a razão crítica, como desenvolvida pelos filósofos da chamada Escola de Frankfurt, dentre eles Horkheimer, que vê na superação dos diversos modelos de racionalidade (antiga, medieval, moderna) o movimento dos conflitos, das contradições sociais e políticas de cada época. A razão não determina a sociedade. De outra forma, é a sociedade, fruto de uma evolução histórica contínua, que determina e condiciona a razão. Com isto, os adeptos da teoria crítica afastam tanto o idealismo proclamado em nome de um espírito absoluto quanto o naturalismo contido na noção de uma natureza absoluta. Em outras palavras, a tensão entre razão subjetiva e razão objetiva, entre sujeito e objeto, que se revela na filosofia tradicional desde Platão às ciências modernas, ao mesmo tempo em que mostra a indiferença do pensamento tradicional à dimensão histórica dos fenômenos, dos indivíduos e da sociedade, aponta — agora de uma perspectiva críti- ca — para a necessidade de resgatar a razão iluminista, vale dizer, a esfera da realização da autonomia e da autodeterminação do homem.10 Trata-se, assim, de refazer o caminho que levou à deformação do

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(8) José Ferrater Mora, Diccionario de Filosofía, vol. IV, 5. ed., 1986, Madrid, Aiianza, p. 2785.

(9) o texto, publicado inicialmente em inglês (1947), foi inserido em uma obra mais abrangente, editada na Alemanha sob o titulo Crítica da Razão instrumental (1967). Há tradução em espanhol, com este mesmo título. A exposição que se segue tem em conta a tradução brasileira (Max Horkheimer, Eclipse da Razão, São Paulo, Centauro Editora, 2000).

(10) Horkheimer, op. cit., p. 1 70- 1 87. Como observa Barbara Freitag, na in- terpretação de Horkheimer, a teoria tradicional preocupa-se em formar sentenças que definem conceitos universais. Para tanto procede na base da lógica formal, defendendo o principio da identidade, da contradição e do terceiro excluído. É a tradição de Descartes aplicada às ciências

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saber produzido pelo iluminismo, e de indagar, nos limites do presente trabalho, sobre as repercussões da razão instrumental no campo do direito e do abuso do direito, mormente numa época em que a ética da eficiência e o desterro dos valores da tradição acabam por reduzir as questões da justiça, da eqüidade e do bem comum à relação meio-fim, própria das sociedades utilitaristas.

O movimento de codificação, que se iniciou com o Estado Moderno, coincide com a necessidade de garantir a crença nos valores fundamentais, proclamados pela civilização burguesa. Com a era industrial, o individualismo, aquilo que é particular, acabou por assumir o papel antes desempenhado por aqueles princípios universais, que se diziam fundados na razão objetiva.11 A lógica da reprodução ampliada acabou por interferir sensivelmente nas condições de vida daquela legião de pessoas atraídas para os grandes centros urbanos. Assim, a pretexto de garantir o contrato social, numa sociedade marcada por acentuados contrastes e diferenças, desenvolveu-se um processo de regulamentação generalizada da vida, que acabou rompendo com aqueles preceitos do direito natural, nos quais se fundavam os chamados direitos civis do Estado Liberal burguês.

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modernas, em que os fatos se tornam casos singulares, exemplos ou concretizações do conceito ou da lei gerai. De outra forma, para a teoria critica, é certo que existem conceitos gerais, a exemplo das categorias marxistas mercadoria, valor, dinheiro, acumulação etc., com as quais Horkheimer inicialmente trabalha. Todavia, a relação entre realidade e conceitos não é, por isso mesmo, análoga à que existe entre casos particulares e uma categoria ou espécie. Mais que isto, a esta relação não se aplica simplesmente os elementos da lógica formal. A teoria crítica procura integrar um dado novo ao corpo teóricojá elaborado, relacionando-o sempre com o conhecimento quejá se tem do homem e da natureza naquele momento histórico. Ou seja, na base do conceito geral de troca simples de mercadoria, por exemplo, procura mostrar, a partir de novas pesquisas, próprias e alheias, como a economia de troca nas condições atualmente dadas conduz necessariamente ao agravamen- to das contradições na sociedade, o que leva a guerras e revoluções (Barbara Freitag, A teoria crítica: ontem e hoje, São Paulo, Brasiliense, 1986, p. 38-39).

