Português: contexto, interlocução e sentido



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. Acesso em: 7 mar. 2016.

Bianda: comida.
Bolanha (reg. Guiné-Bissau, Cabo Verde): terreno alagado, geralmente na beira de um rio, em que se cultiva arroz.
Mulher-bideira: revendedora.
Noites di kumpra pon: noites de comprar o pão.
Mafé di aos: a única alimentação; conduto.

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ELOAR GUAZZELLI



O Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa convencionou chamar aos nascidos na Guiné-Bissau de “guineenses”, na capital Bissau de “bissanenses” ou “bissauenses”, na Guiné de “guineanos” ou “guinéus” e na Guiné-Equatorial de “guinéu-equatorianos”.

Helder Proença, Francisco Couto de Pina, José Carlos Schwartz e Félix Sigá são alguns dos poetas que, a partir da década de 1970, escreveram sobre a identidade africana, mas também se aventuraram por outros rumos poéticos, deslocando os temas do povo-nação para o indivíduo.

Aos poucos, os autores guineenses começam a explorar a riqueza cultural de um país onde muito ainda há por ser feito e escrito.
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TEXTO PARA ANÁLISE

O texto a seguir serve de base para as questões de 1 a 3.

Texto 1

Herança

Neste poema, o eu lírico fala da herança legada pelos antepassados.

O meu avô escravo


legou-me estas ilhas incompletas
este mar e este céu.

As ilhas


por quererem ser navios
ficaram naufragadas
entre mar e céu.

Agora
aqui vivo eu


e aqui hei-de morrer.

Meus sonhos


de asas desfeitas pelo sol da vida
deslocam-se como répteis sobre a areia quente
e enroscam-se raivosos
no cordame petrificado da fragata
das mil partidas frustradas.

Ah meu avô escravo


como tu
eu também estou encarcerado
neste navio fantasma
eternamente encalhado
entre mar e céu.

Como tu
também tenho a esmola do luar


e por amante
essa mulher de bruma, universal, fugaz,
que vai e vem
passeando à beira-mar
ou cavalgando sobre o dorso das borrascas
chamando, chamando sempre,
na voz do vento e das ondas.

FONSECA, Aguinaldo (cabo-verdiano). In: APA, L.; BARBEITOS, A.; DÁSKALOS, M. A. (Orgs.). Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. p. 138-139.



Cordame: conjunto de cabos e cordas de uma embarcação.
Fragata: tipo de navio.
Bruma: névoa, neblina.
Borrascas: tempestades acompanhadas de ventos fortes.

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ELOAR GUAZZELLI



1. Os elementos do poema e a origem de seu autor permitem inferir qual é o cenário a que se refere o eu lírico. Explique.

> Transcreva no caderno os termos utilizados pelo eu lírico para caracterizar esse cenário.

2. O poema fundamenta-se em uma relação entre o eu lírico e o espaço descrito. A partir dos termos usados para caracterizar o cenário, o que se pode afirmar sobre essa relação?
Página 158

3. O eu lírico estabelece, no poema, uma interlocução. Quem é o seu interlocutor e como ele contribui para a percepção que o sujeito tem do seu espaço?

> Qual é a relação entre esse interlocutor e o título do poema?

O texto a seguir refere-se às questões de 4 a 7.

Texto 2

Mamã Negra

(Canto de esperança)



Neste poema, o eu lírico se dirige à sua interlocutora para falar dos sofrimentos do povo angolano ao longo dos séculos.

Tua presença, minha Mãe — drama vivo duma Raça


drama de carne e sangue
que a Vida escreveu com a pena de séculos.

Pela tua voz

Vozes vindas dos canaviais dos arrozais dos cafezais dos seringais dos algodoais
[...]

Pelo teu dorso

Rebrilhantes dorsos aos sóis mais fortes do mundo
Rebrilhantes dorsos, fecundando com sangue, com suor amaciando as mais ricas terras do mundo

Rebrilhantes dorsos (ai a cor desses dorsos)


Rebrilhantes dorsos torcidos no tronco, pendentes da forca caídos por Lynch.
Rebrilhantes dorsos (ah, como brilham esses dorsos),
ressuscitados com Zumbi, em Toussaint alevantados.
Rebrilhantes dorsos...
brilhem, brilhem, batedores de jazz
rebentem, rebentem, grilhetas da Alma
evade-te, ó Alma, nas asas da Música! ...
do brilho do Sol, do Sol fecundo
imortal
e belo...