(11) Horkheimer, op. cit., p. 28 e 29.

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Paralelamente à arbitrária redução do conteúdo da razão iluminista, reduziu-se também a esfera da liberdade das pessoas. A razão objetiva, antes ocupada em preencher a função intelectual que de- sempenhava a religião — esta destronada pelos revolucionários — perdeu sua autonomia, cedendo lugar para uma razão formalizada, cujo caráter operacional tornou-se único critério de avaliação. Assim, na chamada sociedade de massas a razão subjetiva e o utilitarismo perverso substituíram as raízes intelectuais dos valores inspirados na justiça, igualdade, felicidade, tolerância, pela funcionalidade dos significados. Se o conceito de verdade é significativo, só o é em função de suas conseqüências. O direito, a arte e a religião foram apartados da verdade à medida que se tornaram algo inteira- mente aproveitado no processo social.12

Enfim, nada vale por si mesmo e nenhum objetivo como tal é melhor que o outro. Destas razões superiores da funcionalidade o pensamento moderno tentou extrair uma filosofia, tal como se apresenta no pragmatismo de William James. Nele, a razão subjetiva apresenta um caráter instrumental. No lugar de conceitos analíti- cos, buscam-se simples abreviações de itens aos quais o conceito se refere, meros auxiliares do processo produtivo. Assim, quanto

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(12) Horkheimer, op. cit., p.29 3 1 , 32, 39,44,48, 49, 50e 176. MaxHorkheimer trata, neste ponto, da reificação. O conceito, originalmente utilizado por Marx quando ¿studa a mercadoria, designa o processo pelo qual o caráter humano das relações sociais permanece oculto, apresentando-se, na sua aparência, àqueles que participam dessa relação, como algo totalmente independente de suas vontades. Segundo Horkheimer, a origem desse processo deve ser buscada nos começos da sociedade organizada e do uso de instrumentos. Contudo, a transformação de todos os produtos da atividade humana em mercadorias só se concretizou com a emergência da sociedade industrial. As funções outrora preenchidas pela razão objetiva, pela religião autoritária ou pela metafísica têm sido ocupadas pelos mecanismos reificantes do anônimo sistema econômico (Horkheimer, op. cit., p. 48). Para melhor compreensão teórica do conceito de reificação, ver Karl Marx, Capital — A critique of Political Economy, vol. 1 (Oprocesso deprodução do capital), Moscow, Progress Publishers, 1977, Parte I, Capítulo I, Seção 3, D, p. 75, e KarI Marx, op. cit, vol. 3 (Theprocess of capitalista production as a whole), Parte vI, Capítulos XL a XLVII, p. 614-813.

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mais as idéias se tomam automatizadas, instrumentalizadas, menos as pessoas vêem nelas pensamentos com um significado próprio. São consideradas como coisas, máquinas. A razão subjetiva também serviu, sob outro aspecto, ao desenvolvimento do positivismo moderno, do fisicalismo, onde a linguagem aparece apenas como mero instrumento no gigantesco aparelho de produção da sociedade moderna. Para a filosofia analítica, herdeira das elaborações do positivismo lógico, as sentenças performativas, ainda que não tenham significado do ponto de vista dos proferimentos constatati- vos, revelam um sentido ligado a sua operacionalidade.13 Precisamente neste ponto é que se pode colher a relevância estratégica de um direito descolado da realidade, das tradições e dos valores.

Se é certo que a sociedade do século XX está enredada por teias organizacionais, fruto da burocracia crescente das economias planificadas e do dirigismo econômico, certo também é que a razão instrumental assume, nesse cenário de desumanização do pensamento e de atrofia da capacidade crítica, um importante papel de homo- geneização de conteúdos, que se revela na esfera do direito através da noção de uma justiça social ampliada, própria do welfare state, do chamado Estado Providência. O direito, nos quadros de uma sociedade utilitarista, é posto por decisão, legitimando-se através de procedimentos que se revelam na eleição dos governantes, na votação das leis, na solução judicial dos conflitos. Trata-se de decisões técnicas, que variam na dependência dos fins e do resultado, cuja validade está diretamente relacionada ao bom desempenho do sistema jurídico. Essa tecnicização do direito, que se opera nas

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(13) Horkheimer, op. cit., p. 29, 30 e 49. A propósito das funções da linguagem, ver o que foi dito no capítulo anterior, na base das idéias do segundo Wittgenstein, de Charles Stevenson e de Austin. Para Horkheimer, a funcionalização da linguagem acaba com a distinção entre pensamento e ação. Todo pensamento ou palavra se transforma em instrumento. Como nos tempos da magia, cada palavra é considerada uma força poderosa que pode destruir a sociedade e pela qual aquele que fala deve ser responsabilizado (idem, p. 31). A propósito da operacionalidade jurídica que se retira deste caráter mágico das chamadas palavras ocas, ver o que foi dito, na base de AIf Ross e Olivecrona, no capítulo anterior (seção 4.4).

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mãos de engenheiros,14 não pode recusar, entretanto, um certo contato com a razão objetiva.

É fato que nas sociedades pragmáticas do século XX tudo é posto por decisão. Mesmo os fundamentos desta decisão são também postos, o que faz pensar, sobretudo na esfera das correntes forma- listas do direito, que o sistemajurídico está fundado em verdadeiros axiomas. Contudo, os engenheiros têm de manter um certo controle sobre essas estruturas de poder, o que a simples ética instrumental muitas vezes não está em condições de prover. Opera-se, assim, uma passagem da razão objetiva para a razão subjetiva, com ligeiras adaptações, que visam a facilitar a pragmatização da vida e a formalização do pensamento. No dizer de Horkheimer — referindo-se, nesse passo, às relações entre filosofia e religião 15— as adaptações da filosofia absoluta à sociedade pragmática preenchem uma função útil para os poderes constituídos. Assim, por exemplo, a humanização do positivismo francês, na base da idéia de solidariedade, inspirada no racionalismo cognitivista da ilustração, cumpre determinadas funções sociais. Os reflexos de uma tal adaptação, no campo do direito, podem ser encontrados no conceito de consciência jurídica coletiva, desenvolvido por Léon Duguit, noção que orientou várias gerações de juristas, na tentativa de rever a teoria do abuso do direito no contexto da sociedade de massas.

A partir da metade do século XX, como foi visto no primeiro capítulo (seção 1 .4), alguns autores buscam fundamentar uma teoria

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(14) Para Horkheimer, engenheiros seriam todos os técnicos e profissionais que compõem a moderna tecnocracia, a exemplo dos industriais, administradores, políticos etc. (Horkheimer, op. cit., p. 156). Assim como Platão queria transformar os filósofos em governantes, os tecnocratas querem transformar os engenheiros em componentes do quadro de diretores da sociedade (idem, p. 66). O engenheiro não está interessado em compreender as coisas por si mesmas ou em função do en- tcndimento em si mesmo, mas sim em função de ajustá-las dentro de um esquema... A mente do engenheiro é a mesma mente do industrial em forma tecnológica. O seu comando decidido transformará os homens num conjunto de instrumentos sem objetivos próprios (idem, p. 152-153).

(15) Horkheimer, op. cit., p. 68 e 69.

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objetiva do abuso do direito, desligada da concepção individualista da aeinttlatio (que ainda sobrevive no século xvIII, como forma de contornar o egoísmo dos direitos absolutos), utilizando-se, para tanto, da idéia de uma consciência jurídica coletiva, que ora se revela na noção de princípios gerais de direito ora em preceitos extraídos das opiniões culturais dominantes.16 A consciência, como categoria filosófica, é a mais viva expressão do racionalismo. Entretanto, numa sociedade premida pela industrialização e urbanização crescentes, não são mais os fatos interpretados a partir de uma abstração qualquer. Ao inverso, os conceitos passam a ser elaborados para atender às necessidades ditadas por uma ética da eficiência. Assim, a idéia da consciência mesma, de um dado apriori que condiciona a experiênciajurídica, passa por algumas reformulações.