Pelo teu regaço, minha Mãe

Outras gentes embaladas
à voz da ternura ninadas
do teu leite alimentadas
de bondade e poesia
de música ritmo e graça...
santos poetas e sábios...
Outras gentes... não teus filhos,

que estes nascendo alimárias


semoventes, coisas várias
mais são filhos da desgraça
a enxada é o seu brinquedo
trabalho escravo — folguedo...
Pelos teus olhos, minha Mãe

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ELOAR GUAZZELLI


Página 159

Vejo oceanos de dor


claridades de sol posto, paisagens
roxas paisagens
[...]
Mas vejo também (oh, se vejo...)
mas vejo também que a luz roubada aos teus olhos, ora esplende
demoniacamente tentadora — como a Certeza...
cintilantemente firme — como a Esperança...
em nós outros teus filhos,
gerando, formando, anunciando
— o dia da humanidade
O DIA DA HUMANIDADE...

CRUZ, Viriato da (angolano). In: APA, L.; BARBEITOS, A.; DÁSKALOS, M. A. (Orgs.). Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. p. 56-57. (Fragmento).



Lynch: referência às mortes de negros, em geral espancados e depois enforcados por um grupo de indivíduos. Um dos episódios mais conhecidos desse tipo de violência é a morte de dois jovens negros acusados de violentar uma jovem branca, em Indiana, nos EUA, em 1930. Esse tipo de ação bárbara ficou conhecido como “Lei de Lynch”, expressão de origem controversa da qual teria derivado o termo linchamento.
Toussaint: referência ao ex-escravo Toussaint L’Ouverture, um dos líderes da rebelião de escravos na Ilha de São Domingos, iniciada em 1791. A revolta foi um dos elementos mais importantes para a independência do Haiti, proclamada em 1804.
Grilhetas: grilhões, argolas de ferro.
Regaço: colo.
Alimárias: animais, bestas de carga.
Semoventes: que se movem por si próprios.
Folguedo: brincadeira, divertimento.

4. No poema, o eu lírico se dirige a sua interlocutora por meio do vocativo “minha Mãe”. Considerando o contexto do poema, é possível afirmar que o eu lírico faz uso dessa expressão para se dirigir à pátria? Explique.

> Um texto literário, como você viu ao longo deste volume, é resultado de uma combinação de agentes, entre os quais estão o autor que o escreveu e o contexto em que ele foi produzido. No poema transcrito e em outros elementos relacionados a ele, há alguma informação sobre esses agentes que contribua para identificar mais especificamente quem é a interlocutora do eu lírico? Explique.

5. Na sétima estrofe do poema, o eu lírico faz referência aos filhos que receberam os cuidados dessa mãe. Quem são eles, considerando o contexto apresentado no poema? Explique.

> De que forma a referência a esses filhos sugere a herança de um passado colonial dessa pátria a quem o eu lírico se dirige?

6. Na estrofe seguinte, o eu lírico caracteriza os verdadeiros filhos desse país. Transcreva no caderno os termos utilizados por ele para fazer essa caracterização.

> De que forma os termos utilizados para fazer essa caracterização comprovam que essa mãe é o “[...] drama vivo duma Raça / drama de carne e sangue”?

7. Embora os versos iniciais da última estrofe ainda tratem dos efeitos negativos do passado colonial desse povo africano, há uma mudança no tom assumido pelo eu lírico em relação ao presente e ao futuro dessa nação. Explique.

> Considerando o que você viu, nesta seção especial, sobre a poesia africana e seus temas, como esse texto se relaciona com a produção literária dos autores desse país?
Página 160

A narrativa africana de língua portuguesa

Para os povos africanos, a tradição das narrativas orais é muito importante. Por meio dos mitos, das lendas, dos contos que passam de geração a geração, os costumes e valores dessas culturas são transmitidos e reforçados.

Quando as ex-colônias portuguesas conquistam sua independência, torna-se necessário criar textos literários que “narrem” as novas nações. É no repertório das narrativas orais e na história dos anos de opressão que os escritores vão buscar os elementos essenciais para definir a identidade desses povos.

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O sol se põe por trás de um baobá, no Parque Nacional da Quiçama, Angola, 2015.

TROPICALPIX/E+/GETTY IMAGES
Página 161

O mar pingando lembranças

[...] A cidade era governada pelas marés. E as marés eram mandadas por pássaros. Assim se dizia. Um passarito cinzento chamava a enchente. Outro, maior, de asas brancas, convocava a baixa-mar. Me encantava essa crença, o poder de singelas criaturinhas comandarem o imenso oceano. Eu menino não era guiado por relógio. Vivia como essas aves que esperam as ondas. [...]

Agora, em meu sono, já não há paisagem sem mar. [...] As pequenas canoas — os conchos e as almadias — vencem as águas lamacentas do esquecimento. O Índico ficou margem da minha alma. Nesse eu nasci. Nasci tanto que, agora, os meus sonhos são anfíbios. O passado é um litoral onde tudo se converte em espuma. [...]

Sou moçambicano, filho de portugueses, nasci em pleno sistema colonial, combati pela Independência, vivi mudanças radicais do socialismo ao capitalismo, da revolução à guerra civil. Vim à luz num tempo de charneira, entre um mundo que nascia e outro que morria. Entre uma pátria que nunca houve e outra que está nascendo. [...]

Cresci nesse ambiente de mestiçagem, escutando os velhos contadores de histórias. Eles me traziam o encantamento de um momento sagrado. [...]

Eu queria saber quem eram os autores daquelas histórias e a resposta era sempre a mesma: ninguém. Quem criara aqueles contos haviam sido os antepassados, e as histórias ficavam como herança dos deuses. [...]

COUTO, Mia. Águas do meu princípio. In: Pensatempos: textos de opinião. Lisboa: Caminho, 2005. p. 147-151. (Fragmento).

Charneira: pessoa ou coisa que une dois ou mais elementos; articulação.

O fio da história

[...] Qual então o fio da história? O cão? A toninha? O mar? Luanda? Ou tudo isso é que afinal era a vida boa daqueles tempos pouco depois da independência [...], em que a vida estava na pedra de cada muro, no buraco de cada rua, na coragem toda nova das pessoas de olharem para o fundo dum beco sem saída e encontrarem força de sorrir? [...]

PEPETELA. O cão e os caluandas. Lisboa: Dom Quixote, 1985. p. 179. (Fragmento). Título criado para fins didáticos.

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Meninos no mar, em Bazaruto, Moçambique, 2007.

ATLANTIDE S.N.C./AGE FOTOSTOCK/KEYSTONE BRASIL
Página 162

Da fala para a escrita

Angola é composta de 9 grandes grupos étnico-linguísticos. Essa rica formação manifesta-se na oratura em seis classes principais: Misosso (histórias tradicionais envolvendo animais falantes em que predicados como a inteligência e a astúcia são valorizados), Maka (histórias verdadeiras ou contadas como se fossem verdadeiras, de função exemplar), Ma-Lunda ou Mi-Sendu (crônicas históricas transmitidas pelos mais velhos apenas a alguns membros da classe dominante), Ji-Sabu (provérbios), Mi-Imbu (poesia e música, quase sempre inseparáveis) e Ji-Nongo Nongo(adivinhas).

A partir de 1948, um grupo de estudantes, entre eles Antonio Jacinto e Agostinho Neto, começam a revisitar as lendas, os provérbios, as adivinhas e toda a tradição presente na oratura angolana. Esse processo faz parte do movimento “Vamos descobrir Angola”, que tem como um de seus objetivos resgatar a oratura silenciada pelo colonizador e incorporá-la à escrita, deixando para trás as tradições europeias impostas por anos de repressão. Assim ganham voz, na literatura, os sentimentos e as aspirações do povo angolano.

A África que conta histórias

Creio que a literatura nacional é elemento
indispensável, tão importante como outro
qualquer, para a consolidação da independência.
É um fator que ajuda a aumentar a unidade nacional,
por ser veículo de situações, modos de vida e de pensar,
dentro do País [...]. Afirmo que não há, não pode haver,
a criação dum país verdadeiramente independente sem
uma literatura nacional própria, que mostre ao povo
aquilo que o povo sempre soube:
isto é, que tem uma identidade própria.

PEPETELA. Citado por HILDEBRANDO, António. Pepetela: A parábola do cágado velho – construindo pontes. In: SEPÚLVEDA, Maria do Carmo; SALGADO, Maria Teresa. África e Brasil: letras em laços. São Caetano do Sul: Yendis Editora, 2006. p. 317. (Fragmento).

Um imenso tronco de árvore, do qual brotam novos galhos e no qual alguns galhos se emaranham e outros morrem, em um movimento contínuo de transformação e renovação. Essa é uma boa imagem para simbolizar o repertório de narrativas de uma dada cultura. Os vários galhos representam as elaborações e recriações da tradição oral e escrita de um povo.