Em verdade, as primeiras elaborações acerca de uma consciência coletiva surgem com Durkheim, que desenvolve um naturalismo social fundado na metodologia positivista. Sob este enfoque, os fatos sociais são tratados como se fossem coisas, que têm de ser estudadas a partir dos mesmos métodos, de natureza empírica, aplicados às ciências físicas e às ciências naturais.17 Todavia, Durkheim não é propriamente um materialista. Na sua concepção, a sociologia deve voltar os olhos não apenas para as formas materiais, mas também para os estados psíquicos. E por meio de suas consciências que os homens estabelecem relações. Depois de afastar uma interpretação psicofisiológica da vida mental, Durkheim sustenta que a consciência coletiva não é simples somatório das

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(16) A propósito, ver as elaborações de Mario Rotondi (Instituiciones de Derecho Privado, México, Editorial Labor, S.A., 1953, p. 99-101), de Roberto Goldschmidt (A teoria do abuso do direito e o anteprojeto bra- sileiro de um código de obrigações, in Revista Forense, vol. 97, Ano 4 1, fasc. 487, janeiro de 1 944, p. 27-30), de Paulo Dourado de Gusmão (Pressupostos filosóficos da noção de abuso do direito, in Revista Forense, Rio de Janeiro, voi. 1 20, Ano 45, fasc. 545, p. 374-377), de Martín Bernal (Elabuso delderecho, Madrid, Editorial Montecorvo, S. A., 1 982, p. 1 43) e de Luis Alberto Warat (Abuso del derecho y lagunas de la ley, Buenos Aires, Abeiedo-Perrot, 1969, p. 60, 66 e 83).

(17) Émile Durkheim, As regras do método sociológico, 10. ed., São Paulo. Nacional, 1982, cap. 2, p. 13-40.

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consciências individuais. O ato humano tem valor porque visa a uma finalidade superior ao indivíduo. Daí porque a sociologia não pode ser confundida com a psicologia.18 Léon Duguit, embora

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(18) Para Durkheim, o conhecimento daquilo que se passa nas células cerebrais não constitui a chave das representações individuais. A demonstração desta assertiva pode ser feita tomando como exemplo a faculdade da memória. Segundo os que defendem tratar-se de simples fenômeno físico de retenção, certa idéia pode deixar de existir, mas a impressão orgânica que precedeu essa representação não desapareceria completamente. Restaria uma certa modificação do elemento nervoso, que o predisporia a vibrar de novo. Mas se o passado, tudo aquilo que sobrevive no curso dos anos, tal como os hábitos, preconceitos, tendências, não é senão um fenômeno orgânico, está claro que, alteradas as condições físicas, desfeitos os elementos nervosos em que se baseia determinada representação, as próprias idéias desapareceriam. Em verdade — dirá Durkheim — as coisas não se passam bem assim, como demonstram os próprios fatos. Se as representações desaparecessem totalmente, desde que saíssem da consciência atual, se sobrevivessem apenas sob a forma de um vestígio orgânico, as semelhanças que pudessem ter com uma representação surgiriam do nada, uma vez que não pode haver nenhuma similaridade, direta ou indireta, entre esse vestígio, do qual se admite a sobrevivência, e o estado psíquico agora considerado. Durkheim prossegue, tratando do inconsciente — o que não interessa aqui desenvolver — para depois afirmar que o conhecimento do que se passa nas consciências individuais não constitui a chave das representações coletivas. A consciência coletiva é a resultante das consciências individuais, que as ultrapassa, contudo, assim como o todo ultrapassa a parte. Eis aí como o fenômeno social não depende da natureza pessoal dos indivíduos. Neste ponto, o sociólogo positivista combate — no seu próprio modo de dizer — tanto a metafísica materialista (explicação do complexo pelo simples, do todo pela parte) como a metafísica idealista (que faz derivar a parte do todo, vale dizer, que retira do nada, do todo sem a parte, aquilo de que a parte necessita para existir). A teoria política e moral desenvolvida por Durkheim guarda as impressivas marcas desta particular maneira de conceber a relação entre o individual e o coletivo: a vida coletiva não é mais vista como epifenômeno da vida individual, assim como a representação indivi- dual não é mais vista como epifenômeno da vida física. E isso porque a personalidade coletiva é algo mais que a totalidade dos indivíduos que a compõem. A moral começa, portanto, onde começa a vida em

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