No caso das culturas essencialmente ágrafas, o peso da oratura na construção de uma identidade cultural é imenso. A oratura é a literatura oral, constituída pelas lendas, pelos romances, pelos contos, pelos provérbios, pelas quadras, pelas parlendas, pelas rezas e orações. Um imenso repertório que se renova à medida que passa de uma geração a outra, alimentando o imaginário popular.



Tradição oral, ficção escrita: encontros necessários

Acostumados ao mundo da escrita e dos livros, é frequente nos esquecermos de que a África é um continente no qual o analfabetismo ainda é imenso. Nos países africanos lusófonos, o alto índice de analfabetismo é uma das consequências herdadas dos anos de submissão à máquina colonial portuguesa.

Com a chegada da independência, países como Angola e Moçambique enfrentaram duros anos de guerra civil que afetou a vida de milhões de pessoas e, entre outras coisas, comprometeu dramaticamente um sistema educacional já muito incipiente. Segundo um relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, divulgado em 2005, o índice de analfabetismo em Moçambique corresponde a 53,50% da população. Em Angola, a 33,20%.

O fato de tantas pessoas não saberem ler ou escrever não significa que não produzam cultura. Também não significa que a literatura não seja uma parte importante de suas vidas. É no âmbito da oralidade que essas pessoas constroem suas histórias.

Em um contexto como esse, é natural que oratura e literatura se aproximem. Mais natural ainda é o movimento feito por muitos escritores que buscam, na tradição oral do povo a que pertencem, temas fundadores para inspirar as narrativas que escreverão.

Com a decisão consciente de participarem da construção da identidade do povo do qual fazem parte, esses autores transformam suas obras em espaço de resgate das vozes populares que nem mesmo as décadas de governo colonial foram capazes de calar.



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Dançarinos em trajes típicos durante cerimônia de iniciação, na fronteira de Angola e Zâmbia, c. 1975-1995.

CHARLES & JOSETTE LENARS/CORBIS/LATINSTOCK
Página 163

Como sempre circularam fora dos meios oficiais e institucionais associados à divulgação da cultura, essas vozes sobreviveram aos mecanismos de censura ditatoriais e representam um repertório dos elementos verdadeiramente autênticos associados à identidade de um povo. Elas ganharão vida nova na forma de galhos nascidos na grande árvore do repertório narrativo.

Nossa intenção, ao apresentar alguns dos principais nomes da ficção africana em língua portuguesa, não é compor uma história da literatura escrita nesses países. Também não pretendemos realizar um estudo minucioso dos autores escolhidos. Queremos somente revelar parte dessa produção literária, ainda bastante desconhecida por nós brasileiros, e, com isso, ajudar a divulgar um pouco da história de luta pela constituição de uma identidade autônoma que se faz presente nos contos e romances dos autores africanos.

Um pedaço da África em Lisboa

O governo de Salazar, interessado em manter um espaço para dar apoio aos estudantes provenientes das colônias portuguesas, fundou em 1944 a Casa dos Estudantes do Império. Apesar da orientação fascista das comissões administrativas escolhidas para essa instituição, a CEI acabou por se tornar o berço das ideias nacionalistas que levariam à independência das colônias africanas.

Nesse espaço formaram-se importantes intelectuais e surgiram os membros dos quadros de liderança dos partidos que lutaram contra a metrópole. Os jovens africanos chegavam a Lisboa financiados, muitas vezes com sacrifício, por suas famílias, pela Igreja ou por outras instituições. A efervescência de suas ideias e a força de seus sonhos germinaram no coração da metrópole as sementes da independência africana.

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Placa comemorativa da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, Portugal.

DEPARTAMENTO DE PATRIMÔNIO CULTURAL DA DIREÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA (LISBOA)

Escritores angolanos: engajamento político e criação literária

Minha história. Se é bonita, se é feia, vocês é que sabem. Eu só juro não falei mentira e estes casos passaram nesta nossa terra de Luanda.

VIEIRA, José Luandino. Estória da galinha e do ovo. In: Luuanda: estórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 132. (Fragmento).

Entre os territórios africanos dominados por Portugal, Angola é aquele com história mais longa. O interesse em promover o desenvolvimento da colônia e garantir uma estrutura urbana e social mais acolhedora para os emigrados fez com que o governo português cuidasse do território e, como contrapartida, acabou por garantir que os angolanos conquistassem mais cedo algumas condições essenciais para o desenvolvimento de uma voz própria.

Como acontece nos países colonizados, o romance é um gênero importado, trazido pelos colonizadores quando se instalaram nos novos territórios. Em Angola essa chegada aconteceu no século XIX e, desde então, o país viu surgirem ficcionistas locais.



A ficção a serviço da História

Muitos intelectuais africanos, que iam para Portugal buscar uma formação universitária, encontravam-se em Lisboa, na Casa dos Estudantes do Império (CEI), entre 1944 e 1965. Ali, discutiam os destinos das colônias africanas lusófonas, irmanando-se em torno de posições libertárias e ideais socialistas.

Nesse espaço de debate cultural e político, reuniram-se alguns dos escritores que participariam dos movimentos de libertação e reconstrução de seus países, como Agostinho Neto (poeta e futuro presidente de Angola), José Luandino Vieira e Pepetela. Na CEI, o mote “Vamos descobrir Angola”, lançado por jovens intelectuais angolanos em 1948, renasce e passa a inspirar a ficção de Luandino Vieira e Pepetela.

Quando os movimentos anticolonialistas africanos ganharam força, na década de 1960, a prosa de ficção foi uma das frentes de combate. Em um período tenso, a visibilidade que as figuras marginalizadas conquistaram nas narrativas contribuiu para alimentar o desejo de resistência popular ao governo português.

Decididos a dar à literatura uma função associada a um claro projeto político, os escritores angolanos voltaram sua atenção para o resgate da memória. Em plena luta pela conquista da independência, a necessidade de conhecer o passado, de transformar a reminiscência em um ato de evocação do espírito do povo ganhou significação revolucionária. Na recriação do passado para servir à causa da independência, a matéria da memória transformou-se em matéria narrada, delineando um espaço definitivo para a prosa de ficção angolana.

Não seria possível, no espaço deste material, tratar das muitas obras de todos os autores que iremos apresentar nesta seção. Para não produzir uma lista que pouco contribuiria para que os alunos realmente tomassem contato com a prosa ficcional angolana, optamos por selecionar uma obra de cada autor, representativa da sua visão de literatura, e trabalhá-la de modo mais aprofundado. Esperamos, com isso, tornar mais clara a visão de literatura que preside a ficção angolana a partir da década de 1960 e mostrar como cada um dos escritores apresentados vincula-se a esse projeto literário.
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Conheceremos, agora, alguns dos principais nomes da literatura contemporânea que contam para seus conterrâneos e para o resto do mundo um pouco da história de Angola.



Luandino Vieira: o peso político da palavra

Prisioneiro político, foi no campo de concentração do Tarrafal de Santiago, em Cabo Verde, que José Mateus Vieira da Graça escreveu boa parte de sua obra literária. O pseudônimo com que ficaria conhecido mundialmente, Luandino, foi escolhido por esse português de nascença para marcar sua profunda identificação com a capital angolana, cenário preferencial de sua narrativa.

Ironicamente, a postura anticolonialista que custou a liberdade a Luandino acabou por gestar o nascimento de uma voz mais poderosa e revolucionária do que a do indivíduo: a do escritor que transformou a palavra escrita em arma contra os opressores portugueses.

José Luandino Vieira nasceu em Portugal em 1935, mas sua participação nas lutas de libertação de Angola, para onde se mudou ainda criança, fez com que ele se tornasse cidadão angolano. Depois da independência de Angola, libertado após muitos períodos de cárcere, Luandino Vieira organizou e dirigiu por três anos a Televisão Popular de Angola.

Entre 1979 e 1984, deu vida ao Instituto Angolano de Cinema.

Em 1992, o fracasso das primeiras eleições livres em Angola e o recomeço da guerra civil fizeram com que decidisse viver em Portugal como um agricultor.

Em 2006, mesmo ano em que voltou a publicar, recusou o Prêmio Camões e os cem mil euros (equivalentes a 300 mil reais) concedidos ao vencedor.

Entre suas obras, destacam-se os livros de contos: Luuanda (1963); No antigamente, na vida (1974); Macandumba (1975); e os romances: Nós, os do Makulusu (1974) e Nosso musseque (2003).



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José Luandino Vieira durante o Fórum das Letras de Ouro Preto, MG, em 2010.

UBIRATAN BRASIL/AE/ESTADÃO CONTEÚDO


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